O TERCEIRO ATO DA VIDA
Um vídeo da eternizada bela Jane Fonda, “O terceiro ato da vida”, vem circulando insistentemente na internet. São palavras que incitam a romantização do envelhecer. São palavras de encorajamento, mas que contradizem sua entrevista concedida à revista Veja, abril de 2004. À época, de forma corajosa, ela confessa: “As mulheres não hesitam em ceder a alma, o coração e o corpo para ser populares e amadas ou segurar seu homem. Eu fiz isso [...]”
Por esses dias, também, coincidentemente, tive acesso ao prefácio escrito pelo grande escritor carioca Celso Japiassu para o livro “Os novos velhos” (Editora Record), de Léa Maria Aarão Reis. Num texto realista, com fina ironia e extrema beleza, Japiassu narra as peripécias vividas por aqueles que assistem aos anos passarem. Os cabelos se vão da cabeça e os pelos crescem, agora, no nariz, nas orelhas e, talvez, na bunda. As conquistas rareiam. A invisibilidade assombra. A morte leva nossos entes queridos. O espelho no qual podemos nos ver com maior fidedignidade é o rosto de um velho amigo. Quando nos surpreendemos com a imagem corroída desse amigo, é preciso lembrar que, seguramente, ele também está pasmo com nossa carcaça devastada.
No meu caso, quando acabo de celebrar os 64 anos que chegaram de mansinho (na verdade, nem tão devagarinho assim), passeio ao longo dos anos. Retomo minha infância e adolescência. Relembro avós (não conheci os avôs). Imagino que para elas e para minha própria mãe (meu pai não teve tempo de envelhecer), a angústia de perder o viço aconteceu em dose diminuta. Não havia o culto ao corpo. As avós ostentavam cabelos em coques tingidos de neve e bordavam silenciosas ou ralhavam com as crianças de forma rabugenta e barulhenta.
São outros tempos. A cirurgia plástica aí está para quem quiser. Por toda parte, academias de ginástica oferecem mil alternativas. Fala-se de ginástica localizada, alongamento, pilates, RPG [reeducação postural global], musculação, body pump, jump, step, alongamento, dança de salão, etc. Mesmo assim, o velho prossegue velho. Nada lhe devolve a juventude perdida.
Em algum lugar, li ou ouvi insistentes comparações entre infância e velhice. Nesses estágios de vida, ainda que por razões completamente distintas, nos tornamos vulneráveis e infinitamente frágeis. Desde a adolescência, cada um, à sua maneira, vai se deixando envolver por uma couraça. É ela que nos protege contra os inimigos declarados, as mentiras ditas ou silenciadas, as traições, e, sobretudo, os riscos que envolvem nosso dia a dia. Essa blindagem invisível se fortalece. Ao se fortalecer, endurece nossa alma. Sorrimos cada vez menos. Calamos cada vez mais. Sonhamos cada vez menos. Desconfiamos cada vez mais. Vivenciamos grandes paixões cada vez menos. Tememos o amor cada vez mais.
Há momentos que a tal couraça, pelo uso contínuo e incessante, se desgasta nas zonas de maior atrito e se rompe aqui e acolá. É, então, que nos tornamos mais débeis, tal como as crianças. O invólucro que nos protege também nos paralisa diante da vida. E ao contrário de meninos e meninas, não conseguimos chorar. Acumulamos no coração lágrimas não choradas. E são elas que se incrustam na armadura em frangalhos. Mais uma vez, sentimo-nos paralisados. Nem funciona a engrenagem do corpo em decadência nem tampouco a engrenagem da alma.
Mas nem tudo está perdido. Há sempre a chance de manter perplexidades ante a vida; alimentar curiosidades cristalinas ou insólitas ante um novo dia e, sobretudo, prosseguir a acertar e errar até alcançar o topo do arco de que Jane Fonda fala. Em sua visão, tão somente o espírito humano escapa da entropia, isto é, do estágio de decadência que marca tudo no mundo. Somente ele segue direção ascendente rumo à completude, autenticidade e sabedoria diante das misérias da existência.