ALÉM DAS BIBLIOTECAS


A BELEZA DOS ALPES FRANCESES SALPICADA PELA TRISTEZA DE 150 CORPOS INERTES

Diante do cenário de horror que cerca o acidente do Airbus A320 voo 4U 9525 da companhia aérea alemã Germanwings (da poderosa Lufthansa), no trajeto entre Barcelona (Espanha) e Düsseldorf (Alemanha), a pergunta central que paira no ar é tão somente esta: por quê? Afinal, as evidências apontam para a queda da aeronave nos Alpes franceses, dia 24 de março de 2015, por ato deliberado do copiloto, Andreas Lubitz, 28 anos. O conteúdo da caixa preta sinaliza a interpretação mais verossímil: ele recusou-se a abrir a porta da cabine para o comandante, que se ausentara por alguns instantes. Nesse ínterim, acionou o botão de perda de altitude com vistas a destruir o avião e com seu gesto tresloucado, ceifar a vida de 150 pessoas (144 passageiros e seis tripulantes, incluindo o próprio autor), entre bebês, crianças de colo, jovens, adultos e idosos, com destaque para cantores de ópera, 16 jovens entre 15 e 16 anos e duas professoras alemãs retornando de intercâmbio escolar, além de tantas outras pessoas com suas histórias de vida coloridas ou em preto e branco.

 

Diante das dimensões assustadoras do ato solitário de um ser humano, não há respostas. Não há respostas convincentes. Não há respostas que consolem famílias ou amigos das vítimas. É um momento de perplexidade, mas que traz à luz, paradoxalmente, a escuridão da alma humana. É evidente que não se trata de um suicídio e, sim, de um assassinato praticado por alguém, aparentemente, acima de qualquer suspeita. Um profissional treinado, admitido mediante exames físicos e mentais, os quais deveriam ser bastante rigorosos. E não foram. Em momentos distintos de sua vida, incluindo a fase de treinamento, segundo revelações dos promotores envolvidos no caso, Andreas se deixou vencer pela depressão. Segundo o noticiado, naquele dia, estaria de licença médica. De qualquer forma, é evidente que a companhia aérea não avaliou as consequências de manter um profissional com tal perfil.

 

Verdade que depressão faz parte do cenário do homem contemporâneo, justificada sempre por uma série de motivações, isoladas ou em conjunção. Estamos nos referindo à competitividade exacerbada; à insegurança / violência urbana; ao excesso de atividades; à solidão imensurável; aos amores fracassados; às perdas irremediáveis; às enfermidades e assim por diante. Poucos saem ilesos diante da onda de depressão que nos ameaça por toda parte. 

 

No entanto, se não há respostas que fujam ao lugar-comum, a insensatez dos empresários da Lufthansa chama atenção, considerando o quadro depressivo do copiloto e possíveis problemas de visão. Afora isso, depois de grandes tragédias, sempre (repetindo o lugar-comum), aqueles que mantêm poder de decisão, de imediato, adotam medidas preventivas. Exames periódicos em profissões de permanente risco, como a aviação (não importa se de alto custo ou de low cost), parecem o mais sensato desde sempre. Não é assim na maioria dos países ou, no mínimo, não é considerado tão a sério, como a tragédia atesta. Há, ao que parece, agora, quando alemães e espanhóis e tantos outros, como ingleses, australianos, belgas e israelenses choram seus mortos, uma onda acelerada para mudar as “regras do jogo”. Daqui em diante, alguns países não admitirão a permanência de uma só pessoa na cabine de comando. Medida simples, mas que teria evitado a tragédia.

 

É preciso lembrar – sem brincar – que de médico e de louco todos nós temos um pouco. Falamos, aqui, da loucura crescente no mundo moderno. Há o “louco de carteirinha” e o “louco a varejo”. No primeiro caso, a loucura no sentido mais duro da palavra, envolve hospícios e tratamentos avassaladores. No segundo, praticamente, todos os seres humanos: neuroses, medos (doença do pânico ou não), manias, absurdos, inconstância, incoerências, indefinições, gestos de insensatez e muitas imprudências. São desvios comportamentais que, invariavelmente, cometemos no cotidiano, por mais “normais” que pretendamos ser. Aliás, quem consegue estabelecer o que é normal? Se, na matemática, a unidade de normalidade de uma solução corresponde a um equivalente-grama por litro, como mensuramos nossa normalidade? É importante avaliar. Para quê? Por quê? No mínimo, para evitar entregar vidas nas mãos dos que estão perdidos na escuridão inescrutável de sua própria alma, como uma ex-namorada do copiloto revela e os pais, na grandiosidade do amor paterno, silenciam.


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”