INFORMAÇÃO E SAÚDE


O PROFESSOR, OS PALHAÇOS E A COMUNICAÇÃO EM SAÚDE

Prológo

 

Eu estava em um dia comum de trabalho quando fui pegar um café. Já entrando na copa do departamento, deparei-me com o Prof. Dr. Antonio Ruffino Netto, cujas simplicidade e sabedoria sempre nos dão conforto espiritual e nos convidam para o intercâmbio de impressões sobre o mundo. Iniciamos nossa conversa trocando nossas saudações acadêmicas, poéticas e de amizade que é a nossa forma de dizermos boa tarde. Conversa vai, conversa vem, ele me contou que no dia seguinte ministraria uma palestra sobre tabagismo para um grupo de palhaços e logo eu me interessei em saber mais. Ele foi desvelando a ideia.

 

“Na saúde, não basta ter razão. É preciso ter emoção, ter sensibilidade. Uma amiga minha psiquiatra sempre me dizia que ‘alguns médicos são verdadeiros gênios, dignos do Prêmio Nobel, mas do ponto de vista emocional, são como crianças de seis anos. Brigam por qualquer bobagem e não se dão conta do papel infantil que fazem’. Em linhas gerais, essas pessoas são muito úteis para descobertas no campo da saúde, mas não conseguem transmitir para o paciente a mensagem adequada. A mensagem que o paciente compreenda. Já o palhaço não. O palhaço não precisa de palavras para passar uma mensagem. O palhaço trabalha com a emoção. O palhaço sabe lidar com o afeto. Há alguns palhaços voluntários que vêm ao hospital motivar as crianças, fazer brincadeiras. E lógico: esta atividade relaxa as crianças, traz alegria. Aí tive a ideia. Se um palhaço pode motivar a criança, se eu explicar para este palhaço os problemas do tabagismo, ele conseguirá traduzir esta mensagem para um maior número de pessoas numa linguagem compreensível. Então, amanhã, eu vou pegar o carro, vou atravessar a cidade e vou dar uma palestra sobre tabagismo para um grupo de palhaços. Eu pensei comigo, se eu posso falar para um grupo de palhaços, por que falaria para um ou dois? Você sabe, tinha um professor muito renomado que explicava aos repentistas tudo sobre tuberculose. Chegou um dia que eles criaram um repente sobre tuberculose que foi traduzido pela Organização Mundial de Saúde para o mundo inteiro. Para vários países. Por que isto? Porque o repentista fala a linguagem do povo, da população. Fala com a emoção. Muita gente na universidade fala com a razão, só entende de cálculo, de matemática... E a matemática não resolve tudo. Tem que ter a qualidade, não só quantidade. Razão e emoção precisam andar juntas.”

 

O Professor mal terminou de contar a história toda e eu fui falando: que bacana, Professor! Que experiência diferente e inusitada. Seria bom termos umas fotos desta palestra para registrar o fato. Eu ministro uma disciplina sobre comunicação e divulgação dos conhecimentos em saúde. Eu gostaria muito de participar desta palestra e registrar esta experiência...

 

A recepção

 

No dia seguinte, cheguei à faculdade cedinho para irmos à palestra no outro lado da cidade. Acompanhou-nos uma das assistentes sociais do hospital: Renata Cheyenne dos Santos Belarmino - uma pessoa muito simpática que me passou muitas informações sobre os palhaços e o voluntariado que fazem com as crianças do hospital. Pensei logo: os palhaços trabalham de graça aqui no hospital... Quantos de nós, na sociedade atual, nos disporíamos a trabalhar de graça? Que interessante. Realmente, são pessoas diferenciadas.

 

Chegamos à sede da Cia Expresso Riso às 9h20m do dia 11 de maio de 2012. E lá fomos super bem recebidos. Logo, pela recepção, percebi que o Professor tinha razão. Não me lembro de ter sido recebida com tantos sorrisos e tantas gentilezas no contexto acadêmico, ou seja, por mais que no contexto acadêmico sejamos educados e gentis, falta alguma coisa mais humana e espontânea. Fizemos um tour pela sede. Conhecemos o camarim, a sala de administração e marketing, os armários com os figurinos, os brinquedos usados nas apresentações e a forma como esses são higienizados. Em 4 ou 5 minutos, percebi que acompanhava o sorriso dos jovens-palhaços muito profissionalismo e seriedade, muito respeito à arte e ao trabalho que escolheram. Terminado o tour inicial, fomos convidados para um café da manhã e eu novamente pensei: o Professor tinha razão. A forma de comunicação aqui é diferente. Muito agradável e desestressante.

