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GEÓRGIA: EUROPA OU ÁSIA?

Chegando a Geórgia

Visitar a região do Cáucaso e se deparar com tanta beleza de um país a outro, nos traz a certeza de que é preciso exercitar a memória e, paradoxalmente, desprender muito pouco esforço para deter a beleza de cada uma dessas nações, a exemplo da Armênia, do Azerbaijão e de Catar. No caso, estamos nos referindo, em especial, à Geórgia (em georgiano: საქართველო), cuja tradução corresponde à Sakartvelo. Com frequência, é ela confundida com o Estado norte-americano Georgia, cuja capital é a glamorosa Atlanta. A “nossa” Geórgia, com sua surpreendente capital Tbilisi, fica um tanto mais distante. Está na Europa Oriental, ou melhor, entre Europa e Ásia. A este respeito, os próprios georgianos brincam com a dúvida que paira dentre os estrangeiros: a Geórgia pertence à Europa ou à Ásia? 

Entre risos, eles afirmam que a parte ocidental do país, antigo reino da Cólquida, pertence à Europa. Acrescentam que, segundo a mitologia grega, esse reino foi, em sua essência, a terra de personagens lendárias. O rei Eates possuía o Velocino de ouro, presente dos deuses que garantia riqueza inesgotável ao seu dono, mas Jasão, a bordo do navio Argo, viajou até ali para o roubar o Velo. O antigo reino também é a terra de Medeia, filha do rei e sobrinha de Circe, e, por algum tempo, esposa de Jasão. Depois de tanto imbróglio, os georgianos afirmam que a parte oriental, antigo reino da Ibéria (e bem mais tranquilo), está situada na Ásia. 

O país limita-se, a norte e a leste com a Rússia; a sul, Turquia e Armênia; a leste e a sul, Azerbaijão. A oeste, eis o majestoso mar Negro, por sinal, de azul límpido e inesgotável. Com seus 436.402 km² de extensão, situa-se entre Europa, Anatólia e Cáucaso, ligando-se ao oceano Atlântico por meio dos mares Mediterrâneo e Egeu e por pequenos estreitos. 

Tbilisi e a rota da seda

A indefinição quanto à grafia em português da capital da Geórgia, da “nossa” Geórgia, leva à variação de, no mínimo, 14 formas adotadas na mídia nos países lusófonos – Tbilisi, Tbilissi, Tiblíssi, Tbilisse, Tebilíssi, Tbilísi, Tbilíssi, Tiblisi, Tiblissi, Tiblísi, Tblisi, Tblísi, Tblissi e Tblíssi – o que chega a ser hilário! Mas, independentemente da opção, o fato é que visita a Tbilisi, parte integrante da antiga rota da seda, em seus 726 km² e população estimada em 1 152 500 habitantes, por si só nos dá nítida ideia da mescla de culturas que caracteriza o país, cujo aroma de especiarias parece impregnado ao ar e às pessoas em competição flagrante com o aroma de seus vinhos. Afinal, dentre suas particularidades, a Geórgia é o primeiro lugar do mundo, há mais de oito mil anos, a produzir a bebida e de forma bem peculiar, o que enlouquece enófilos, enólogos e sommeliers

Ademais, talvez seja o momento de esclarecer um pouquinho sobre o que chamamos, hoje, com tanta desenvoltura, de rota da seda. Trata-se de expressão que nomeia uma série de caminhos integrados e usados para o comércio da seda. O produto é transportado em caravanas e embarcações oceânicas que conectam comercialmente o Extremo Oriente ao continente europeu, desde o oitavo milênio a.C. Os antigos povos do deserto do Saara, o segundo maior deserto da Terra, aquém tão somente da Antártida, eram donos de animais domésticos vindos da Ásia. Consequentemente, esses povos e seus animais são, à época, essenciais para efetivar as trocas entre os dois continentes até a descoberta do caminho marítimo para a Índia. Naquele momento, a rota da seda conecta a atual Xian, capital da província de Shaanxi, na República Popular da China, à Antioquia (hoje, a moderna Antáquia, na Turquia), na Ásia Menor, e, também a outros destinos. Decerto, a rota da seda de então representa a maior rede comercial do mundo antigo, com influência até na Coreia e no Japão. 

