ALÉM DAS BIBLIOTECAS


SUZANO E MUITO MAIS...

Nada escrevi sobre a tragédia de Suzano, Grande São Paulo – SP. Aguardei transcorrer um mês, próximo dia 13 de abril. Aguardei um pouco mais de calmaria coletiva diante do incrível atentado ocorrido nas instalações da Escola Estadual Professor Raul Brasil, perpetrado por dois jovens (um dos quais, menor de idade) contra seus antigos professores e colegas, utilizando um manancial de armas, algumas das quais, inusitadas, a exemplo de pequena machada, arco comum e flechas, além de uma “besta”, versão de armamento bastante antigo, oriundo da China e da Europa mediterrânea há 2,5 mil anos. Dentre as oito vítimas fatais, cinco adolescentes, uma funcionária, a Coordenadora Pedagógica e, fora do recinto da Escola, o tio do homicida mais jovem. Com a chegada da polícia ao local, os jovens se suicidaram, deixando para trás um rastro de terror. 

O porquê de minha espera é simples. Cansaço diante da falta de memória nossa, de nossa gente, de nossas autoridades, de nossa mídia e de cada um em particular. Os meios de comunicação trataram o massacre como se fora o primeiro acontecido numa escola brasileira ou como se fora o primeiro registrado no âmbito escolar... Ledo engano. Estamos deixando para trás, e muito rapidamente, momentos terríveis vivenciados nos pátios e nas salas de aula de nossas escolas, em momentos anteriores. Vamos relembrar somente mais três episódios bem próximos. Há muito mais. Precisamos relembrar para que não olvidemos daqui a um ano, ou menos, ou um pouco mais, as vítimas de Suzano. 

O vigia Damião Soares dos Santos, em plena consciência de seu ato, planejou cuidadosamente, 5 de outubro de 2017, massacre à creche municipal “Gente inocente”, que abrigava em suas acomodações simples e pobres, crianças entre três e seis anos de idade, no pequeno município de Janaúba, norte de Minas Gerais. Ateou combustível que deu início a um incêndio em sala de aula. O registro dá conta da morte de 10 crianças e de três professoras, além de 37 feridos. Novamente, o agressor também se suicidou. “Motivo” declarado pela família: distúrbios mentais depois da morte do pai, três anos antes do atentado.

O massacre do Colégio Goyases, Goiânia (Goiás), 20 de outubro de 2017, refere-se à chacina sob o comando de um aluno de 14 anos, matriculado no oitavo ano do ensino fundamental, que abriu fogo contra os colegas, utilizando uma pistola calibre 40, pertencente à sua mãe. Ambos os pais, policiais. Saldo: dois mortos e quatro feridos. Dentre estes, uma menina ficou paraplégica. O menor cumpre três anos de medida socioeducativa, tempo máximo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, para atos infracionais. “Motivo” declarado: bullying.

Em Realengo, bairro pobre e extenso do Rio de Janeiro capital, no dia 7 de abril de 2011, um ex-aluno da Escola Municipal Tasso da Silveira, 23 anos, portando dois revólveres, às 8:30 horas da manhã, invadiu salas de aula lotadas. Total de mortos: 12 adolescentes entre 12 e 14 anos mais o atirador-suicida. “Motivo” registrado em vídeo: vítima de bullying

São muitos e muitos casos similares, no Brasil, no Paquistão e por aí afora. Basta pesquisar. Não se trata de situação singular deste ou daquele país, embora nos Estados Unidos aconteçam com maior frequência. Em nossa realidade, o que mais chama atenção é o descumprimento das medidas de segurança anunciadas pelos administradores municipais e estaduais, logo após cada ocorrência. Não tarda muito para que as promessas sejam esquecidas e engavetadas até suceder nova tragédia. Outro fato angustiante é a busca de justificativas para os agressores. Eles não mataram por participar de games violentos em vídeos ou frequentar lan houses. Eles não mataram por omissão dos educadores e supervisores. Eles não mataram porque o porte de arma é um dos projetos do Governo Bolsonaro. Eles não mataram por conta da prática de bullying, que não é nova como se dizem... Sempre existiu, sem a supervalorização de agora...

O que ocorre é que famílias e lares estão cada vez mais silenciosos. As tecnologias substituem a conversa em família. O acompanhamento dos pais diante das alegrias, tristezas e mudanças de comportamento é considerado “mico.” Cada um, incluindo os próprios progenitores, se mantém num casulo com seu smartphone ou celular baratinho. Presentes caros (ou não) substituem a presença, o aconchego e o colo. A conversa em volta da mesa dá lugar a um sossego constrangedor. Os amigos virtuais substituem o abraço carinhoso dos amigos... O ensinamento de boas ações e da valorização do outro (de preferência, via exemplo cotidiano) é simplesmente esquecido. E assim vai... até nos surpreendermos com os filhos-estranhos-monstros que habitam a nosso lado!

Por tudo isto, agrego ao meu texto, palavras da autoria da professora Anita Bezerra, que circularam em todo vapor nas redes sociais. Ela diz:

Ontem, às 13:30h, quando entrei na sala de aula, os alunos estavam eufóricos comentando sobre a tragédia de Suzano! Eu, como professora de história, resolvi deixá-los debater sobre o assunto! Até que Victor, menino de 10 anos, me perguntou: professora, quem matou o menino que atirou? Todos já responderam, ele que se matou! Victor se levantou e disse: quando minha mãe briga com meu pai, eles ficam dias sem se falar e quando eles ficam de bem de novo, ela sempre fala – você me mata todas as vezes que para de falar comigo! Acho que ele matou todos e se matou porque ninguém queria conversar com ele! Todos ficaram em silêncio. Eu me levantei. Fui até o banheiro e chorei como uma criança! Ontem, depois de 15 anos dando aula, aprendi com o Victor de 10 anos o que é ser humano e que nós matamos uns aos outros dia após dia! Cheguei em casa, abracei meu esposo e filhos. Liguei para um irmão que não nos falávamos por mais de 10 anos. Chamei-o para vir até minha casa no fim de semana. Liguei para minha mãe, para minha sogra, para alguns primos e marquei uma reunião para que todos se reunissem e conversassem uns com os outros! Liguei para alguns amigos só para saber como estavam! Agora vim ensinar o que o Victor me ensinou ontem! Não matem as pessoas! Conversem! Cuidem um dos outros! Cuide de sua família! Nós temos o poder de causar mal ao outro e não nos damos conta disso! Achamos que viver em guerra é melhor, que deixar nossa família é o correto, batemos no peito que somos melhores do que fulano e sicrano só porque nossas atitudes são diferentes. Falamos mal um dos outros. Postamos indireta para nos sentirmos superior, quando na verdade estamos somente matando o outro pouco a pouco! Ensinem seus filhos a amar as pessoas. Não ensinem ódio. Não ensinem eles a machucar as pessoas! Conversem, conversem e se cuidem!


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”