MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM TEMPOS DE INFODEMIA
Juliana Matos Brito Maia
Há mais de dois anos, o mundo vive uma nova ordem de relações tensas e incertas com a pandemia do novo coronavírus, que atinge não apenas os ambientes das ciências da saúde, mas revelou cenários problemáticos nos processos de produção, circulação, disseminação e recepção de informações. A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu essa realidade como Infodemia: “Um excesso de informações” provocada por um aumento vertiginoso de produções sobre a covid-19.
Mais do que uma análise sobre o comportamento da informação em tempos de pandemia e infodemia, entendemos que se faz necessário, pela mediação da informação, trazer para o debate possibilidades de mediação da informação com vistas a envolver os profissionais da saúde e os profissionais da informação na discussão e apresentação de saídas para mediar os indivíduos e as comunidades impactados com a infodemia e outras ações problemáticas no trânsito de fluxos informacionais, desde relacionado ao que recebem e compartilham, mas também ao que produzem notadamente no uso das mídias sociais.
Entre os questionamentos, destaco o que cabe e se espera da Ciência da Informação (CI) acerca das discussões sobre informação para a saúde que, no âmbito da Comunicação em Saúde, já vem sendo discutido em vários seminários internacionais e alimentado a literatura especializada da área. Os problemas analisados na comunicação dialogam com as preocupações e ações que se encontram na pauta da Organização Mundial de Saúde (OMS), mas também presentes na comunicação jornalística e transitam pelo que entendemos sobre mediação da informação, ainda que nem a OMS e nem os estudos especializados em práticas jornalísticas se refiram à expressão “mediação da informação”.
Assim, de posse das tais ações desenvolvidas contra a infodemia, pela OMS e por sites de checagem de notícias, identificamos a ação de mediação da informação quando, por exemplo, um veículo jornalístico traz um material detalhando a apuração sobre uma informação enganosa compartilhada nas redes sociais e mostrando ao leitor porque ela é falsa, quais são as diretrizes dos órgãos oficiais e como os jornalistas chegaram à conclusão sobre o post com desinformação.
É, nesse sentido, que realçamos o papel da informação em suas redes de fluxos informacionais e de como a mediação da informação – tanto para o jornalismo, quanto para os demais sistemas de difusão, circulação e compartilhamento de informações – é importante e merece estar nas discussões contemporâneas sobre os processos de informação para a saúde, porque informação também é uma ação preventiva de doenças.
Para além dos hibridismos presentes nas ações informacionais do jornalismo e da produção de notícia pela OMS, vimos realçando na pesquisa, sob o viés da mediação da informação e conforme conceituado pela CI, os hibridismos entre informação e comunicação; entre produção, circulação, recepção e apropriação da informação; entre informação e compartilhamento, notadamente em tempos de pandemia e de pós-verdade.
Durante a pandemia de Covid-19, órgãos internacionais como Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por exemplo, investiram em levar informações sobre a doença para a população em seus (1) sites, o que demonstra a importância de veículos oficiais da área levarem para a população informações confiáveis sobre a Covid-19, oferecendo mais segurança ao cidadão em relação ao que está sendo comunicado, com fontes definidas, fidedignas, transparentes e seguras, em tempos de desinformação e a indústria de informações enganosas sendo compartilhadas nas redes sociais.
Para Maffesoli (2020) a crise sanitária é um sinal de crise civilizatória. Ele apenas critica as adversidades decorrentes de uma pandemia que expõe toda a fragilidade humana e do mundo ante as ordenações simbólicas impostas pela noção de progresso e pelos sistemas modelizantes do que seria um processo civilizatório inclusivo e menos agônico. No bojo de suas análises, também cabe a problematização sobre o esgarçamento da verdade em contextos jornalísticos e as instabilidades nos atuais contextos de produção, circulação, recepção e apropriação de informações em cenários instáveis e com informações volúveis.
A partir do foco na produção, circulação e recepção de informação, identifica-se a necessidade de mediações informacionais, pois, à luz de Thompson (1995), “os fenômenos culturais também estão implicados em relações de poder e conflito”. “Estes fenômenos significativos, uma vez produzidos ou realizados, circulam, são recebidos, percebidos e interpretados por outros indivíduos situados em circunstâncias sócio-históricas particulares, utilizando determinados recursos para captar o sentido dos fenômenos em questão” (THOMPSON, 1995, p.180).
Com o objetivo de mostrar ao leitor informações verdadeiras a respeito de assuntos que tenham viralizado na Internet e nas mídias de compartilhamento, a imprensa, os órgãos oficiais dos governos e as organizações nacionais e internacionais de saúde passaram a trabalhar em suas áreas para a disseminação de fatos verdadeiros, devidamente mensurados antes de suas difusões. Assim, entendemos que a mediação da informação não é apenas uma ferramenta ou uma interferência física ou material entre dois polos, entre uma informação ou entre seus fluxos. Ela é aqui entendida como um processo cognitivo de intermediação, diálogo, tradução, negociação com vistas a tornar dialógico o processo de produção, circulação e recepção de informações.