Tbilisi e seus encantos

A parte antiga de Tbilisi, a maior cidade do país, traz de volta a beleza dos esquecidos balcões. A primeira impressão é que as casas de madeira, com suas grandes varandas de suporte metálico, construídas há mais de um século, vão despencar sobre as ruelas ladrilhadas e tortuosas. São resquícios da austera arquitetura soviética, um pouco sem graça com blocos de concreto à exaustão. No meio desse cenário, uma rua inteira de casas de banhos públicos de águas sulfurosas, abaixo do nível do chão e com cúpulas arredondadas, são atração imperdível para quem visita Abanotubani, nome do distrito da Cidade Velha. “Reza a lenda” que, quando o rei Vakhtang Gorgasali de Kartli estava caçando nos arredores da capital atual, um de seus falcões caiu em banotubani. Daí, ocorre a descoberta das águas termais, onde se banharam famosos, a exemplo do escritor francês Alexandre Dumas. Funda-se, assim, Tbilisi (= quente) que remonta a mais de 2.400 anos, com o adendo que só não foi a capital da Geórgia durante as invasões persa, árabe e mongol, períodos em que Mtskheta figura como centro político do país. 

 

 

Pontes cortam o Kura, rio que percorre as montanhas do Cáucaso: nasce na Turquia, segue em direção à Geórgia (à “nossa” Geórgia) e ao Azerbaijão, percorrendo o total de 1,515 km, até desaguar no Mar Cáspio. Aliás, passeio no funicular ou teleférico é imperdível. Favorece visão panorâmica de Tbilisi. Traz à tona o choque que causa à primeira vista a construção da Ponte da Paz (The Bridge of Peace), que data de 2008, após a guerra contra a Rússia, totalmente em vidro e aço, e o próprio Museu de Arte Contemporânea, além da residência presidencial, réplica em miniatura do Parlamento alemão, que parecem desafiar a sisudez da arquitetura antiga! 

Praças grandiosas em sua simplicidade, como a que mantém fontes de águas dançantes, também encantam, além da Moedani Tavisupleba (Praça da Liberdade), com imponente estátua de São Jorge ao centro. Dizem que o jovem Jorge, natural da Capadócia (Turquia), lutou como capitão do exército romano, o que justifica o apodo a ele atribuído: “Santo Guerreiro.” Além de padroeiro da Geórgia, também protege Portugal, Inglaterra e Lituânia. E mais, acredita-se que a denominação – Geórgia – deriva do grego γεωργ- (geōrg), ou seja, do nome do padroeiro ou, talvez, do termo γεωργία (gueōrguía), que significa cultivar. 

Em se tratando de santos e / ou religião, destaque para numerosos locais sagrados, entre catedrais, mesquitas e sinagogas, o que prova a bendita tolerância religiosa que caracteriza a capital e o país como um todo. Citam-se: Sioni Cathedral Church, construção do longínquo século VI; Mtatsminda Pantheon; Anchiskhati Basílica; Kashveti Church; Jumah Mosque; Metekhi Cathedral; Tbilisi Great Synagogue; Sameba Cathedral; e Chapel of Saint David. Entre os museus, menção ao Open Air Museum, à National Gallery e ao Georgian National Museum

Dentre os parques naturais, destacam-se o Jinvali Water Reservoir, os arredores do Lisi Lake, o National Botanical Garden e o Mount Mtatsminda. Como Tbilisi está rodeada por montanhas, no alto de uma delas, além de outra estátua de São Jorge, lá está, adiante, a Mãe Geórgia (Kartlis Deda), símbolo também muito querido pelos georgianos: na mão direita, segura uma espada contra os inimigos; na esquerda, uma garrafa de vinho para os amigos.

É ainda na parte antiga de Tbilisi, que estão suvenires os mais distintos para os gostos os mais distintos. É comum encontrar, ao lado de belos tapetes, que não perdem em beleza dos exemplares persas, os cloisonnés, objetos de decoração resultantes de trabalho antigo e tradicional em esmalte. A técnica consiste em acoplar tirinhas finas de metal coladas sobre uma superfície para formar um desenho composto por pequenos compartimentos preenchidos com pasta de esmalte vitrificado. Beleza pura! 

