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REFLEXÕES SOBRE COGNIÇÃO: O CONHECIMENTO, A INFORMAÇÃO E A COMUNICAÇÃO

Marcos Luiz Mucheroni

 

1 Introdução

 

As ciências cognitivas são emergentes, porém seu desenvolvimento atual é amplo e complexo.

 

Ainda que seja impossível isolar-se cognição de sujeito cognoscente, e este do seu ambiente sócio cultural, isto é feito aqui apenas para penetrar no debate do que está em desenvolvimento neste domínio, com o propósito de conceituar a cognição com a qual se deseja estabelecer uma relação com a informação, qual é seu objeto em si e se ele existe.

 

Conforme exposto anteriormente no site (na coluna gentilmente cedida pelo Fernando Modesto e acolhida pelo Oswaldo) o assim chamado “paradigma” físico da informação está ligado ao seu paradigma social e ambos estão intimamente ligados ao sujeito cognoscente, conforme se procurou ali refletir (MUCHERONI, 2008).

 

Se por rigor científico fosse necessário caracterizar cognição, neste contexto, de modo simples, poderia se definir como propriedade intrínseca do sujeito cognoscente que o habilita ao conhecimento por meio de algum processo de acesso a informação.

 

Porém a definição mais aceita, por ser considerada mais ampla, é aquela que considera a ciência cognitiva ou da cognição, como o estudo científico da mente ou da inteligência (LUGER, 1994) e deseja-se explicitar o que faz este enfoque ser respeitado.

 

Na proximidade com a computação este conceito tem origem no modelo da máquina de Turing (TURING, 1937) desenvolvida a partir de um modelo de estados de uma fita em movimento na qual são gravados signos, deste modelo evoluiu o modelo computacional e pensava Turing que este chegaria ao cérebro humano, criando assim um modelo simbólico da mente.

 

Deste modelo unido ao sistema de sinapses (a comunicação entre os neurônios) de Donald Hebb emergiu outra corrente chamada conexionista, a qual leva em conta a estrutura física e biológica do cérebro que, embora distante do simbólico, criou a área das redes neurais. Sistemas híbridos que consideram o modelo conexionista e o simbólico (SUN; BOOKMAN, 1994) evoluíram, porém alguns fatores cognitivos não eram considerados.

 

Os fatores sociais e culturais, que são intrinsecamente humanos e também ligados a cognição tais como: reflexão, emoção e consciência não eram considerados. Além dos fatores sociais e culturais, também os psicológicos estão relacionados à cognição, entre eles podem-se citar: empatia, percepção, cognição animal, abordagens comparativas e evolucionárias, porém estes fatores quase sempre criam algum conflito filosófico ou científico, e por isto são desconsiderados ou deixados à margem.

 

A cognição está também ligada a neurociência, que reúne áreas distintas e às vezes até contraditórias tanto do ponto de vista metodológico como epistemológico, incluindo as ciências biológicas a partir do sistema nervoso, normal ou patológico, em especial a anatomia e a fisiologia do cérebro, estabelecendo conexões com a teoria da informação, a semiótica e a lingüística, e também com disciplinas que explicam o comportamento, o processo de aprendizagem e também os mecanismos de regulação orgânica.

 

Assim, só é possível definir as ciências cognitivas a partir de seu caráter emergente de um esforço contemporâneo a partir de um conjunto de fundamentações empíricas que buscam responder questões epistemológicas de longa data, e de modo especial àquelas relativas ao conhecimento: suas origens, componentes, desenvolvimento atual mediado pelas tecnologias e soluções propostas em diversas áreas.

 

Penrose (1997) estabeleceu as ligações da cognição com diversas áreas: a matemática, a física quântica, a cosmologia e também a “física da mente”, porém esclarece: “é inaceitável  ... a idéia que o pensamento ... é a mesma atividade que a realizada por um computador complexo”.

 

2  A relação entre informação e conhecimento

 

Se cada área isoladamente já provoca uma complexidade metodológica imensa, unidas e colocadas em relação nesta dinâmica pode-se ter ampliado este caos, porém se examinados os exatos conceitos em cada área, postos em relação à outra, o que se obtém de resultado produtivo em cada uma delas, pode-se realizar uma fusão crítica entre conceitos e métodos.