 

Terminada esta recepção, fomos ao salão da sede para que o Professor Ruffino cumprisse a missão do dia: explicar o que é o tabagismo e quais são suas consequências para a saúde humana.

 

A aula

 

O Professor Ruffino tomou a cena. Sua exposição durou um pouco mais de uma hora. Alguns trechos são reproduzidos a seguir.

 

Professor: Em primeiro lugar, eu quero agradecer por nos receberem. Vocês fazem um trabalho que eu valorizo demais... Vamos levantar alguns antecedentes para explicar o porquê disto.

 

Uma vez eu estava na Argentina, conhecendo um hospital. Passamos por uma sala e o diretor do hospital me disse: aí fica um bando de loucos. Aí, eu perguntei: loucos por quê? Quando eu perguntei isto, ele quis desconversar. Aí, eu falei: eu quero conhecer este bando de loucos... Conheci, então, uma atriz, que era a filha dele. Tinha um professor de música. Tinha um professor de literatura. Um professor de arte. Eu fiquei ali conversando com eles e descobri que eles faziam um trabalho superinteressante. Quem era da parte artística convidava os pacientes e ao invés de ficar falando em doença e doença, levava o pessoal para passear no hospital. Depois daquela volta toda, eles falavam para os pacientes: vamos teatralizar o que vocês viram. Quem era de música levava os pacientes para prestar atenção nos sons do hospital. Não no centro cirúrgico, que lá dentro não pode entrar. Mas nas partes acessíveis aos pacientes, nos ambulatórios. Depois iam conversar sobre os sons percebidos. Quem era da literatura ajudava o pessoal criar uma frase, uma poesia. Ou seja, utilizavam o tempo do paciente de uma maneira mais proveitosa. E o diretor do hospital achava que este pessoal era louco. Eu disse para ele: cuidado com este pensamento seu. É provável que toda a sua medicina não tenha a eficácia que tenha este grupo trabalhando aqui. Ao invés do paciente ficar alimentando a doença, o paciente estava se distraindo, e além de tudo aprendendo aspectos culturais. Assim, quando estávamos discutindo o evento que acontecerá sobre tabagismo e a Renata me disse que vocês vão ao hospital fazer o voluntariado, eu pensei que vocês poderiam colaborar conosco no sentido de simplificar a comunicação. Eu posso passar tudo o que eu sei para vocês -- não precisa se restringir ao dia de hoje, eu posso voltar aqui mais vezes -- e vocês poderiam traduzir isto numa forma que o paciente assimile. Eu estou às ordens de vocês... O que podemos fazer hoje é eu passar algumas ideias fundamentais para vocês sobre o tabagismo. Eu preciso passar a parte cognitiva para vocês e aí depois nós vamos aprender com vocês como se comunica. Se vocês concordarem, eu posso fazer esta explanação e vocês podem ir fazendo perguntas quando quiserem...

 

Bom, a primeira causa de morte no mundo é a fome. O tabagismo é a segunda causa de morte. Só que ninguém fica sabendo disto. O tabagismo está associado a 56 doenças... Por exemplo, o tabagismo está associado a todo tipo de câncer que o indivíduo tenha... inclusive o câncer da mama. Mulher que fuma ou que convive em um ambiente onde há pessoa que fuma tem mais chances de ter este tipo de câncer... Em linhas gerais, um terço das pessoas internadas no hospital está internado por causa de doenças relacionadas ao tabaco. Ou seja, de cada 3 doentes internados no hospital, 1 está lá por causa do tabagismo. Em outros termos significa que se removêssemos o tabagismo da comunidade, um terço dos leitos do hospital estaria vago. Esta é uma primeira ideia: o tabagismo é o responsável por um terço das pessoas que vão ao hospital. Não estou falando ainda das pessoas que vão ao ambulatório, para uma consulta regular ou eventual. Estou falando apenas das pessoas internadas...

 

Cia Expresso Riso: Que doenças são estas?