A parte mais nova da cidade, com restaurantes e casas noturnas, atrai público garantido para belos shows e danças típicas caucasianas. Como não poderia deixar de ser, mantêm um certo quê de “para o turista ver.” E daí? O turista vê, não se queixa, aprecia, fotografa, explode em selfies e não se esquece... 

Tbilisi e arredores: mais Geórgia

A Geórgia, a “nossa” Geórgia, fica quase que inteiramente aos pés da Cordilheira do Cáucaso, que abriga florestas (40% de seu território) e, como antevisto, uma cadeia de montanhas majestosas, que também chega ao sul da Rússia e a territórios do Azerbaijão, Armênia, Irã e Turquia. Neste sentido, além dos muros da capital, as regiões montanhosas conhecidas como “O grande Cáucaso” expõem ao longo do percurso, a célebre estrada militar da Geórgia, cujo nome homenageia, mais uma vez, a São Jorge. O ponto culminante é o Monte Chkara, com cerca de 5 200 metros de altitude. Rememorando que, por muito tempo, a Geórgia representou uma das precárias formas de conexão entre Europa e continente asiático, esse caminho favorece visita ao complexo de fortificações de Ananuri, de onde se vislumbra de olhos cerrados ou bem abertos paisagens com picos coalhados de neve na cordilheira do Cáucaso. Mais adiante, ao norte do país, eis Kazbegi, povoado que abriga a Igreja da Santa Trindade, datada do século XIV, de onde é possível avistar o Monte do mesmo nome.

Além de conhecida por suas prodigiosas fontes de água mineral, Geórgia, a “nossa” Geórgia, também nos dá como verdadeira oferenda a beleza de um “pulinho” à citada Mtskheta, habitada desde o segundo milênio a.C. Como visto, foi por muito tempo a capital do país. Hoje, tombada como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), consiste em museu vivo com fantásticos exemplos de arquitetura medieval religiosa de infinita beleza. 

Dentre as igrejas de Mtskheta, além da Basílica de Svetitskhoveli (“O Pilar da Vida”) com afrescos de beleza ímpar, é também possível observar a distância, no alto de um penhasco, com vista tanto da cidade quanto dos Rios Kura e Aragua, o Mosteiro de Jvari, obra-prima da Idade Média. Uma pequena igreja foi construída em 545 d.C., a “Pequena Igreja de Jvari.” Adiante, uma igreja maior, a “Grande Igreja de Jvari”, entre os anos 586 d.C. e 605 d.C., emerge, onde, até os dias de hoje, acontecem celebrações, embora o mosteiro tenha se deteriorado ao longo do tempo. Acredita-se que, nesse local abençoado, a evangelista feminina, Santa Nino, fincou sua cruz. Nina (como também é chamada), que significa “Igual aos Apóstolos” e / ou “Iluminadora da Geórgia”, é venerada por ter introduzido o cristianismo no país, do qual é a patrona, sendo também adorada na Armênia. Seu legado vai além da Igreja Ortodoxa Georgiana e da Igreja Apostólica Armênia. Há igrejas e mosteiros ao redor do mundo em sua homenagem, como na Rússia e nos EUA. Aliás, a Geórgia, na região do Cáucaso, destaca-se, ainda, por constar como o segundo país a adotar o cristianismo como religião oficial, aquém tão somente da Armênia. 

 

 

A Geórgia, a “nossa” Geórgia, possui outras construções consideradas patrimônios da humanidade pela UNESCO: Catedral de Bagrati e Mosteiro de Ghélati, ambos de arquitetura medieval e ambos em Kutaisi, segunda maior cidade do país. 

Georgianos: etnias, idioma, densidade geográfica

Os georgianos, sempre afáveis e prestativos, não pertencem a nenhuma das principais etnias da Europa ou da Ásia. Sua gente resulta da mescla de habitantes indígenas com imigrantes que seguem para o sul do Cáucaso na direção de Anatólia, ainda na Antiguidade. Em pleno século XXI, os georgianos constituem a maioria (84%) da população do país, que soma o total aproximado de 3 729 500 habitantes em sua área total de 69.700 km², um pouco maior que meu Estado natal, Paraíba, 56.585 km², o que resulta em densidade geográfica de 65,1 habitantes / km². Dentre outros grupos étnicos, estão, russos, armênios, abecásios, azeris e ossetas, ao lado de ucranianos, turcos, chineses e gregos. 