 

Os processos semióticos, por exemplo, podem ser colocados em contraste com os computacionais, conforme estabelecido por Eco (1995), por exemplo, envolvendo um objeto A ausente, um signo B e uma entre as várias possibilidades de interpretação C que o signo traz ou representa na mente de alguém. Colocada desta maneira a semiótica é um processo tanto humano como técnico essencial, facilitador da comunicação entre seres humanos e, desta forma, auxilia decisões e escolhas de interpretações de mensagens, esta tarefa cognitiva (de interpretação) pode ser compreendida então assim: o objeto A ausente necessita de um meio físico, por exemplo, a transmissão a distância de uma mensagem, este meio físico se computacional pode criar um signo B capaz de superar esta distância e enviar pela rede uma mensagem possibilitando um conjunto de relações semióticas novas sujeitas a interpretação C.

 

Há neste processo uma relação criativa nova, este papel é fundamental para se compreender o processo que usa um meio físico, conforme visto por Pierre Lévy:

        

Toda criação é equivalente ao uso, de uma maneira original, de elementos preexistentes. Toda criação é uso, na medida em que traz novas possibilidades, como no plano de criação ... e uso são, realmente, dimensões complementares das mesmas operações de conexão,  com seus efeitos de reinterpretação e construção de novos significados. (LÉVY, 1993, p. 58).

 

Por isto o esforço na construção de mecanismos automáticos, por exemplo, de relações entre conceitos por tesauros, taxionomias, ontologias, agentes inteligentes ou mecanismos semânticos criam esta conexão que facilita as escolhas contextuais, na tarefa de interpretação a partir de mecanismo cognitivo novo; mesmo que se imagine que este papel já é exercido na mente de uma pessoa, este dispositivo de alguma forma auxilia que este conhecimento seja visível em possibilidades novas, seja qual a forma de sua comunicação: oral, gravada em alguma mídia eletrônica ou armazenada em formato digital.

 

O desconforto existe porque sempre esta informação registrada refletirá a maneira particular como um conjunto das interpretações possíveis na mente humana, ou seja, não é possível se pensar na forma de registro sem pensar em uma forma de construir significação.

        

Pode-se agora determinar o sujeito cognoscente como aquele que tem a capacidade interpretativa específica capaz de escolher a interpretação C entre as várias possibilidades, construindo a tríade do sistema semiótico proposto por Eco (1995).

 

Para aplicar esta tríade semiótica, o documento ausente A pode ser representado por uma referência bibliográfica ou um metadados, o objeto B é o documento original numa mídia, e o interpretante seria a idéia do documento criada pela referência na mente de um usuário.

 

Porém este objeto pode ser visto como uma representação construída colecionando-se atributos ou predicados acerca do objeto, conforme desenvolve Dahlberg (1992, p. 66) na teoria do conceito.  Predicados de um documento entre outros, podem ser do tipo <TITULO>, <AUTOR> e <ASSUNTO>, e neste sentido um ícone semiótico pode ser pensado como tendo uma semelhança com o objeto representado construído a partir dos predicados.

 

A referência ao documento original é um (meta) texto que aparece ao usuário com o mesmo título e autor que o documento original.  Todos estes componentes passam pela interpretação do usuário, que é o sujeito cognoscente.

 

Os mecanismos das TIs e TICs são facilitadores desta relação de interpretação, pois encurtam distâncias e criam acesso em tempos menores – e alteram a própria mediação por estes mecanismos interativos, alterando a relação destes com o conhecimento e sua comunicação.

 

3  Mecanismos de TIs e TICs para comunicação do conhecimento

 

A relação com a comunicação foi estabelecida pelo próprio processo de desenvolvimento do conhecimento desde a origem com o uso da oralidade primária (aquela que é anterior a escrita), o desenvolvimento da impressão, do livro e o desenvolvimento atual das mídias digitais.

 

O desenvolvimento atual no contexto da web semântica é definido por Tim-Berners Lee, seu promotor e o criador dos protocolos de hipertexto para sua primeira plataforma, como:

 

A Web Semântica não é meramente a ferramenta para conduzir tarefas individuais que nós temos discutido até aqui. Mais que isso, se adequadamente planejada, A Web Semântica pode apoiar a evolução do conhecimento humano como um todo. (BERNERS-LEE, 2001).

 

A web semântica foi desenvolvida justamente com a preocupação com a visibilidade presente na rede onde os dados são colocados de forma bruta, com seu volume crescente e com as preocupações com documentação, relevância e fatores de impacto em documentos, onde o volume de dados brutos na Web negligenciou aspectos que indicam o conteúdo e a relevância dos dados ali expostos.