 

Professor: Acidente vascular cerebral, toda parte vascular do indivíduo é afetada, a parte de angina... enfim, doenças que fazem as pessoas morrerem e pior que morrer é ficarem inválidas. As pessoas poderiam me perguntar, mas por que isto? O que tem o tabagismo? Na hora em que se fala em tabagismo, as pessoas lembram da nicotina, mas a nicotina é apenas uma substância do tabaco. O cigarro, quando está em combustão, forma 4720 substâncias, muitas das quais estudadas e caracterizadas. Para quem não tem a mínima noção em química, o cigarro tem mais que 200 hidrocarbonetos, alguns deles com efeito maléfico fulminante. Uma substância, por exemplo, (é lógico, vocês não precisam decorar estes nomes, estou falando apenas para a cultura geral) é o 3,4-benzopireno, que é o agente cancerígeno mais potente que nós conhecemos. Estudos comprovam que se você esfregar o 3,4-benzopireno na pele do rato todo dia, em pouquíssimo tempo, você produz um carcinoma in situ no rato. Para você obter o 3,4-benzopireno por meio da indústria é muito complicado... É difícil e caro. Mas via cigarro é fácil. Na hora que o sujeito dá uma tragada, a temperatura da brasa chega a 1000°C... Cerca de 1,5cm das brasas, tem-se uma temperatura de 270°C a 300°C. Neste ponto, tem-se a obtenção do 3,4-benzopireno. E aí se chega à pergunta: o cigarro faz mal só para quem está fumando? Não, o cigarro faz mal para o vizinho também. Quem respira a fumaça recebe a mesma quantidade de 3,4-benzopireno que vai em quem fuma. No Japão, estudo realizado com 95.000 mulheres que nunca puseram um cigarro na boca verificou que a mortalidade por câncer destas mulheres chegava a uma vez e meia a mais que aquelas mulheres que não fumam e não convivem com fumantes... Todo mundo só fala do fumante ativo, do cigarro na boca. Mas não é por aí. Se você está do lado de quem fuma, você é um fumante passivo...

 

Outra substância é a nicotina, que é a substância mais famosa, pois é responsável por criar o vício.

 

Cia Expresso Riso: É só ela que cria o vício?

 

Professor: É só ela. O vício é por causa da nicotina. As outras substâncias são maléficas. O 3,4-benzopireno, por exemplo, não é só cancerígeno para o pulmão. Ele é cancerígeno para todas as partes do corpo. Bom, tem muita gente que diz “ahh, bem, eu não fumo cigarro, eu fumo cachimbo”. Veja bem, o cachimbo transfere o câncer do pulmão para o câncer no lábio. A nicotina atinge o corpo inteirinho. Câncer na bexiga, de esôfago, de estômago etc. de quem fuma ou convive com quem fuma... O que faz a nicotina? Quando a pessoa respira a nicotina, ela aumenta, no estômago, a produção de ácidos... Dá úlceras, gastrite, mas o grande problema não é este. O problema é no sistema circulatório. Ela aumenta a frequência cardíaca, aumenta o batimento cardíaco, o coração tende a bater com mais força e ao bater com mais força ele precisa trabalhar mais e consequentemente aumenta a pressão. E não é só no indivíduo que está fumando... Para quem fuma, a primeira ingestão de nicotina é estimulante, excita o cérebro, mas depois de algum tempo a pessoa dopa. É por isto que o fumante diz que não consegue pensar se não fumar. A pessoa precisa fumar para conseguir pensar.

 

Cia Expresso Riso: Como assim?

 

Professor: No começo a pessoa fica estimulada e depois ela fica semidopada. Aí, o que ela faz? Fuma outra vez.

 

Cia Expresso Riso: A nicotina vicia o cérebro...? a hipófise? Estou com vergonha de perguntar errado...

 

Professor: Não se preocupe com isto... A nicotina é um excitante do sistema nervoso central e de todo o sistema nervoso. Para vocês terem uma ideia, a nicotina é um potentíssimo agente mata-mato. Estes herbicidas que vocês conhecem são feitos com base em nicotina... Cada cigarro tem 2,5 a 3,5 miligramas de nicotina, seja o cigarro com filtro ou sem filtro. Agora, imagine o sujeito que fuma 30 cigarros por dia, quanto de nicotina ele está colocando em seu organismo em um mês, após dez anos, após vinte ou trinta anos...? Daria para matar o mato do tamanho do Estado de São Paulo inteirinho... A gente não tem mato no nosso corpo. O problema da nicotina é o casamento que ela faz em nosso organismo com o monóxido de carbono.

