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O DIVÓRCIO DO CATALOGADOR: AACR2 OU RDA

¾    Comadre! Ouvi dizer que estão se separando.

¾    Verdade?  Não acredito! Parecia um casal tão apaixonado.

¾    Era só representação. Dizem que é problema de incompatibilidade.

¾    Isso é sinal dos tempos. Coisa dessa modernidade.

¾    Pode ser mesmo. Mas ela tem temperamento difícil, não abre mão das regras.

¾    Verdade, Comadre?

¾    Falam que ela não aceita rever a relação. Aí a convivência fica difícil.

¾    E ele?

¾    Comentam que ele está tendo que lidar com novas situações e que ela não ajuda, ao contrário emperra.

¾    Coitada! Mas deve ter outra na vida dele, ninguém rompe uma relação de 32 anos à toa não.

¾    O comentário é que há, e isso está mudando a cabeça dele. Até rejuvenesceu, e anda todo disposto pro desempenho profissional.

¾    Para mim não passa de um catalogador sem-vergonha.

 

A hora H esta chegando para os catalogadores, no que se refere ao casamento com a tradicional norma de catalogação AACR2. Haverá realmente rompimento por total incompatibilidade de gênero (impresso e digital)?

Como declamava Vinicius de Morais, no soneto da fidelidade, “eu possa dizer do amor (que tive) / que não seja imortal, posto que é chama / mas que seja infinito enquanto dure”.

Uma nova representação bate à tecla do catálogo bibliográfico. A nova musa dos poetas, da descrição bibliográficas, tem por nome RDA – Resource Description and Access (Descrição e Acesso ao Recurso), não é em realidade nenhuma “Garota de Ipanema”, que vem e que passa seu doce balanço, a caminho do mar. As expectativas indicam que chegará para ficar e alterar o balanço das áreas na catalogação, mas não a ponto de desestruturar as bases catalográficas. Em artigo anterior,  comentávamos que o RDA é uma nova norma de catalogação que começa a substituir o Código de Catalogação Anglo-Americano, a partir de 2009.

Apesar do AACR2 ser aplicável à todo tipo de material, não se apresenta adaptado aos recursos digitais e às tecnologias de informação. Já, o RDA nasce orientado aos recursos de todo tipo de conteúdo e suporte. É adequado aos recursos digitais (e analógicos), e adaptado às tecnologias de informação.

O AACR2, na sua parte I é organizado pelas áreas da ISBD. O RDA está organizado segundo as entidades e os relacionamentos preconizados pelo FRBR (Requisitos Funcionais para Dados Bibliográficos), e apoiado no FRAD (Requisitos Funcionais para dados de Autoridade). Dois modelos conceituais desenvolvidos pela IFLA que identificam as relações que uma obra pode ter com seu criador, assim como as relações com quaisquer traduções, interpretações, adaptações ou formatos físicos dessa mesma obra.

Na estrutura do código as diferenças são mais evidentes. No AACR2, são 20 capítulos e 5 apêndices, excluído o apêndice F inserido na edição da tradução Brasileira. A parte I (da descrição) apresenta: Introdução, Capítulo 1 (Regras Gerais), Capítulo 2-12 (Regras Específicas), Capítulo 13 (Análise). A parte II (Pontos de Acessos, Títulos Uniformes, Remissivas) apresenta: Introdução, Capítulo 21(Escolha dos Pontos de Acesso), Capítulo 22 (Cabeçalhos para Pessoas), Capítulo 23 (Nomes Geográficos), Capítulo 24 (Cabeçalhos para Entidades), Capítulo 25 (Títulos Uniformes), Capítulo 26 (Remissivas), Apêndices A-E, Índice.

O RDA se estrutura, até o momento, em 37 capítulos, 13 apêndices. Sendo que nem todos os seus capítulos estão desenvolvidos. Está dividido em dois tópicos: Recording Attributes (Registro de Atributos) e Recording Relationships (Registro de Relações). Para descrição dos capítulos (acessados em 29/10/2010), faço uso do trabalho de Mey e Silveira (2009, p.55-57) no apoio à tradução dos tópicos.