 

Uma modificação antropológica importante é a criação de comunidades de colaboração, que não apenas se constituem como redes sociais em determinadas áreas de conhecimento, mas desenvolvem-se dentro de núcleos cognitivos com aspectos colaborativos novos, a saber: a simultaneidade dos documentos, co-edições e interatividades crescentes.

 

Poderosos mecanismos de auxílio e apoio ao desenvolvimento destas novas plataformas de construção do conhecimento foram desenvolvidos, entre elas aquelas que apóiam a criação de repositórios digitais, tais como: o DSPace, EPrints e Fedora, em que é feito algumas bases de dados.

 

Além destas bases, também os ambientes educacionais eletrônicos, que incluem aspectos de educação a distância e mídia digital, o e-learning, que além de aspectos presenciais chamados de blended-learning incorporaram e desenvolvem ferramentas colaborativas que são em grande parte idênticas as ferramentas desenvolvidas para o que é conhecida como Web 2.0.

 

As novas ferramentas da web 2.0 é um desenvolvimento além da padronização dos processos documentais dos repositórios digitais, além das plataformas de gestão de conteúdo, porque incorporam os aspectos colaborativos, presentes em ambientes abertos que gozam de alta popularidade, a saber: blogs, podcasts, wikis, fóruns e chats.

 

Aspectos semânticos essenciais incluem os desenvolvimentos de ontologias digitais que tratam da relação entre conceitos e ferramentas atuais como a “nuvem de tags” que exploram vocabulários presentes em textos num aspecto visual novo.

 

No espaço da Web estas atividades de seleção através de critérios de relevância são feitas não apenas por usuários humanos, também por meio de agentes inteligentes, soft-bots, e crawlers, mecanismos de pré-seleção que a partir dos conteúdos de documento, descrições e representações processáveis diretamente por computador, através de metadados e mecanismos de sindicação e federação a partir de chaves de busca em coleções de revistas ou bancos de teses e dissertações. Junto com o desenvolvimento de padrões para documentos abertos OAI (Open Archives Initiative) (SOMPEL; LAGOZE, 2000) proliferam os blogs, onde aspectos documentários e referenciais são quase sempre negligenciados.

 

Longe de considerar isto um caos, no sentido de vulgar e não científico, porque caos é complexidade e possui aspectos de auto-organização, pode-se perceber que nele estão presentes as preocupações com os aspectos educacionais e ontológicos, da estruturação de um referencial com uso de metadados ou outras que permitam fundamentar aspectos de busca e coleta para estes novos instrumentos disponíveis na Web 2.0.

 

Onde todas estes questões e estes modelos podem ser pensados? A partir de uma convergência de mídias? Também, mas em profunda relação com o sujeito cognoscente.

 

4  Novas relações cognitivas, as mídias e o sujeito cognoscente

 

Pierre Lévy como a maioria dos pesquisadores que investigam o conhecimento com as novas mídias percebe uma questão fundamental na mudança da relação, até mesmo em relação aos modernos meios como o rádio, a TV e o cinema, há uma nova forma de mediação entre agentes do conhecimento, a sua horizontalização, a possibilidade de maior reciprocidade entre os agentes, o que Lévy (1993) chama de muitos-para-muitos, no sistema em rede, e a esta se acrescenta aqui duas igualmente importantes ligadas a ela: a descoberta da subjetividade humana em cada sujeito cognoscente e uma nova relação entre sujeito e objeto, em especial quanto ao processo de aquisição de conhecimento.

 

Roger Chartier, vê com clareza que as novas tecnologias exigem do indivíduo contemporâneo a construção de estruturas singulares no tocante a relação nova com o conhecimento:

 

Ao pensar o que acontece no mundo contemporâneo, faz-se muito claro que tudo o que pensamos como estável, invariável ou universal se fragmenta em uma descontinuidade ou em uma série de particularidades. Assim, tem lugar uma consciência ou autoconsciência da situação singular de cada um de nós em um presente que também é singular. (CHARTIER, 2001, p. 152).

