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REFLEXÕES SOBRE OS CONCEITOS FÍSICO E SOCIAL DE INFORMAÇÃO

Marcos Luiz Mucheroni

 

1  Introdução

 

Os conceitos controversos da palavra informação podem ajudar a explicar a diversidade de influências e tendências em áreas de estudo correlatas, como as Tecnologias da Informação (TIs), a Ciência da Informação (CI) e as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), este termo foi analisado por Schrader (1983) que encontrou aproximadamente 700 definições no período de 1900 a 1981.

 

As raízes gregas e latinas demonstram na origem duas tendências fortes da palavra informação que podem esclarecer o seu desenvolvimento etimológico, e neste sentido de acordo com o Thesaurus Linguae Latinae (1900) há referências básicas do termo desde Virgílio (70-19 a.C.) até o século VII, em dois contextos básicos: um tangível e outro intangível (CAPURRO; HJØRLAND, 2007).

 

Embora o prefixo in possa significar a negação, neste caso, pode indicar o sentido afirmativo de dar forma a alguma coisa, por exemplo, no clássico Eneida de Vírgilio sobre Vulcano, as flechas de raios para Zeus produzidas por Vulcano e os Cíclopes são chamadas informatum, aqui no sentido tangível, já em Tertuliano (160-220 d.C.) Moisés é chamado de populi informator, no sentido intangível de educador ou modelador, e, também muitas palavras gregas foram traduzidas por informatio ou informo, como hypotyposis (que significa modelo no sentido moral) e prolepsis (representação), sendo estes conceitos diretamente relacionados a eidos, idea, typos e morphe que são conceitos fundamentais na ontologia e epistemologia gregas (CAPURRO, 1978), recuperando este conceito como o de dar forma: in-formar.

 

A tradução de Cícero de De Natura Deorum de Epicuro (341-270 a.C.) utiliza o conceito de prolepsis traduzida como informatio rei (CÍCERO; Nat. Deor. 1,34) para as representações dos deuses ou das coisas impressas em nossas almas antes de qualquer experiência, informação a priori, um tipo de informação que Kant negou existir.

 

Este trabalho também analisa a influência da ontologia e da epistemologia grega, além do cristianismo, na obra De Trinitate de Santo Agostinho, que chama o processo de percepção visual de informatio sensus e usa a clássica metáfora platônica e aristotélica da impressão (imprimitur) em cera, por anel de selo, como esta informação impressa em nossa mente.

 

Em Agostinho (apud CAPURRO; HJØRLAND, 2007) as imagens e objetos percebidos, são armazenados na memória que consistem de reflexões (cogitatio) que é a capacidade de lidar com representações internas (informatio cogitationis), enquanto para Platão a alma (mens) ou o intelecto racional (intelligentia rationalis) não se informam por estas imagens.

 

É importante observar que informatio também é usado em contexto pedagógico por Agostinho, Cristo é a forma de Deus (forma Dei), enquanto no escrito De Civitate Dei e descreve o processo de iluminação da comunidade celestial (informatio civitatis sanctae) (AGOSTINHO, De Civ. 11,24).

 

Neste contexto histórico há uma transição da tradição da oralidade primária para a escrita, onde o exercício da memória e de sua organização foi transformado pelo registro em livros, criando uma retórica nova mais abstrata e objetiva, que impulsionou novos contextos antropológicos.

 

Ao analisar as características históricas pode-se perceber "... como o conceito de informação está intimamente ligado a visões sobre o conhecimento", (CAPURRO; HJØRLAND, 2007) e segundo estes autores, que está fundamentada em premissas empíricas e epistemológicas modernas, abandonando o conceito medieval de informação como moldar a matéria, negligenciando uma conexão entre as teorias da informação e do conhecimento.

 

2  Incursões sobre o conceito físico de informação

 

A divisão inicial embora incompleta, da Ciência da Informação em três paradigmas é didática para examinar o ponto de vista de trabalhos realizados nas áreas que visam conceituar e desenvolver parâmetros para a fundação de práticas e metodologias que, nas suas bases estão ainda sendo lançadas dentro de um universo relativamente novo de conceitos e teorias, mas de modo especial práticas.