Recording Attributes

§  Introduction / Introdução (também citado como capítulo 0)

§  Seção 1 Recording attributes of manifestation and item (registro de atributo de manifestação e item)

o   Capítulo 1: General Guidelines on Recording Attributes of  Manifestations and Items (diretrizes gerais para registro de atributos de manifestações e itens)

o   Capítulo 2: Identifying Manifestations and Items (identificação de manifestações e itens)

o   Capítulo 3: Describing Carriers (descrição de suporte)

o   Capítulo 4: Providing Acquisition and Access Information (provimento de informações sobre aquisição e acesso)

§  Seção 2. Recording attributes of work and expression (registro de atributos de obra e expressão)

o   Capítulo 5: General Guidelines on Recording Attributes of Works and Expressions (diretrizes gerais para registro de atributos de obra e expressão)

o   Capítulo 6: Identifying Works and Expressions (identificação de obras e expressões)

o   Capítulo 7: Describing Content (descrição de conteúdo)

§  Seção 3. Recording attributes of person, family, and corporate body (registro de atributos de pessoas, família e entidade coletiva)

o   Capítulo 8: General Guidelines on Recording Attributes of Persons, Families, and Corporate Bodies (diretrizes gerais para registro de atributos de pessoas, famílias e entidades coletivas)

o   Capítulo 9: Identifying Persons (identificação de pessoas)

o   Capítulo 10: Identifying Families (identificação de família)

o   Capítulo 11: Identifying Corporate Bodies (identificação de entidades coletivas)

§  Seção 4. Recording attributes of concept, object, event and place (registro de atributos de conceito, objeto, evento e lugar)

o   Capítulo 12: General Guidelines on Recording Attributes of Concept, Object, Event, and Place (diretrizes gerais para registro de conceitos, objetos, eventos e lugares) [não elaborado]

o   Capítulo 13: Identifying Concept (identificação de conceito) [não elaborado]

o   Capítulo 14: Identifying Object (identificação de objetos) [não elaborado]

o   Capítulo 15: Identifying Event (identificação de eventos) [não elaborado]

o   Capítulo 16: Identifying Place (identificação de lugares)

 

Recording Relationships

§  Seção 5. Recording primary relationships between work, expression, manifestation, and item (registros de relações primárias entre obras, expressão, manifestação e item)

o   Chapter 17: General Guidelines on Recording Primary Relationships between a Work, Expression, Manifestation, and Item (diretrizes gerais para registro de relações primárias entre uma obra, expressão, manifestação e item)

§  Seção 6. Recording relationships to persons, families, and corporate bodies (registro de relações de pessoas, famílias e entidades coletivas associadas a um recurso)

o   Capítulo 18: General Guidelines on Recording Relationships to Persons, Families, and Corporate Bodies Associated with a Resource (diretrizes gerais para registro de relações de pessoas, famílias e entidades coletivas associadas a um recurso)

o   Capítulo 19: Persons, Families, and Corporate Bodies Associated with a Work (pessoas, famílias e entidades coletivas associadas e uma obra)

o   Capítulo 20: Persons, Families, and Corporate Bodies Associated with an Expression (pessoas, famílias e entidades coletivas associadas a uma expressão)

o   Capítulo 21: Persons, Families, and Corporate Bodies Associated with a Manifestation (pessoas, famílias e entidades coletivas associadas a uma manifestação)

o   Capítulo 22: Persons, Families, and Corporate Bodies Associated with an Item (pessoas, famílias e entidades coletivas associadas a um item)

§  Seção 7. Recording Subject Relationships (registro de relações de assunto)

o   Chapter 23: General Guidelines on Recording the Subject of a Work (diretrizes gerais para registros do assunto de uma obra) [não elaborado]

§  Seção 8. Recording relationships between works, expressions manifestations, and items (registro de relações entre obras, expressões, manifestações e itens)

o   Capítulo 24: General Guidelines on Recording Relationships Between Works, Expressions, Manifestations, and Items (diretrizes gerais para registros de relações entre obras, expressões, manifestações e itens)

o   Capítulo 25: Related Works (obras relacionadas)

o   Capítulo 26: Related Expressions (expressões relacionadas)

o   Capítulo 27: Related Manifestations (manifestações relacionadas)

o   Capítulo 28: Related Items (itens relacionados)

§  Seção 9. Recording relationships between persons, families, and corporate bodies (registros de relações entre pessoas, famílias e entidades coletivas)

o   Capítulo 29: General Guidelines on Recording Relationships Between Persons, Families, and Corporate Bodies (diretrizes gerais para registros de relações entre pessoas, famílias e entidades coletivas)

o   Capítulo 30: Related Persons (pessoas relacionadas)

o   Capítulo 31: Related Families (famílias relacionadas)

o   Capítulo 32: Related Corporate Bodies (entidades coletivas realcionadas)