 

O monóxido de carbono é uma substância do cigarro mil vezes mais tóxica do que o gás carbônico. Onde vocês encontram o monóxido de carbono é no escapamento de automóvel. Tem um relato na literatura que um sujeito parou durante um sinal fechado e o assoalho do carro e o escapamento estavam furados e a entrada do monóxido de carbono o fez morrer na direção... Em um escapamento de um ônibus, a quantidade de monóxido de carbono chega de 40 a 80 miligramas por metro cúbico. Quando uma pessoa está fumando, ao redor dela o ar tem de 20 a 40 miligramas de monóxido de carbono. Ou seja, estar ao lado de quem está fumando é equivalente a respirar o ar de um escapamento... No Vale do Anhangabaú, antes da reforma, a quantidade de monóxido de carbono por metro cúbico era de 2 miligramas. Quando chegava a 30 miligramas por metro cúbico, era dado o sinal de alerta. Quando chegava a 45 miligramas por metro cúbico, interrompia-se o trânsito de uma vez. Se você tiver duas pessoas fumando numa sala de 100 metros cúbicos, ou seja, uma sala de tamanho médio, de meia em meia hora, ao fim da jornada, tem-se 100 miligramas por metro cúbico, ou seja, duas vezes e meia mais que na situação em que seria necessário parar o trânsito. Só que ninguém percebe a gravidade disto. Agora, o que tem a ver nicotina com monóxido de carbono?

 

A hemoglobina fica dentro das hemácias e é a responsável por levar o oxigênio aos tecidos. Chegando lá, ela solta o oxigênio e pega o gás carbônico e leva embora. A hemoglobina tem uma afinidade com o oxigênio e com o gás carbônico, mas não se sabe o porquê ela tem uma afinidade 250 vezes maior com o monóxido de carbono. Ou seja, quando o indivíduo está fumando ou quando está ao lado de quem está fumando, parte da hemoglobina fica bloqueada... Agora, veja que coisa maluca... A nicotina aumenta o trabalho do coração, aumenta a necessidade de oxigenação e ao mesmo tempo o indivíduo que fuma está com a hemoglobina bloqueada pelo monóxido de carbono. Ou seja, um está trabalhando contra o outro. Daí se entende porque o cigarro gera tanto problema de infarto do miocárdio, acidente vascular... Esta é uma tragédia que mata. Pior que esta tragédia, é outra tragédia que eu vou contar para vocês.

 

Eu acho que estou falando demais... Mas eu quero terminar algumas ideias... Posso?

 

Cia Expresso Riso: Pode!

 

Professor: Aqui está o pulmão. Aqui estão os alvéolos, onde haveria a troca gasosa. Quando a gente inspira a caixa toráxica aumenta e o alvéolo acompanha este movimento facilitando a troca gasosa. Uma das substâncias que reveste o alvéolo é a lecitina, que é uma gordura da espessura de uma bolha de sabão. Quando a pessoa fuma, a lecitina é destruída, diminui sua quantidade em sete vezes porque alguns hidrocarbonetos destroem a lecitina e com isto, ao invés do ar entrar no alvéolo, onde deveria entrar, entra entre um alvéolo e outro. O ar vai entrando, entrando, entrando no local inadequado. A pessoa morre cheia de ar, mas com falta de ar... Isto se chama enfisema pulmonar... Não acontece de um dia para outro... O sujeito vai ficando gradativamente incapaz... incapaz de andar... de caminhar... de fazer qualquer esforço físico... Só que não conta pra ninguém. Talvez, por vergonha.

 

Cia Expresso Riso: Se você pára de fumar, isto se regenera?

 

Professor: Excelente pergunta. Para o enfisema pulmonar, que eu acabei de descrever, não tem mais jeito. O que foi destruído, não se recupera. Se o indivíduo parar de fumar, é preciso saber o que restou do pulmão e fazer exercício para recuperar. Para o 3,4-benzopireno, de 3 a 5 anos depois que parou de fumar, ainda existe uma mortalidade maior por câncer em relação ao indivíduo que nunca fumou. A nicotina dura de 2 a 3 dias no organismo. O monóxido de carbono dura pouco no organismo. Mas estes dois procovam um alto nível de intoxicação, levando a tonturas... a pessoa pode desmaiar. Isto para fumantes ativos ou passivos. Mas o enfisema não é reversível. O indivíduo tem uma péssima qualidade de vida porque não consegue caminhar daqui a ali. Isto corta o coração da gente... Creio que com estas informações, já deu para convencê-los sobre a gravidade do assunto...

