COTIDIANO INFORMACIONAL


AFINAL, É COM OU SEM PARTIDO?

Um movimento que reivindica mudanças na educação está causando bastante polêmica e dividindo opiniões por todo o Brasil. Trata-se do chamado Escola Sem Partido. Em linhas gerais, o movimento tem como objetivo a criação de cartazes, a serem afixados nas salas de aula do ensino fundamental e médio, com o intuito de divulgar aos estudantes quais os seus “direitos”, de modo a se evitar formas de “doutrinamento”, sejam elas de ordem política, religiosa ou ideológica, supostamente praticadas por professores ao abordarem determinados conteúdos didáticos nas matérias que ministram. Num site dedicado ao tema é possível encontrar uma imagem que explicita o conteúdo dos referidos cartazes: 

 

 

Tal proposta existe desde 2004, porém só recentemente tem adquirido expressiva notoriedade, principalmente, pelo tema estar sendo tratado, enquanto proposta de lei, em algumas localidades, no âmbito municipal, pela prefeitura; e, na esfera estadual, pelo governo. Segundo o site Programa Escola Sem Partido (www.programaescolasempartido.org), a proposta visa a criação de “[...] uma lei contra o abuso de ensinar”, sob a alegação de que as supostas formas de doutrinação praticadas em sala de aula atentam à “[...] a liberdade de consciência do estudante; afronta o princípio da neutralidade política e ideológica do Estado; e ameaça o próprio regime democrático, na medida em que instrumentaliza o sistema de ensino com o objetivo de desequilibrar o jogo político em favor de um dos competidores”. Ainda segundo o movimento, isto se faz necessário devido ao fato de tais práticas terem tomado conta do ensino.

De acordo com um levantamento publicado em 2016 no portal Educação e Participação (https://educacaoeparticipacao.org.br), há em, pelo menos, 19 estados brasileiros projetos similares já formulados, encontrando-se em tramitação, como pode ser visto a seguir: 

 

 

Em Alagoas, de autoria do deputado Ricardo Nezinho (PMDB), o projeto Escola Livre – com teor semelhante ao do Escola Sem Partido – foi aprovado no ano passado, por unanimidade pela Assembleia Legislativa do estado. Em sua justificativa, está dito que: “é fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes e determinadas correntes políticas e ideológicas [...]”, cabendo à Secretaria de Estado da Educação (SEDUC) e ao Conselho Estadual de Educação de Alagoas (CEE/AL) fiscalizar o efetivo cumprimento da lei. A lei, no entanto, foi suspensa pelo Superior Tribunal Federal (STF), após o ministro Luís Roberto Barroso atender a um pedido de liminar formulado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino, no qual se alega tratar-se de lei inconstitucional. 

Obviamente, leis assim correspondem a uma verdadeira afronta ao ensino no país. Não é preciso muito para perceber que, na verdade, não se trata de uma lei que busca despartidarizar a sala de aula; pior do que isso, sua intenção é instrumentalizar o processo de aprendizagem, sequestrando dele o pensamento crítico e reflexivo. Ora, como ensinar e como aprender matérias escolares sem contextualizá-las, sem se discutir economia, política e outros temas correlatos? Como pensar o mundo de forma holística, se temas transversais forem penhorados? Com base em que se pode afirmar que práticas de doutrinamento – sejam elas políticas, religiosas ou ideológicas – tomaram conta do ensino? Como afirmar isto recorrendo a generalizações?

A educação do século XXI está longe de defender uma escola em que o aluno não tem participação ativa, privado de voz e sem qualquer autonomia. Ao contrário, cada vez mais, o professor não transfere conhecimento, mas o medeia, através de uma relação dialógica, onde não há uma “competição”, tampouco se trata de um “jogo” neutro por parte do Estado, da escola e de várias outras esferas sociais. Só há processo ensino-aprendizagem quando os saberes estão distribuídos entre professor e aluno, de forma cooperativa. 

Muito possivelmente, a crítica de Althusser sobre ser a escola um dos aparelhos ideológicos do Estado provocou efeito oposto ao ser lida e mal interpretada por algum simpatizante de projetos que se dizem “sem partido”. Ao contrário do que defendem, tais projetos parecem ser demasiadamente partidários, principalmente se levarmos em conta os políticos e as legendas que os defendem, atentando, sobretudo, para seus modus operandi no já bastante conturbado e instável cenário político nacional. Portanto, em resposta à pergunta tecida no título deste texto, sobre ser, afinal, com ou sem partido, pode-se responder que é, sim, com partido.

Talvez, mais importante do que discutir uma eventual educação apartidária através da Escola Sem Partido – mesmo que isto represente um ataque à consciência crítica e reflexiva do aluno e comprometa o processo ensino-aprendizagem –, cabe debater a possibilidade de uma Escola Sem Estado. Explico. Não estou a defender o fim do ensino público e gratuito, muito pelo contrário, estou, sim, a retomar a ideia de que a escola, seja ela pública ou privada (há vários tipos de escolas privadas, atendendo aos mais variados espectros, razão pela qual prefiro não adotar a via que tende a generalizar o ensino privado como algo que acolhe eminentemente as classes ricas da população) ajuda na reprodução das desigualdades. 

Assim, levando-se em conta também os escritos de Marx (aqui, baseio-me em sua obra O dezoito brumário de Luís Bonaparte), é difícil esperar que o Estado possa se portar de modo diferente ou propor reformas educacionais compromissadas com uma mudança positiva da realidade social, uma vez que, historicamente, tem agido – e muitas dessas vezes sem qualquer pudor – em defesa dos interesses de grupos economicamente privilegiados, favorecendo determinadas classes em detrimento de outras.


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JEFFERSON VERAS NUNES

Mestre em Sociologia pela UFC, doutor em Ciência da Informação pela UNESP e professor do Departamento de Ciência da Informação da UFC