INFORMAÇÃO E SAÚDE


PROFISSIONAIS DA INFORMAÇÃO NO CONTEXTO DA PESQUISA CLÍNICA: ENTREVISTA COM GABRIELA GIMENEZ FAUSTINO E CLAUDINEI COPPOLA JUNIOR

As oportunidades para atuação do profissional da informação no contexto da saúde são variadas. Considerando esta perspectiva, em 14 de março de 2012, entrevistei os profissionais da informação Gabriela Gimenez Faustino e Claudinei Coppola Junior, coordenadores de pesquisa clínica na Unidade de Pesquisa Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) da Universidade de São Paulo. A entrevista ocorreu no próprio Hospital.

 

Cristiane: Muito obrigada por vocês terem vindo. Para começar a nossa conversa, como podemos conceituar uma unidade de pesquisa clínica? Como ela funciona? Que atividades desenvolve?

 

Gabriela: A pesquisa clínica reside em qualquer estudo envolvendo seres humanos. Já uma unidade de pesquisa clínica é um lugar no qual os estudos clínicos são realizados. No Hospital das Clínicas (HC-FMRP), são desenvolvidos estudos em colaboração com a indústria farmacêutica. Então, em uma unidade de pesquisa clínica é necessário que haja toda uma infraestrutura que atenda o protocolo de pesquisa clínica, como laboratórios de análises clínicas, uma farmácia adequada, coordenadores de pesquisa clínica que são os responsáveis por várias intermediações entre a equipe de pesquisa (biologistas, médicos, enfermeiros etc). Assim, uma unidade de pesquisa clínica precisa ter um aporte de infraestrutura e de recursos humanos que atenda as necessidades dos diferentes desenhos de estudos clínicos.

 

Cristiane: Quais são os produtos pesquisados em uma unidade de pesquisa clínica?

 

Gabriela: Uma unidade de pesquisa clínica pode desenvolver diferentes protocolos de pesquisa como pesquisas sobre o câncer de mama, o câncer de prostata, estudos sobre teratocarcinoma, esclerose, epilepsia, medicamentos para doenças cardíacas, anticoagulantes, novas drogas para hepatite, entre outros. Na verdade, os protocolos de pesquisa são bem diversificados e perpassam todos os campos da saúde.

 

Cristiane: O que é um protocolo de pesquisa?

 

Gabriela: O protocolo é um documento desenhado pelo patrocinador. Patrocinador, no caso da pesquisa clínica, é o responsável pelo estudo. No protocolo estão todas as diretrizes para a condução de um estudo clínico. Por exemplo, um protocolo multicêntrico ocorre em vários centros de pesquisa clínica do mundo e todos os centros participantes têm que seguir exatamente o mesmo protocolo. O protocolo é aprovado pelo Comitê de Ética e dependendo do caso é aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). No protocolo estão registrados os procedimentos a serem realizados em todas as visitas, os possíveis eventos adversos que podem ocorrer aos sujeitos de pesquisa. Enfim, o protocolo é uma diretriz de pesquisa.

 

Cristiane: No contexto da pesquisa clínica, o que é uma visita?

 

Gabriela: Quando falamos em pesquisa clínica envolvendo seres humanos para teste ou pesquisa de novos medicamentos, nós temos sujeitos de pesquisa que são os pacientes que possuem um determinado perfil para integrar um protocolo de pesquisa. Para que sejam gerados dados clínicos com qualidade, para saber se um medicamento é seguro, o medicamento precisa ser testado em seres humanos. Assim, as visitas são as consultas médicas nas quais os pacientes que são sujeitos de pesquisa são assistidos. Em cada visita são coletados do paciente dados e informações que atendam todas as diretrizes apontadas no protocolo de pesquisa.

 

Claudinei: Os protocolos de pesquisa clínica seguem as Boas Práticas Clínicas que é uma normalização internacional sobre como fazer pesquisa clínica. As Boas Práticas Clínicas podem ser entendidas como um parâmetro empregado nos diferentes países do mundo. A ANVISA se baseia muito nas Boas Práticas Clínicas e desenvolve uma série de regulamentações relacionadas à pesquisa clínica.

 

Cristiane: Quais são as fases da pesquisa clínica?

 

Claudinei: São quatro fases.

 

Gabriela: A primeira fase é com um grupo reduzido de sujeitos de pesquisa sadios para testar a tolerância da droga. A segunda fase envolve sujeitos de pesquisa que possuem alguma enfermidade que possa ser tratada com a droga, mas ainda é realizada com um grupo reduzido de sujeitos. A terceira fase envolve um grupo bem maior de sujeitos de pesquisa. E a quarta fase é realizada quando o medicamento já foi aprovado e já está em comercialização. Esta quarta fase é necessária, por exemplo, para acompanhar possíveis novos efeitos adversos das drogas.