 

Cia Expresso Riso: Isto não se divulga muito...

 

Professor: Não há interesse para divulgação. O cigarro tem muito imposto. Cerca de 70% do preço do cigarro é imposto. Só que o dinheiro que o governo acha que está arrecadando com imposto, está sendo gasto com a saúde e pessoas estão ou doentes ou morrendo.

 

Cia Expresso Riso: A gente viu muita coisa negativa do cigarro, mas o organismo não consegue se defender por ele mesmo, sem ajuda?

 

Professor: Não. Não tem como.

 

Cia Expresso Riso: Em relação à nicotina... Você disse que vicia. Qual seria o processo para acabar com este vício?...

 

Outro membro da Cia Expresso Riso: É como ele falou... A nicotina sai logo do organismo em três ou quatro dias... Mas deve ser algo psicológico... que não deixa a pessoa parar de fumar...

 

Professor: Tem vários métodos: a acupuntura tem funcionado bem. Outro método que tem funcionado é a terapia de substituição por meio de adesivos de nicotina com doses decrescentes a cada dia. Mas o ponto mais fundamental é o aspecto psicológico... Quando a pessoa quer parar de fumar, aí são outros quinhentos. Agora que vem o papel de vocês... Na minha experiência pessoal, é o psicológico que funciona... Qualquer atitude que a pessoa toma é o resultado de crenças e valores... Os valores vêm da infância. As pessoas têm valores aprendidos desde cedo; porque a mãe falou, a vó falou... para mexer nisto aí é complicado... Agora, vem o desfecho desta conversa. É por isto que eu acredito no trabalho de vocês... O trabalho de vocês não mexe essencialmente na dimensão cognitiva, mas nos valores, na emoção. A arte lida com os valores. Mexe na emoção do indivíduo, no miolo, no espírito... Não adianta ter conhecimento, se você não muda os valores, a essência, os sentimentos... Por meio das artes, a gente mexe na essência do indivíduo...

 

Cia Expresso Riso: Há pessoas que não conseguem fumar porque o organismo não aceita?

 

Professor: É o psicológico que determina a aceitação ou não do cigarro. Se sua mãe lhe disse que isto faz mal à saúde durante a infância, você trará isto na cabeça. Se você viu alguém morrer com enfisema pulmonar, você terá muito medo de fumar. Isto ficará na sua cabeça... É o psicológico que define...

 

Cia Expresso Riso: O que eu posso dizer para uma pessoa que fuma para que ela pare de fumar? Como eu posso plantar uma semente nela para ela pensar no assunto?

 

Professor: Você não precisa dizer nada em especial. O simples fato de você estar orientada e saber que o cigarro faz mal a saúde já ajuda. Você já imaginou você vestida de palhaço perguntar a um fumante: vale a pena fumar? Vocês fazendo uma pergunta deste tipo não é uma palhaçada, é algo que toca fundo na emoção. É o meu ponto de vista. Imagina você fazendo um monte de palhaçada, perguntar para alguém: você já parou para pensar que este cigarro está te matando e matando os outros?

 

Cia Expresso Riso: Você tem filhos? Já pensou que você pode estar matando seus filhos?

 

Professor: Isto. É por aí. Você tem filhos? Já parou para pensar que o cigarro está matando o seu filho? As pessoas que convivem com você? Duas ou três coisinhas assim já serão suficientes para despertar a pessoa. Agora, não adianta falar sério, precisa ser algo no meio da brincadeira. Porque o pessoal já está cansado de ouvir pessoas sérias falarem. Agora, como pode um palhaço brincando me dizer uma coisa desta? Isto gera uma reflexão no indivíduo... As crianças são muito importantes também neste processo. Muita gente pára de fumar porque os filhos alertam...

 

Cia Expresso Riso: Legal, acho que isto já ajuda... A gente vai pensar... Veremos como abordar isto de uma forma diferente, de uma forma cômica... pois este é o nosso trabalho. Vamos pensar em como atingir o pessoal... Foi um prazer... Foi uma honra ter esta palestra...

