COTIDIANO INFORMACIONAL


O AMANHÃ NUM LANCE DE DADOS

No texto anterior, quando retornei à coluna, me propus a escrever, em um próximo encontro, sobre os “'novos' regimes de informação” com o intuito de abordar – mesmo que de maneira breve – como eles têm fomentado o “real”. Naquele momento não havia de minha parte a intenção de pactuar uma promessa, porém reconheço que algumas notícias recentes me instigaram a escrever o tal ensaio antes do que eu havia planejado. Afinal, o propósito desta coluna é tratar sobre cotidiano e isso depende de inúmeros fatores, dentre eles, algum insight e disposição para jogar com as palavras.

No jogo com as palavras, as partidas podem ser breves ou demoradas, iniciando-se quase sempre com um propósito, qual seja, discorrer mais ou menos acerca do mundo sob uma ótica particular. A regra é clara: realizar apenas uma pausa, estando ela submetida à tirania da revisão final. Se o texto resistir, segue para a próxima fase. Se houver mais pausas, é bem provável que outras batalhas sejam acrescidas e isso pode condenar todas as palavras à lixeira, ocasionando o fim do jogo. A disputa pode ser reiniciada quantas vezes se julgar necessário, todavia, há a possibilidade de que a cada nova partida surja um novo afeto e com ele venha um novo lampejo.

A expressão “regime de informação” já é uma velha conhecida da Ciência da Informação, sendo discutida na área há mais de duas décadas. Como González de Gómez assinalou certa vez, o conceito alude ao modo como uma sociedade, nas suas mais variadas esferas, lida com a informação. Vale lembrar que a informação, enquanto objeto de estudo, ganha corpo a partir da famosa teoria de Shannon e Weaver que defendia sua matematização. Lá, já estava destacada a importância que deveria ser dada à “informação tecnológica”, independente de ser uma teoria pensada no âmbito da Engenharia. Assim, julgo ser coerente dizer que o “regime de informação” da sociedade contemporânea se sustenta no desenvolvimento computacional da técnica.

Obviamente, o indivíduo não escapa ileso, sendo constantemente afetado pelos “'novos regimes de informação”. Afinal, não é possível discutir a relação entre um e outro como substâncias dissociadas. Bernd Frohmann, Sandra Braman e Hamid Ekbia já chamaram atenção para as complexas mudanças que estão em jogo na relação entre informação e sujeito, propondo uma abordagem que possibilita erigir outras problemáticas para além de uma perspectiva centrada em compreender, de modo objetivo e linear, os processos de busca, acesso e uso de conteúdos pelos usuários.

Passo a passo o sujeito tem sido afetado pelas redes sociotécnicas oriundas da microeletrônica, sendo, até mesmo, impulsionado a acessar determinadas informações a partir da interferência dos algoritmos. Bruno Latour, Michel Callon e John Law já alertaram para a necessidade de se compreender as imbricações entre homem e máquina, tendo defendido, inclusive, a ampliação da definição de social. Os autores entendem que nesse socialis participam tanto atores humanos, como não humanos. Assim, é razoável crer na possibilidade de que determinadas ações humanas sejam sugestionadas por agentes não humanos.

Nesse contexto, há outro tipo de mediação em jogo. Pesquisas recentes têm apontado para a existência de uma “mediação algorítmica”, que está longe de ser neutra. A machine learning tem atuado diretamente na filtragem de conteúdos exibidos aos usuários. O argumento propalado pelas Big Tech é oferecer uma experiência “personalizada”, projetada para atender a necessidades específicas de um indivíduo. É claro que, em troca desse serviço personnalité, dados relativos à privacidade são coletados para favorecer o aprendizado da máquina.

Os algoritmos podem interferir diretamente na vida dos indivíduos, com grandes chances, inclusive, de influenciar a opinião pública acerca de questões relacionadas, por exemplo, à economia e à política. Posso citar dois casos icônicos dos desdobramentos desses “'novos' regimes de informação”: o Brexit e a eleição de Donald Trump à presidência dos EUA em 2016. No Brasil também é possível notar seus efeitos. Recentemente, o TSE decidiu pela cassação do mandato de deputado de Fernando Francischini (PSL), condenado por propagar desinformação durante a corrida eleitoral de 2018, atacando as urnas eletrônicas.

Daqui a um ano, tudo indica que o País irá lidar com uma eleição que chamará a atenção do mundo por uma série de fatores, dentre os quais, a disputa que tem sido travada no combate à desinformação. Noto, contudo, que nem sempre a questão está relacionada tão somente ao fato de não se saber avaliar a veracidade, a confiabilidade e a precisão de uma fonte, mas, quem sabe, tratar-se de um projeto maior, onde primeiro se granjeia, por meio dos “'novos' regimes de informação”, a propagação de formas de extremismo e de violência, para, em sequência, obter capital político e alçar voos nas relações de poder, conseguindo até mesmo usufruir de vantagem financeira com a formação de “bolhas de ódio”. O amanhã talvez possa ser decidido num lance de dados


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JEFFERSON VERAS NUNES

Mestre em Sociologia pela UFC, doutor em Ciência da Informação pela UNESP e professor do Departamento de Ciência da Informação da UFC