 

É incompleto, porque a maiorias das citações nos três pretensos paradigmas partem de bases conceituais importantes em fontes da própria Ciência da Informação, mas raramente usam as ciências chamadas “exatas” e “sociais”, como é, por exemplo, o caso do paradigma físico que parte das fontes de Norbert Wiener, passando por Claude S. Shannon, que construíram os conceitos para que os dispositivos de comunicação digital se desenvolvessem, não sendo, portanto apenas uma visão matemática para o tratamento da informação como um sinal, mas com conseqüências sociais na área de desenvolvimento e de tratamento digital dos sinais: sísmicos, radares, sonares, celulares e diversos equipamentos de tratamento de imagens (tomógrafos, por exemplo), porém muitas áreas novas penetraram na natureza da informação dos sinais naturais (e também sociais) permitindo seu tratamento como sinal digital, dando origem a uma área intitulada Processamento Digital de Sinais (DSP, Digital Signal Processing), com inúmeras conseqüências práticas e, portanto sociais, só para citar um exemplo: o celular.

 

Ainda no sentido físico é fundamental para a compreensão do desenvolvimento das linguagens computacionais e do próprio computador, o trabalho de Alain Turing, que pensou um mecanismo abstrato de uma fita infinita, onde se podiam armazenar signos em células, e ler ou gravar signos nestas células, como movimentos para frente e para trás, chamado depois em 1937, pelo lógico matemático Alonzo Church de Máquina de Turing (TURING, 1937), este conceito foi fundamental para o surgimento dos primeiros computadores e as primeiras linguagens, e tem uma conexão de fundação com o paradigma cognitivo porque Turing imaginava que o crescimento destes mecanismos não apenas desenvolveriam os computadores, mas iria mais tarde imitar o cérebro humano (pensava que perto do ano 2000).

 

Ao lado deste conceito e do equívoco de Turing, podem-se ver os registros, caracterizados apenas como objetos físicos informativos (BUCKLAND, 1991), ou seja: livros, artigos, manuscritos, fotos, teses e dissertações, filmes e vídeos, são o sujeito cognoscente é uma visão apenas instrumental da informação, Turing via também sua máquina como sistemas com entradas e saídas, mas sem perceber que ao serem realizadas operações cognitivas há novas entradas, não se podendo ver este como sistema isolado porque os agentes interagem o tempo todo sobre estas máquinas ou na informação sistêmica, sobre estes objetos.

 

Se esta “coisa” que são objetos físicos, ela foi tratada e discutida num encontro fundamental da área, o American Society for Information Science em 1993, realizado em Ohio, onde se teve o objetivo de esclarecer as distintas definições de informação foi feita uma seção especial intitulada Debatting different approaches to studying the organization of information, onde se caracterizou o objeto físico como “o paradigma do objeto”, através da análise da natureza das informações dos próprios objetos, e não apenas como um objeto tendo uma natureza material tangível.

 

Ainda que estes paradigmas reduzam o conceito de informação ao tratamento como coisa (e no caso do conceito físico ela é realmente coisa), é inegável a contribuição destas teorias para o desenvolvimento do tratamento da informação no sentido de sinais e mensagens.

 

Além da Máquina de Turing, outro trabalho esquecido no paradigma cognitivo, e que deu origem a corrente conexionista e também influenciando este paradigma é o trabalho de Donald Hebb (HEBB, 1949), estabelecendo as conexões básicas do cérebro, as sinapses e que deu origem esta corrente, e dando contribuições importantes ao desenvolvimento de grandes áreas de pesquisa em Ciência da Computação, como por exemplo, as Redes Neurais.

 

Ou a “coisa”  talvez seja aquela que Stonier (1990) vê fisicamente presente no universo.

 

3  Reflexões sobre as ligações do conceito físico e social da informação

 

A visão da informação como coisa, que não é nada além de uma informação elétrica ou digital do modelo físico proposto por Weaver e Shannon, resultou em grandes realizações práticas no tratamento de sinais da natureza: voz, sons, imagens, sísmicos tiveram conseqüências na comunicação e influenciou a transformação de muitos meios atuais, como por exemplo, a telefonia móvel, a comunicação de satélite, até mesmo os equipamentos de imagens médicas e geológicas, radares e sonares e por outro lado acelerou as investigações cognitivas.

 

Assim o modelo cognitivo, onde o sujeito cognoscente é aquele que pode ser visto dentro de uma informação sistêmica, que potencializa os modelos mentais e as operações entre o intelecto do usuário e o sistema, é desenvolvido por diversos autores, entre eles Ellis (1991) e Choo (1998).

