ALÉM DAS BIBLIOTECAS


ME CHAME PELO SEU NOME OU, SIMPLESMENTE, CORAÇÃO ESGOTADO!

 
 

Título é um elemento que atrai ou afasta. É assim com livros, textos avulsos, posts, filmes, exposições, eventos, etc. “Me chame pelo seu nome”, tradução em português de “Call me by your name”, é uma designação longa e difícil de viralizar. Mas, é só sentar diante da telona para entender o sucesso do filme do diretor italiano Luca Guadagnino e produção do brasileiro Rodrigo Teixeira. Adaptado do romance homônimo do ítalo-americano André Aciman, lançado no Brasil, pela Editora Intrínseca, em 2017, a película é coprodução de França, Itália, Estados Unidos da América (EUA) e Brasil. 

Trata-se de impacto subjacente à temática num momento histórico em que parte da sociedade, sobretudo, no Ocidente, clama aos céus o reconhecimento do amor entre os seres humanos, independentemente do gênero dos envolvidos. Evidente que há do lado de lá, quem se posicione contra o amor que envolve pessoas do mesmo sexo, embora aqui resida um dos trunfos de “Me chame pelo seu nome”: ele rejeita qualquer forma de banalização, no decorrer de seus 132 minutos de duração, para, bravamente, evitar macular uma bela história de amor. 

Não é à toa que está entre os indicados ao Oscar do ano, em quatro categorias: melhor filme; melhor ator (Timothée Chalamet); roteiro adaptado (James Ivory); melhor canção original “Mystery of love”, do músico estadunidense Sufjan Stevens. Seu favoritismo se dá desde a estreia no Festival Sundance de Cinema (Estado de Wyoming, EUA), 2017. Além de estar concorrendo tanto para o Globo de Ouro, promoção da Hollywood Foreign Press Association, que escolhe os melhores filmes da tevê e do cinema, quanto para o Bafta, academia britânica responsável pela segunda maior premiação da história do cinema, até então já conquistou o troféu do American Film Institute como “o filme do ano.” 

O cenário, retratado em fotografia ímpar, encanta por uma ambientação que põe em contraste as estações, sobretudo, verão e inverno, cada uma das quais com sua perfeição singular e resquícios que afetam a vida das pessoas nos mais íntimos detalhes. Porém, a maior parte da trama se passa em pleno verão nos anos 80, na velha Itália, o que justifica as palavras iniciais da película: “Em algum lugar do norte da Itália!” A trilha sonora faz sonhar. A harmonia familiar surpreende por um nível de perfeição que beira à desconstrução... Um pai erudito, o professor universitário senhor Perlman, vivido pelo genial ator Michael S. Stuhlbarg, é pleno de atenção para os que lhe rodeiam. A mulher Anella, frágil e forte, carinhosa e dinâmica, representada por Amira Casar é a encarnação do requinte. O filho único, Elio, 17 anos, vivido por Timothée Chalamet, conserva a doçura e o infindo amor pela música, com gestos raros de rebeldia, a exemplo da frágil negação ante o pedido dos pais para que vista determinada camisa que lhe parece espalhafatosa, talvez por ser presente de um casal de gays maduros e felizes. 

A rotina da casa mantém uma incrível aura de cultura, conhecimento e arte, enriquecida pela presença anual, a cada seis semanas de verão, de um novo personagem. Desta vez, o pesquisador rumo ao doutorado, o norte-americano Oliver (Armie Hammer), a quem compete ajudar o professor ilustre em seus estudos e correspondências. E tudo isto em meio a locações magníficas em cidadezinhas medievais da região da Lombardia, em que a natureza, com toda sua grandiosidade, inclui rios e recantos de beleza indescritível. Há tardes à beira da piscina; refeições fartas e sadias, recheadas por frutos retirados do pomar da própria vivenda, na horinha exata do consumo; muito livro “no pedaço”; erudição aqui e ali; recitais de música; passeios de bicicleta e muito mais... Nada muda com a chegada do “intruso.” E, paradoxalmente, tudo muda! Há certa eletricidade no ar! De início, o homem, 24 anos, aproxima-se do menino, para conhecer melhor os arredores. 