 

Cristiane: Que tipos de informação são usados na pesquisa clínica?

 

Claudinei: Primeiramente, o prontuário do paciente. O prontuário do paciente é uma fonte de informação da pesquisa clínica do qual serão coletados resultados de exames, anotações de enfermagem etc.

 

Gabriela: A partir do momento que o estudo foi devidamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos e o paciente aceitou participar do estudo, o patrocinador do estudo quer saber absolutamente todas as informações clínicas do paciente. Assim, a responsabilidade dos investigadores e dos coordenadores de pesquisa clínica é capturar todas as informações clínicas dos sujeitos de pesquisa, acompanhando as visitas, os eventos adversos do medicamento em estudo e de outros medicamentos que estejam em uso de forma concomitante, toda informação, todos os exames, todos os resultados, tudo precisa ser acompanhado, coletado e registrado. Por exemplo, se o paciente é sujeito de pesquisa e foi atropelado, seja lá onde for, este é um evento adverso que precisa ser acompanhado e registrado, pois nada garante que este paciente tenha sido atropelado porque sentiu uma tontura. Dessa forma, a tontura que influenciou o atropelamento pode estar associada à medicação em estudo. Estas e outras informações são coletadas de todos os sujeitos de pesquisa ao redor do mundo e, em algum momento, serão comparadas estatisticamente, provendo uma melhor análise sobre a segurança da medicação e sua eficácia.

 

Claudinei: Em alguns estudos, o protocolo indica que cada paciente deve ter um diário para registrar suas anotações pessoais sobre tudo que sentir. Esta visão do paciente também é registrada no sistema de informação da pesquisa clínica.

 

Gabriela: O próprio paciente nos fornece um feedback sobre como ele está se sentindo após sua entrada como sujeito de pesquisa no estudo clínico.

 

Cristiane: Vocês focaram bastante o prontuário do paciente enquanto fonte de informação para a pesquisa clínica. Mas, vocês buscam outras informações (de carater bibliográfico, por exemplo) para apoiar a pesquisa clínica?

 

Gabriela: Nós trabalhamos na coordenação da pesquisa, ou seja, cuidando de todos os processos envolvidos para que o protocolo de pesquisa seja realizado de forma adequada pelo centro de pesquisa. Nós não buscamos aporte teórico ou informações em nenhuma base de dados, exceto quando temos alguma dúvida. O protocolo de pesquisa é bastante fechado. Devemos segui-lo.

 

Cristiane: Onde entra o profissional da informação nesta história?

 

Gabriela: O principal papel do profissional da informação é o de intermediação entre o patrocinador, o investigador e o paciente. Esta intermediação passa pela tradução das informações e dos conhecimentos numa linguagem compreensível para o paciente. Nestas informações estão inclusos: os deveres, os direitos e os procedimentos. Na verdade, fazemos isto com todo o grupo que participa da pesquisa: a equipe de enfermagem, a farmácia, os investigadores, os fisioterapeutas, os psicológos e assim por diante. Então, em outras palavras, o coordenador de pesquisa clínica é aquele que faz toda a intermediação, que cuida de todo o fluxo informacional.

 

Cristiane: Vocês possuem uma metodologia para gerenciar este fluxo ou isto ocorre de forma aleatória?

 

Claudinei: Vamos supor que estejamos gerenciando um estudo com 30 pacientes. De cada paciente, serão coletadas informações em cada visita realizada, incluindo os exames realizados, os resultados obtidos, os efeitos adversos, o teor da visita que o paciente está fazendo. Este processo se sucede para cada paciente e em cada visita. Em linhas gerais, seguimos o protocolo de pesquisa clínica. Na minha opinião, a principal característica do coordenador de pesquisa clínica é ser bem organizado. O profissional da informação pode ser um bom coordenador de pesquisa clínica pois tem um requinte no processo de organizar informação, costumando ser bem detalhista.

 

Gabriela: Ainda não existe no Brasil um perfil traçado de coordenador de pesquisa clínica ou mesmo um conselho que estabeleça este perfil. Não está estabelecido quais profissões podem realizar a coordenação da pesquisa clínica.

 

Cristiane: Quais são os conhecimentos necessários para atuar na coordenação da pesquisa clínica?

 

Gabriela: Primeiramente, as normas relacionadas à pesquisa clínica e inglês.