 

A distorção no chamado paradigma físico aparece em função do que Capurro; Hjørland (2003) chamam de mudança no significado epistemológico da palavra informação pela Modernidade sendo visto como algo a ser estocado e processado, um passo para ver a informação como mercadoria ou utilidade, rompendo com o sentido de informação como "instruir" ou "comunicar conhecimento", sentido presente até o renascimento e ainda em algumas línguas (o alemão) que guardam este sentido ontológico: o de dar forma a algo.

 

A importância das dimensões sociais e culturais da informação fortalece a visão que os conceitos estão relacionados ao campo do conhecimento e da educação, e estão vinculados dentro do acervo e das experiências acumuladas por certas comunidades e que devem ser disponibilizadas para a sociedade.

 

Como conseqüência do argumento ontológico Hjørland (1995; 1997; 2002) organizou esta visão não só como uma “coisa” a ser colocada numa prateleira ou vendida, mas como um objeto físico informativo dentro de um domínio de conhecimento em mudança, dentro de “comunidades discursivas”, sendo um reflexo da estrutura informacional e portanto necessária.

 

Seu pensamento sobre este desenvolvimento social pode ser apoiado pela sociologia da cultura de Bourdieu (1996), que define a idéia de campo, como condições sociais numa estrutura objetiva que organiza ações em certas áreas.

 

Bourdieu (1996, p. 22) recoloca a sociologia no espaço social prático ocupado por cada ator social que produz um habitus, uma premissa fundamental de sua teoria: “... esse princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é, um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens e de práticas” algo realmente novo porque procura compreender o mundo pela prática cotidiana e não pela racionalidade nem sempre objetiva dos modelos teóricos.

 

Supera-se assim a parte de polêmicas de conteúdo só acadêmico, visto que “... a relevância interdisciplinar das teorias sociais na compreensão das questões práticas e teóricas da informação... não é um processo, matéria ou entidade separada das práticas e representações de sujeitos vivendo e interagindo na sociedade, e inseridos em determinados espaços e contextos sociais” (MARTELETO, 2002, p. 102).

 

O pensamento social de Bourdieu supera a divisão entre o objetivismo, fundamentado nas relações diretas e objetivas entre os sujeitos, e a pouca praticidade da fenomenologia que vê somente a subjetividade do sujeito, não vê o social e o cognitivo como uma estrutura objetiva das práticas individuais (é o caso do positivismo e do estruturalismo), onde as possibilidades subjetivas de uma realidade são feitas sob a coação de estruturas existentes.

 

Ainda que a conseqüência acadêmica para este novo conceito de informação seja pequena, na prática ela existe e já há sinais cada vez maiores de sua influência.

 

4  Considerações finais

 

Na análise do desenvolvimento da palavra e do conceito de informação, desde antiguidade clássica passando pela escolástica é possível perceber em suas fundações uma face epistemológica, mais acadêmica e de organização do conhecimento, e outra ontológica mais social no sentido de comunicação do conhecimento, conceito trabalhado por Capurro e Hjørland (2003), que também apontam que foi a partir da modernidade que este segundo conceito entrou em declínio, perdendo assim esta sua identidade como tendo uma ligação fundamental com o in-formar, no sentido de dar forma a alguma coisa.

 

E se é necessário discutir o que é esta “coisa” é necessário recuperar o aspecto ontológico, sem esquecer que ela fez parte da história etimológica, social e antropológica da informação, esta última como está proposto no trabalho de Marteleto (2002).

 

Ver a informação como coisa, e entender seu estatuto ontológico, ou seja, qual ser é a informação, é importante para não se perder em definições tautológicas como “informação como informação”, cujo sentido obviamente é vazio.

 

É bastante claro que o paradigma físico tem suas raízes não apenas nos sinais da Teoria de Shannon e Weaver, mas também tem seu sentido em atividades clássicas daqueles que trabalharam com sistemas contendo objetos físicos como livros e filmes, tem um apelo bastante forte, porém não é isto que torna a informação “uma coisa” e muito menos a propriedade desta coisa, mas sim um predicado de segunda ordem (CAPURRO, 2003), isto é, algo  que o usuário ou o sujeito cognoscente atribui a esta “coisa“, dando-lhe um significado, e este significado é feito dentro de um processo interpretativo dentro de fatores sociais que limitam muitas vezes a compreensão em maior profundidade de quais “conceitos” a sustentam.