Em plena efervescência da descoberta da sexualidade e da própria vida, Elio ensaia os primeiros passos no território. Meninas lhe parecem interessantes. Mas é “ele” quem ocupa seu pensamento. Afinal, assemelha-se aos deuses gregos tão estudados pelo pai... O verão caloroso facilita. Shorts e camisetas insinuam uma nudez próxima a de um deus em plena atividade. São turbilhões de emoções que fazem corar o rosto do jovem ou sangrar seu nariz em momentos incontidos e incompreendidos de tensão. Decide confessar sua atração. A princípio, negação sem muita firmeza. Certo da impropriedade de uma relação como a que se impõe devagarinho, Oliver está ciente do fosso que separa as gerações, e, sobretudo, da distinção de estilos de vida, mas os momentos de êxtase e doce loucura impõem-se... Nada chocante. Até a cena de um delicioso pêssego não consegue agredir a sensibilidade da audiência. Tudo remete à paixão e à felicidade, pouco importa sua transitoriedade anunciada desde sempre. Os grandes amores não precisam durar para sempre. Há pessoas que permanecem conosco quando se vão e ganham o status de estrela distante, mas presentes a cada noite nos céus azuis ou cinzas!

O norte-americano retorna ao seu país. Antes, no entanto, os amantes jogam o jogo da troca de nomes. Quando Oliver sugere ser chamado de Elio e vice-versa, metaforicamente, tornam-se um só sujeito. Após a partida, resta o vazio, mas a compreensão dos pais está presente, sem incômodo ou qualquer peso. O diálogo (mais próximo de um belo monólogo) entre pai e filho, por si só, vale a produção do drama ora em cartaz nos cinemas brasileiros. Seu realismo nos faz sussurrar: “este texto é meu! Eu deveria tê-lo escrito!” Eis a fala do pai. Eis um momento de generoso acolhimento: 

Vocês dois tiveram uma amizade muito bonita. Você é esperto demais para não saber o quão raro é e o quão especial é o que vocês dois tiveram [...] O que vocês tiveram não tinha nada a ver com inteligência. Ele era bom. E vocês dois tiveram sorte de terem se encontrado porque você também é bom.

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Quando você menos espera, a natureza tem maneiras astutas para encontrar nossos pontos mais fracos. Apenas, lembre-se de que eu estou aqui. Agora, você pode desejar não sentir nada. Talvez nunca tenha desejado sentir algo [...] Mas sentir algo, você obviamente sentiu. Vocês tiveram uma amizade linda. Talvez mais do que amizade. E eu o invejo. No lugar de onde eu vim, a maioria dos pais esperaria que tudo passasse [...] Eu não sou esse tipo de pai.

Nós arrancamos tanto de nós mesmos para nos curarmos mais depressa das coisas, que ficamos esgotados perto dos 30 anos. E temos menos a oferecer cada vez que começamos algo novo com alguém novo. Mas, se obrigar a ser um insensível, assim como não sentir coisa alguma, que desperdício! [...] E direi mais uma coisa que esclarecerá melhor. Eu posso ter chegado perto, mas nunca tive o que vocês dois tiveram. Algo sempre me detinha ou ficava no caminho. Como você vive sua vida, é algo de sua conta. Lembre-se que nosso coração e nosso corpo nos são dados apenas uma vez. E antes que perceba, seu coração estará esgotado. Quanto ao seu corpo, chegará a um ponto em que ninguém vai querer olhar para ele, muito menos chegar perto dele. No momento, você sente tristeza, dor… Não as mate. Muito menos a felicidade que você sentiu [...] (Senhor Perlman, 2017, grifos nossos)

Simples assim. O coração esgota-se no momento da descoberta da fragilidade dos amores e das paixões. O coração esgota-se no momento da descoberta de que sonhos e ilusões não mais nos pertencem. O coração esgota-se no momento da descoberta de que os amigos não são tão amigos assim. O coração esgota-se no momento da descoberta de que a solidão entrou de “casa a dentro” de mala e cuia. Pura balela quando se diz que a alma só envelhece se você permitir! Quem assim o afirma, desconhece a velhice imposta impiedosamente pela sociedade ao redor.

E o que dizer do corpo? Este, sim, envelhece sem nossa permissão. Não resta muito para descobrir que nos tornamos invisíveis, ou quando muito, somos apenas uma “velha professora” ou uma “professora velha” ou, simplesmente, “uma velha.” A variação existe: um “velho escritor” ou um “escritor velho”, ou, simplesmente, “um velho.” Simples assim...


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”