§  Seção 10. Recording relationships between concepts, objects, events, and places (registro de relações entre conceitos, objetos, eventos e lugares)

o   Capítulo 33: General Guidelines on Recording Relationships between Concepts, Objects, Events, and Places (diretrizes gerais para registro de relações entre conceitos, objetos, eventos, e lugares) [não elaborado]

o   Capítulo 34: Related Concepts (conceitos relacionados) [não elaborado]

o   Capítulo 35: Related Objects (objetos relacionados) [não elaborado]

o   Capítulo 36: Related Events (eventos relacionados) [não elaborado]

o   Capítulo 37: Related Places (lugares relacionados) [não elaborado]

§  Appendices A-M

o   A – Capitalization (maiúscula)

o   B – Abbreviations (abreviaturas)

o   C – Initial Articles (artigos iniciais)

o   D – Record Syntaxes for Descriptive Data (sintaxes do registro para dados descritivos)

o   E – Record Syntaxes for Access Point Control (sintaxes do registro para controle de ponto de acesso)

o   F – Additional Instructions on Names of Persons (intruções adicionais para nome de pessoas)

o   G – Titles of Nobility, Terms of Rank, Etc. (títulos de nobreza, termos hierárquicos [títulos honoríficos] etc.

o   H – Dates in the Christian Calendar (datas no calendário cristão)

o   I – Relationship Designators: Relationships Between a Resource and Persons, Families, and Corporate Bodies Associated with the Resource (designadores de relação: relações entre recursos e pessoas, famílias e entidades coletivas associadas ao recurso)

o   J – Relationship Designators: Relationships Between Works, Expressions, Manifestations, and Items (designadores de relação: relações entre obras, expresses, manifestações e itens)

o   K – Relationship Designators: Relationships Between Persons, Families, and Corporate Bodies (designadores de relação: relações entre pessoas, famílias e entidades coletivas)

o   L – Relationship Designators: Relationships Between Concepts, Objects, Events, and Places  (designadores de relação: relações entre conceitos, objetos, eventos e lugares) [não elaborado]

o   M – Complete Examples (exemplos completos – registros bibliográficos)

o   Glossary / Glossário

 

No RDA encontramos elementos que não existem no AACR2, como: características do arquivo (recursos digitais), formato de vídeo, informação sobre custódia (recursos arquivísticos), características de braile, URLs, identificadores de entidades (pessoas, entidades corporativas, obras), língua ou idioma das pessoas, etc.

Mey e Silveira (2009, p.57) observam que os exemplos contidos no apêndice M incluem formato RDA e formato MARC21. “O formato RDA, com indicação do respectivo capítulo, não inclui pontuação alguma. O formato MARC21, embora inclua alguma pontuação dentro de cada área, não registra pontuação de final de área como na ISBD”.

Neste aspecto, é bom lembrar, que o AACR2 prescreve o uso de pontuação segundo a ISBD.  E como o RDA, não prescreve nenhum tipo de pontuação dos registros (entende-se que a maioria das bibliotecas continuará a usar a ISBD). Fato reforçado pelo apêndice D que estabelece diretrizes da ISBD, incluindo novas práticas não seguidas no AACR2.

Os catalogadores são aconselhados a incluir qualquer elemento adicional que seja necessário (em certos casos) para diferenciar um recurso de outro ou outros recursos identificados com suportes e/ou informações semelhantes (RDA 0.6.1). Eles também podem incluir outros elementos que, em suas opiniões, sejam necessários.

Em relação ao recurso, Mey e Silveira (2009, p.54) comentam os conceitos empregados no RDA:

Recurso: um objeto informacional identificável; o objeto pode ser, por natureza, tangível ou intangível.

Descoberta do recurso: abrange as tarefas do usuário segundo os FRBR.

Dados descritivos: dados que descrevem um recurso.

Dados de controle do ponto de acesso: dados que descrevem uma entidade representada por um ponto de acesso controlado.

 

Ainda em relação ao conceito de recurso, relacionado ao ambiente da Web (dentro das preocupações crescentes com a elaboração de linguagens que permitam a descrição de recursos), o World Wide Web Consortium (W3C) e o Internet Engineering Task Force (IETF) definem como:

[...] qualquer coisa que tenha identidade. Por exemplo um documento eletrônico, uma imagem, um serviço (como por exemplo o informe do tempo que fará hoje em Los Angeles), e uma coleção de outros recursos. Nem todos os recursos têm que ser recuperáveis através da rede; por exemplo, pessoas, corporações, e livros de uma biblioteca são também considerados recursos.

 

Tais enfoques ilustram o ambiente de inserção e abrangência do RDA, como uma diretriz documental para o universo digital. Outros aspectos que separam o AACR2 do RDA podem ser mencionados na interpretação dos elementos bibliográficos.