 

Claudinei: Nós também recebemos treinamentos internacionais dos patrocinadores (indústria farmacêutica).

 

Gabriela: Costumam ser dois treinamentos por protocolo de pesquisa, havendo também treinamentos locais. O treinamento é a base de tudo. Nós precisamos conhecer os protocolos a fundo. Se não formos bem treinados em cada protocolo podemos afetar a participação do centro de pesquisa no estudo.

 

Cristiane: Quais são as contribuições efetivas do profissional da informação no contexto da pesquisa clínica?

 

Gabriela: As principais contribuições perpassam a comunicação e a organização da informação. Orientação contínua de toda a equipe para que tenha atenção na coleta e no registro da informação, preenchimento correto dos formulários, para que os dados e as informações sejam completos em sua totalidade.

 

Claudinei: O profissional da informação tem maior sensibilidade para perceber a qualidade da informação e como esta informação vai chegar até os patrocinadores. Se os dados não forem bem registrados por toda a equipe, isto gerará problemas. Tudo que foi produzido em uma pesquisa clínica precisa ser documentado. Se no começo a informação não é registrada seguindo o protocolo, isto comprometerá a pesquisa no final.

 

Cristiane: Como é o relacionamento do profissional da informação com os demais profissionais que atuam na pesquisa clínica?

 

Gabriela: A nossa equipe é muito harmoniosa. Nós somos bastante reconhecidos pelo nosso trabalho. Toda a equipe reconhece o nosso trabalho. Até porque na pesquisa clínica o coordenador é o ponto de referência para qualquer dúvida sobre treinamento, materiais. Todos recorrem primeiro ao coordenador. O enfermeiro recorre ao coordenador. O farmacêutico recorre ao coordenador. O médico recorre ao coordenador.

 

Cristiane: Claudinei, o que o levou à pesquisa clínica?

 

Claudinei: Desde a graduação, eu fiz disciplinas optativas no campo da saúde. Dessa maneira, durante a graduação eu já estava mais inclinado a trabalhar com a área de informação em saúde. Eu diversifiquei bastante as minhas disciplinas optativas.

 

Cristiane: Por favor, sintam-se à vontade para acrescentar alguns pontos que eu não tenha perguntado.

 

Gabriela: Eu acho que o perfil do profissional da informação em saúde tem muito a contribuir com a pesquisa clínica. Então, nós profissionais da informação temos que ser mais visíveis. Temos que mostrar o nosso trabalho, pois muitos patrocinadores e muitas unidades de pesquisa clínica não conhecem ou não assimilaram ainda o profissional da informação na figura de coordenador da pesquisa clínica. É fato que há muitos profissionais da informação que já trabalham na fase 1 da pesquisa clínica, fazendo prospecção de informação, por exemplo. Mas o profissional da informação pode atuar em todas as fases da pesquisa clínica. As possibilidades para o profissional da informação atuar na pesquisa clínica estão em plena expansão.

 

Cristiane: Vamos pensar no contexto brasileiro, no aluno que esteja na Região Norte, no Nordeste e assim por diante. Qual é o caminho que um recém-formado em biblioteconomia pode fazer para atuar na pesquisa clínica?

 

Gabriela: Há alguns cursos no Brasil para formar coordenadores de pesquisa clínica. A Sociedade Brasileira de Profissionais de Pesquisa Clínica, por exemplo, oferece cursos, inclusive alguns deles estão on-line. Os recém-formados podem realizar estes cursos como um ponto de partida.

 

Claudinei: A pesquisa clínica é bastante interdisciplinar. Também na nossa formação de graduação temos uma formação interdisciplinar. Então, o profissional da informação tem muitas possibilidades de atuação. A pesquisa clínica é uma delas. Na pesquisa clínica, o profissional da informação se sente em casa pois pode colocar em prática todo o seu conhecimento.

 

Cristiane: Muito obrigada a vocês!

 

Como citar este texto

 

Galvao, M.C.B. Profissionais da informação no contexto da pesquisa clínica: entrevista com Gabriela Gimenez Faustino e Claudinei Coppola Junior. 29 de março de 2012. In: Almeida Junior, O.F. Infohome [Internet]. Londrina: OFAJ, 2012. Disponível em: http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=671


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MARIA CRISTIANE BARBOSA GALVÃO

Professora na Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Sua experiência inclui estudos na Université de Montréal (Canadá), atuação na Universidad de Malaga (Espanha) e McGill University (Canadá). Doutora em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília, mestre em Ciência da Comunicação e bacharel em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade de São Paulo.