A partir da análise de conteúdo dos sites de checagens de notícias realizadas em conteúdos viralizados nas redes sociais sobre a pandemia do novo coronavírus, conseguimos evidenciar uma correlação com o conceito de mediação da informação elaborado por Almeida Júnior (2009), que a define como “toda ação de interferência – realizada pelo profissional da informação (...) que propicia a apropriação de informação que satisfaça, plena ou parcialmente, uma necessidade informacional”. O autor traz a análise de que o conhecimento é construído na relação, na interação. “Não há conhecimento no isolamento, ao contrário, ele se constrói na relação com o mundo, com os outros homens” (ALMEIDA JÚNIOR, 2009, p. 97). Portanto, o usuário envolvido na mediação da informação não deve ser considerado passivo, como apenas um receptor de informação. Mas sim um participante ativo no processo comunicacional.
É imprescindível pensar a mediação da informação também em sua dimensão cultural. “Mais do que apenas um elemento da comunicação, a mediação é, por excelência, cultural”. (FEITOSA. 2016. p. 102). Um fenômeno que interliga as pessoas e é a base de qualquer sociedade. Isso porque na mediação há trocas simbólicas e uma transformação em relação à produção e à recepção das informações. “É nesse processo complexo de reação à informação recebida que se encontra a mediação. Não como produto acabado, mas como processo semiótico de construção de sentidos e de múltiplas facetas mediativas”. (FEITOSA. 2016. p. 103).
Isto posto, é adequado relacionar esses conceitos de mediação da informação com as ações estratégicas da OMS e dos sites de checagem de notícias ao dialogar, a partir da infodemia, com o leitor/cidadão. Levando informação transparente e confiável a partir das demandas criadas em tempos de pandemia. É também necessário pensar a cultura como um fenômeno simbólico, de produção, transmissão e circulação de formas simbólicas (THOMPSON, 1995). Um sistema simbólico dentro de um contexto que dá significado às manifestações humanas. “Cultura é o padrão de significados incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças” (THOMPSON, 1995, p. 176)
Segundo manual divulgado pela OMS, “infodemia se refere a um grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo devido a um evento específico, como a pandemia atual”. Com esse fenômeno, fica difícil compreender o que é informação confiável, manipulação ou mesmo rumores. Nesse sentido, os órgãos oficiais e instituições jornalísticas devem estar atentos para acolher essa demanda.
No Projeto Comprova, iniciativa brasileira que reúne jornalistas de mais de 40 veículos de todo o País, vemos como mediação da informação o intuito de descobrir e investigar informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de Covid-19 que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. No seu processo de mediação da informação, o Comprova usa quatro etiquetas para reforçar as conclusões de suas verificações (Enganoso, Falso, Sátira e Comprovado). Das 141 publicações sobre a pandemia de Covid-19 feitas em 2021, 100 foram enganosas (conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano). 37 foram falsos (conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade). quatro foram comprovados (Fato verdadeiro; evento confirmado; localização comprovada; ou conteúdo original publicado sem edição).
Tanto a OMS, quanto o Projeto Comprova trabalham em suas redes digitais para levar informação detalhada sobre a pandemia para a população com o intuito de minimizar os prejuízos causados pela infodemia. Como órgão de saúde oficial no Mundo, a OMS produz comunicação em saúde eficaz para dissipar as dúvidas em relação à pandemia. Mas, muitas vezes, essas informações não chegam à população em geral. E, o Projeto Comprova utiliza o jornalismo investigativo e a ferramenta de checagem de informação para apresentar ao leitor como uma reportagem é feita e como as informações falsas ou enganosas são construídas para ludibriar o interlocutor.
Em tempos de pós-verdade - quando as crenças são mais importantes que os fatos verdadeiros, trabalhar com informação de qualidade e prestar o serviço jornalístico à sociedade se tornou o desafio de mostrar ao leitor o que é verdade e o que não é. Da mesma forma como a tecnologia nos dá uma variedade de possibilidades de divulgação rápida e eficaz de notícias falsas e enganosas, ela também nos proporciona ferramentas para combater essa epidemia de fake news.
Em tempos de pandemia e com as pessoas cada dia mais unidas umas às outras, independente da distância em que estejam, a partir de seus dispositivos móveis, o jornalismo se mostra ainda mais indispensável. É ele que pode unir essas pessoas. Levar informações para as discussões em grupos de Whatsapp, por exemplo. E, em um momento tão delicado em relação ao que estamos vivendo desde o fim de 2019 no mundo, são as informações corretas, bem apuradas e divulgadas para a população sobre a covid-19, sobre prevenção e tratamento da doença, que verdadeiramente podem ajudar a salvar vidas.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA JÚNIOR, O. F. de. Mediação da informação e múltiplas linguagens. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, v. 2, n. 1, 89-103, 2009. Disponível em https://www.brapci.inf.br/index.php/res/v/119300
FEITOSA, L. T. Complexas mediações: transdisciplinaridade e incertezas nas recepções informacionais. Informação em Pauta, v. 1, n. 1, p. 98-117, 2016.
doi: https://doi.org/10.32810/2525- 3468.ip.v1i1.2016.3064
MAFFESOLI, M. A pandemia é o sinal de uma crise civilizatória. Jornal O Globo, Abril 2020. Disponível em https://oglobo.globo.com/cultura/michel-maffesoli-pandemia-o-sinal-de-uma- crise-civilizatoria-1-24346714
THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.
NOTAS
1 - https://www.paho.org/pt/covid19; https://www.who.int/pt/home; https://portal.fiocruz.br/observatorio-covid-19
Juliana Matos Brito Maia - jornalista e mestranda em CI do PPGCI UF