Na descrição do segundo nível do AACR2 (1.0D2), o título principal, título equivalente e outras informações sobre o título são elementos necessários. No RDA, apenas o título principal é um elemento essencial (1.3).

Outra mudança significativa é a do DGM (Designação Geral do Material). As famosas listas de denominações gerais do material a ser inserido após o título principal, AACR2 (1.1C1), desaparecem. Mas catalogadores não lamentem! No lugar o RDA introduz:

·         Media Type  [tipo de mídia]: reflete a categorização geral do tipo de dispositivo de intermediação requerido para visualizar, jogar, rodar, etc., o conteúdo de um recurso (RDA 3.2.1). Não é um elemento essencial. Novo campo MARC21: 337.

·         Carrier Type [tipo de suporte]: Categorização do formato dos meios de armazenamento e de suporte, em combinação com o tipo de dispositivo de intermediação necessário para visualizar, jogar, executar, etc., o conteúdo de um recurso (RDA 3.3.1). O tipo de suporte é um elemento essencial. Novo campo MARC21: 338.

·         Content Type [tipo de conteúdo]: Categorização da forma de comunicação pela qual o conteúdo é expresso e através da qual é percebido pelo sentido humano (RDA 6.9.1). O tipo de conteúdo é um elemento essencial. Novo campo MARC21: 336.

Os campos MARC para estes elementos do RDA podem ser repetidos se houver mais de um tipo de mídia, ou repetido só o subcampo $a  dentro dos campos citados.

Como exemplo:

AACR2

RDA

245 10 $a Tagarelices tecarias sobre tags MARC21 atualizadas $h [recurso eletrônico] / $c Fernando Modesto.

300 $a 1 recurso online

245 10 $a Tagarelices tecarias sobre tags MARC21 atualizadas / $c Fernando Modesto.

300 $a 1 recurso online

336 $a texto $2 marccontent

337 $a computador $2 marcmedia

338 $a recurso online $2 marccarrier

 

Outras características distintas entre AACR2 e RDA, citadas como ilustração:

AACR2

RDA

Abreviaturas

Não abrevia

Adiciona informações entre colchetes

Transcreve como parece, não acrescenta informações

Regras complexas para vários lugares e editores

Registra nomes na ordem encontrada na fonte

Usar abreviaturas  s.l.  quando o lugar  ou s.n. quando o editor são desconhecidos

Usa frases para indicar uma informação desconhecida: [Lugar de publicação não identificado]; [Editor não identificado]

 

As áreas do AACR2 têm uma releitura no RDA. A releitura passa por uma mudança de postura do catalogador na elaboração da representação descritiva. Para ilustrar o comentário exemplifica-se com a extensão para texto. Note-se que não se abrevia no RDA.

AACR2

RDA

xvi, 323 p.

xvi, 323 páginas

[93] p.

93 páginas não numeradas

ca. 500 p.

cerca de 500 páginas

3 v. (1457 p.)

3 volumes (1457 páginas)

45, [40] f.

45 folhas, 40 folhas não numeradas

257 [i.e. 257] p.

257, ou seja, 257 páginas

180 p., 30 v. folhas de lâminas [série incompleta]

180 páginas, 30 volumes de folhas  de lâminas [série incompleta].

 

Concluindo...

Se o divórcio entre o catalogador e o AACR2 será litigioso ou não, pouco importa. O que se observa é que o RDA é um padrão de conteúdo. Contempla um conjunto de diretrizes que indica a forma de descrever um de recursos, concentrando-se sobre os elementos da informação (ou atributos) que um usuário necessita saber. Incentiva a descrição das relações entre os recursos e entre os recursos e as pessoas ou entidades que contribuíram para a criação desse recurso.

Segundo Santos & Correia (2009), a catalogação é processo essencial para descrever e padronizar informações representadas, que se constrói a partir de regras que promovam ao máximo a uniformidade das interpretações individuais, visando garantir a unicidade do item tratado e, ao mesmo tempo, sua universalidade. Isso em qualquer idioma e em qualquer tipo de unidade de informação, por catalogadores e usuários nos mais diversos ambientes informacionais. É neste contexto no qual um Código Internacional de Catalogação torna-se necessário para viabilizar a construção de formas de representação que satisfação os usuários da informação.

 

Indicação de leitura:

MEY, Eliane S. A.; Silveira, Naira C. Catalogação no plural. Brasília: Briquet de Lemos, 2009.

SANTOS, Plácida L. V. A. C.; Correia, Rosa M. R. Catalogação: trajetória para um código internacional. Niterói: Intertexto, 2009.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.