 

Professor: Honra para mim... Isto é uma alegria. Às vezes, na formação médica, o pessoal fica tão preocupado com a parte biológica e da doença em si que desce lá no subtreco da vice-coisa... A única coisa que não leva em consideração é a parte psicológica do indivíduo... Como se o paciente fosse obrigado a fazer o que o médico quer... O ser é integral, social, espiritual, psicológico... Eu falo sempre para os meus alunos que há diferentes tipos de violência: a violência física e a violência psicológica. A violência psicológica é pior, pois você trata o indivíduo como uma coisa. A medicina e a educação violentam muito o indivíduo, fazem uma massificação como se todos fossem iguais. Cada indivíduo deve ser tratado e respeitado como tal, mas não é assim.

 

Conclusão

 

A perspectiva do Professor Ruffino exemplifica que a comunicação em saúde requer interdisciplinaridade com várias áreas do conhecimento, bem como demanda por mais humanização das relações nas unidades de saúde para que seja efetiva. Dessa forma, pode-se observar que, especialmente, em relação à linguagem e à comunicação com o paciente existe ainda uma lacuna a ser preenchida por profissionais que tenham formação e foco na função comunicativa no contexto da saúde.

 

O Brasil possui desde 2003 a Política Nacional de Humanização do Sistema Único de Saúde (SUS), que incentiva trocas solidárias e a comunicação entre seus gestores, trabalhadores e usuários, dando autonomia para que as unidades de saúde criem fluxos e metodologias que possam melhor atender à população. Porém, não podemos delegar esta humanização ao acaso. É preciso que o SUS esteja aberto para a contratação de profissionais especializados nos processos infocomunicativos e que capacite seus atuais profissionais para compreenderem a complexidade da comunicação interprofissional e com o paciente. Por se tratar de uma nova abordagem em saúde, no contexto brasileiro, não se pode imaginar que esta humanização se dará de forma espontânea em contextos nos quais as culturas médico-centradas estão arraigadas.

 

Finalmente, os repentistas, os artistas argentinos, os palhaços do Expresso do Riso e o Professor Ruffino nos ensinam que podemos ser partícipes dos processos de comunicação e humanização na saúde.

 

Sobre o Professor

 

O Prof. Dr. Antonio Ruffino Netto possui graduação em Medicina pela Universidade de São Paulo (1964), especialização em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo (1966), mestrado em Epidemiologia pela Harvard University (1972), doutorado em Saúde na Comunidade pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (1970) e pós-doutorado pela Harvard University (1972). É professor titular da Universidade de São Paulo, sendo uma autoridade acadêmica internacional nos estudos sobre tabagismo e tuberculose. Veja mais em: http://lattes.cnpq.br/2736824113286715

 

Sobre a Cia Expresso Riso

 

Situada em Ribeirão Preto (SP), Brasil, a Cia Expresso Riso desenvolve, realiza e executa projetos, planos, programas, ações, entre outras atividades, com a finalidade de contribuir com a melhoria da qualidade de vida de jovens, crianças e adultos em situação de vulnerabilidade social, econômica e pessoal, nas regiões, cidades e comunidades em que estão inseridos. Veja mais em: http://www.expressoriso.com.br

 

Sobre a foto

 

Aparecem na foto, no centro ao fundo, o Professor Ruffino, tendo à sua direita a assistente social Renata Belarmino, à sua esquerda a Professora Cristiane Galvão, e ao redor os membros da Cia Expresso Riso.

 


 

Como citar este texto

 

Galvao, M.C.B. O Professor, os palhaços e a comunicação em saúde. 24 de maio de 2012. In: Almeida Junior, O.F. Infohome [Internet]. Londrina: OFAJ, 2012. Disponível em: http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=684


   706 Leituras


Saiba Mais





Próximo Ítem

author image
INFORMAÇÃO CLÍNICA: DO PRONTUÁRIO DO PACIENTE ÀS BASES DE EVIDÊNCIA
Agosto/2012

Ítem Anterior

author image
PESQUISA E ESTADIA ACADÊMICA NO EXTERIOR: ROTEIRO PARA INOCENTES
Abril/2012



author image
MARIA CRISTIANE BARBOSA GALVÃO

Professora na Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Sua experiência inclui estudos na Université de Montréal (Canadá), atuação na Universidad de Malaga (Espanha) e McGill University (Canadá). Doutora em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília, mestre em Ciência da Comunicação e bacharel em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade de São Paulo.