        

O filósofo Theodor Adorno, que viveu até 1969, mesmo sem ter conhecido as mídias horizontais, frutos da Internet e da Web, teria feito reflexões ainda mais profundas das relações por ele exploradas entre sujeito, objeto e conhecimento a partir do seu pensamento, o que é possível perceber neste raciocínio:

 

Poder-se-ia partir da idéia, supostamente ingênua, mas, na realidade, já mediada, de que um sujeito, seja qual for sua natureza, um sujeito cognoscente, defronta-se com um objeto, seja qual for a sua natureza, objeto do conhecimento... e voltar a referir-se a esse conceito multívoco de objeto ao não menos multívoco de sujeito.” (ADORNO, 1959).

 

Ele não apenas transpõe a barreira entre o objeto e o sujeito, mas torna este cognoscente.

 

5  Algumas considerações finais

 

Longe de se tratar de problemas puramente filosóficos, é exatamente o fato de não se compreender a natureza física e semiótica dos objetos do conhecimento que as novas mídias trouxeram ao mundo cognitivo, que faz com que estes objetos sejam ora condenados como “ausente de significação” ora vistos como substitutos da significação que só podem estar vinculadas a uma interpretação e esta como propriedade intrínseca do sujeito cognoscente.

 

A razão de suscitar este plano de discussão de alto nível é o fato que exatamente o objeto de estudo que envolve este tipo de cognição estar intimamente ligado à raiz do pensamento científico que vê com desconfiança a pouca objetividade de áreas que penetram em um conhecimento até bem pouco tempo colocado em suspeita que estejam relacionados à: empatia, emoção, percepção, consciência e reflexão, e estes ainda são tratados em domínios isolados como a psicologia ou a cultura, jamais se pensou em tratá-las em áreas tão objetivas como a organização do conhecimento e da informação.

 

Trata-se de uma retomada em alto nível de discussões pertinentes ao campo da ontologia, da educação em sentido amplo que incluem atitudes e comportamentos, muito além das habilidades; e também da inclusão e da interatividade numa ótica nova jamais pensada pelo pensamento racional até bem pouco tempo atrás, a partir do sujeito ligado ao objeto, e no caso específico da informação e do conhecimento, submetidos a situações que habilitam o sujeito cognoscente de acesso ao conhecimento por artefatos e objetos, e isto inclui o uso das novas mídias, possibilitando novas relações com o próprio conhecimento e a informação.

 

Referências:

 

ADORNO, Theodor W.  Sujeito e Objeto, Original: Zu Subjekt und Objekt, 1959.  Disponível em: <http://www.geocities.com/jneves_2000/tadorno2.htm>. Acesso em: ago. 2007.

 

BERNERS-LEE, Tim; HENDLER, James; LASSILA, Ora. The semantic web. Scientific American, New York, n. 5, May 2001. Disponível em:

<http://www.scian.com/2001/0501issue/0501berners-lee.html>. Acesso em: ago. 2008.

 

CHARTIER, R. Cultura Escrita, Literatura e História. Porto Alegre: Artmed, 2001.

 

ECO, Umberto. Os limites da interpretação. São Paulo: Perspectiva, 1995.

 

DAHLBERG, I. Knowledge, organization and terminology: phylosophical and linguistic bases. International Classification, v. 19,n.2, p. 65-71, 1992.

 

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informatica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.

 

LUGER, G.F. (with Johnson, P., Stern, C., Newman, J. and Yeo, R.). Cognitive Science: The Science of Intelligent Systems. Boston, MA: Academic Press, 1994.

 

MUCHERONI, M. L. Reflexões sobre os conceitos: físico e social de informação, Disponível em:  <http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=391>. Acesso em: set. 2008.

 

PENROSE, R. A mente Virtual. Lisboa: Gradiva, 1997.

 

SOMPEL, Herbert van de; LAGOZE, Carl. The Santa Fe Convention of the O.A.I. Dlib Magazine, v. 6, n. 2, Feb. 2000. Disponível em: <http://www.dlib.org/dlib/february00/vandesompel-oai/vandesompel-oai.html>, Acesso em:  maio 2008.  

 

SUN, R.; BOOKMAN, L. (eds.) Computational Architectures Integrating Neural and Symbolic Processes. Kluwere Academic Publishers. 1994.

 

TURING, A. The Alan Turing Internet Scrapbook, escrito em 1937, Disponível em: <http://www.turing.org.uk/turing/scrapbook/test.html>, Acesso em: 23 ago. 2008.

 

Marcos Luiz Mucheroni – CBD, ECA-USP


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.