 

Para estabelecer o que é o “ser” da informação, se esta é algo presente no universo de forma quântica como estabeleceu Stonier, ou um “ínfons” nome dado por seu discípulo Lyre (1998), se são apenas sinais e mensagens a partir de fontes naturais como sinais sísmicos, sons e imagens captadas por equipamentos ultra-sensíveis como radares, sonares e tomógrafos, sons emitidos por seres humanos ou animais, ou apenas se estabelecer este ser como objetos, o “paradigma do objeto” feito pela American Society for Information Science em Ohio.

 

Esta discussão parece algo como a teoria do fogisto, substância ínfima presente no fogo que se acreditou até o final da idade média, mas se descobriu que era matéria em combustão.

 

Usando a metáfora da combustão, informação deve ser vista em conexão com o sujeito cognoscente como aquela que é visto dentro de uma informação sistêmica, e, portanto de alguma forma devem haver mensagens, sinais ou signos que comunicam a informação, enquanto a informação estática como o fogo sem combustão não existe, porém no caso da informação este objeto pode ser estocado, retido e até seu uso será apenas objeto, um livro que ninguém lê, um filme que ninguém assiste são somente objetos, não há sujeito cognoscente, não há o “ser” da informação mas há o objeto, no sentido de coisa material, porque é negado enquanto sua essência de “ser” ontológico usado no sentido de dar forma a alguma coisa (in-formar), permanecendo o ser como objeto, algo que tem só sua forma natural de papel ou de celulose.

 

Referências:

 

BORDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.

 

BUCKLAND, Michael. Information as thing. Journal of the American Society of Information Science, v.42, n.5, p.351-360, 1991.

 

CAPURRO, R. Information: Ein Beitrag zur etymologischen und ideengeschichtlichen Bregründung des  Informationsbegriffs [Information: A contribuition to the foundation of the concept of information based on its etymology and in the history of ideas]. Munich: Saur, 1978.

 

_____________. Epistemologia e Ciência da Informação, V ENANCIB, Belo Horizonte, Trad. Ana Maria Rezende Cabral, Eduardo Wense Dias,Isis Paim, Ligia Maria M. Dumont, Marta Pinheiro Aun e Mônica Erichsen Nassif Borges, 2003, Disponível em:  http://www.capurro.de/enancib_p.htm, Acesso em: 03 set. 2008.

 

 

CAPURRO, R.; HJØRLAND, B. O conceito de Informação, publicado no Annual Review of Information Science and Technology, tradução autorizada pelos autores, trad. Ana Maria Pereira Cardoso, Maria da Glória A. Ferreira e Marco Antonio de Azevedo, Perspectivas em Ciência da Informação, v. 12, n. 1, p. 148-207, jan/abr. 2007.

 

CHOO, C. W. The knowing organization. N.Y: Oxford University Press, 1998.

 

ELLIS, David. Paradigms and proto-paradigms in information retrieval research. In: VAKKARI, Pertti; CRONIN, Blaise (ed.). Conceptions of library and information science: historical, empirical and theoretical perspectives. Proceedings of the International Conference held for the celebration of 20th Anniversary of the department of information studies, University of Tempere, Finland, 26-28, 1991.

 

HEBB, D. O. The organization of behavior: a neuropsychological theory, Wiley, New York, 1949.

 

HJØRLAND, B. Domain analysis in information science: eleven approaches traditional as well as innovative. Journal of Documentation, v.58, n.4, p. 422-462, 2002.

 

________. Information seeking and subject representation: an activity-theoretical approach to Information Science. N. Y.: Greenwood Press, 1997.

 

HJØRLAND, Birger; ALBRECHTSEN, Hanne. Toward a new horizon in information science: domain-analysis. Journal of the American Society for Information Science, v.46, n.6, p.400-425, Jul. 1995.

 

LYRE, H. Quantentheorie der Information [Quantum theory of information]. Vienna: Springer, 1998.

 

MARTELETO, Regina M. Conhecimento e sociedade: pressupostos da antropologia da informação. In: AQUINO, M. A. O campo da ciência da informação: gênese, conexões e especificidades. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2002.

 

SCHRADER, A. M. Toward a theory of library and information science. Doctoral dissertation, Indiana  University, 1983. Dissertation Abstracts, AAT  8401534.

 

STONIER, T. Information and the internal structure of the universe: an exploration, into information physics. London: Springer, 1990.

 

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Marcos Luiz Mucheroni – CBD, ECA-USP


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.