A bem da verdade, a Geórgia, nação muito jovem, com independência conquistada em 9 de abril de 1991 (mas reconhecida tão somente um dia antes da dissolução da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em 26 de dezembro de 1991), no decorrer de sua história, tem sido habitada por imigrantes de diferentes pátrias, em distribuição pouco equitativa e de difícil avaliação – cada fonte traz informações bastante diversificadas. De qualquer forma, lembramos que a Geórgia foi vencida pelo chamado Exército Vermelho e incorporada à URSS, em 25 de fevereiro de 1921, o que corresponde a muitos anos de sujeição a Moscou.

Aqui, é interessante narrar situação que perdura desde a dissolução da URSS, momento em que eclodem conflitos separatistas nas regiões autônomas da Abecásia (extremo noroeste do país) e Ossétia do Sul, centro-norte. Muitos ossetas partem para a Ossétia do Norte, na Rússia, enquanto mais de 150.000 georgianos deixam a Abecásia após o fim dos combates em 1993. Enquanto a Rússia reconhece oficialmente a independência das duas repúblicas, elas continuam sendo tratadas, em esfera internacional, salvo seis ou sete países, como territórios da República da Geórgia, inclusive pela Organização das Nações Unidas, União Europeia e EUA. A manutenção desta situação gera permanentes conflitos internos: duas regiões pertencem “no papel” à Geórgia, mas continuam controladas pelos russos. Como decorrência, impossível entrar nas duas cidades pela Geórgia, e, sim, apenas via Rússia. 

Quanto à língua da Geórgia, da “nossa” Geórgia, nem se enquadra como indo-europeia (ou seja, línguas eslavas, germânicas, latinas, etc.) nem como turcomana nem como semítica. Mantém seu próprio alfabeto, completamente distinto de qualquer outro, com 33 letras: 28 consoantes e cinco vogais. Em compensação, é a língua com maior penetração dentre os chamados idiomas kartvelianos, de difícil acesso e compreensão para nós, povo brasileiro. Tais idiomas pertencem a uma família de línguas faladas tão somente na Geórgia, com algumas ramificações de falantes na Turquia, no Irã e na Rússia. Depois, graças à influência soviética e à imigração de russos para a região, a segunda língua com maior incidência é o russo e o inglês é falado, com frequência, pelo povo geórgico. 

E vamos lá! Afinal, a economia da Geórgia gira em torno do turismo no Mar Negro! É conferir e se surpreender com a diversidade dessa gente! É conferir para acreditar que lugares não presentes no roteiro usual de turistas brasileiros podem extasiar e extasiam, reiterando o pensador português Fernando Pessoa, quando diz: “A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos.” 

 

 

 

GEÓRGIA EM SÍNTESE

 

SÍMBOLOS NACIONAIS

 

 

Bandeira

Brasão de armas

 

 

 

Hino nacional

 თავისუფლება (Liberdade)

Lema

A força está na união

Fronteiras

Norte e leste = Rússia

Leste e sul = Azerbaijão

Oeste = Mar Negro

Sul = Turquia e Armênia

Religião principal

Cristianismo Ortodoxo

Idioma oficial

Georgiano

Gentílico

Georgiano ou geórgico

Moeda

Lari (GEL)

Capital e cidade mais populosa

Tbilisi

Outras cidades

Kutaisi, Batumi, Rustavi e Zugdidi

Sistema político

República semipresidencialista

Expectativa de vida

Homens: 71,62 anos; mulheres: 80,17 anos

Produtos de exportação

Frutas cítricas, chá, uvas, manganês, cobre, vinho, metais, maquinaria, produtos têxteis e químicos

Mar

Negro

Clima

Subtropical úmido: quente e úmido no verão; frio e úmido, inverno

Área total

69.700 km²

População (ano 2015)

3 729 500 habitantes

Densidade geográfica

65,1 habitantes / km²


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”