COTIDIANO INFORMACIONAL


INFORMAÇÃO, MODERNIDADE, PODER E OUTRAS AMBIVALÊNCIAS

Gostaria de começar este texto com uma pergunta um tanto quanto clichê para aqueles que atuam na Biblioteconomia e na Ciência da Informação, qual seja: informação é poder? Apesar da questão já ter sido debatida em diferentes níveis, estando presente, por exemplo, em eventos, em textos e em aulas na universidade, a resposta a ela não é tão simples e objetiva como alguns imaginam. Muito pelo contrário, suscita uma discussão interessante a qual creio ser possível adjetivar como ambivalente.

 

Ao falar em ambivalência, cabe recorrer a Bauman e sua análise acerca da modernidade (tema presente no livro Modernidade e Ambivalência), sobretudo quando o autor assinala alguns dos paradoxos resultantes de uma forte influência iluminista na sociedade, onde o projeto de razão defendido por esta tinha como pretensão empoderar o homem, dando-lhe a possibilidade de, por meio da racionalidade, atuar sobre a natureza, dominando-a. O modelo de racionalidade inaugurado pela modernidade proporcionou grandes avanços técnicos e científicos, no entanto, em contrapartida, a vida cada vez mais tem se tornado incerta e a natureza indômita.

 

Nesse sentido, Álvaro L. M. Valls, ao discorrer sobre o tema da ética, em um livro introdutório sobre o assunto, afirma que a Modernidade é detentora de uma dialética incômoda, através da qual é possível evidenciar como “[...] muitos dos melhores ideais iluministas foram traídos, colaborando [...] mais para o mal-estar em que vivemos hoje, do que jamais os grandes filósofos modernos poderiam suspeitar”.

 

Mas, em termos conceituais, o que é a ambivalência? Segundo Bauman, a ambivalência diz respeito à “[...] possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria, é uma desordem específica da linguagem, uma falha da função nomeadora (segregadora) que a linguagem deve desempenhar”. Isto significa que o esforço ordenador moderno fracassou. Nesse contexto, o caos está longe de ser algo ruim, pois este impossibilita o homem, assim como a ciência e a técnica, organizar, planejar e administrar a vida e o mundo conforme os seus próprios desígnios. A ambivalência tem, desse modo, minado a perspectiva antropocêntrica sobre a qual se estruturou o projeto civilizatório moderno (imposto enquanto ordem à humanidade e controle da natureza), possibilitando diferentes reorientações paradigmáticas no seio da ciência.

 

Portanto, sendo a Modernidade ambivalente, e sendo a ambivalência a impossibilidade de classificar, categorizar ou ordenar presunçosamente algo, como podemos definir o poder que atravessa a sociedade moderna? Ou, como podemos responder de alguma maneira à pergunta lançada no início com relação à informação?

 

Pelos objetivos propostos aqui, assim como nesta coluna de modo geral, onde assumo o desafio de ser didático e breve – sem comprometer o essencial, obviamente –, não irei recorrer às descontinuidades do projeto civilizatório moderno, e sim concentrar-me tão somente, a partir daqui, no tema do poder, para, em seguida, articulá-lo à questão da informação e, nesse sentido, conseguir responder – de forma ambivalente, claro – à pergunta proposta no início. Sem querer atropelar a discussão e antecipar o final, porém já realizando aquilo que os mais jovens chamam de spoiler, posso antecipar que informação é poder sim. O que cabe discutir, no entanto, é que tipo de poder ela evoca.

 

Foucault mostra-se como um autor útil nesse empreendimento, já que o poder, bem como as sociedades disciplinares foram temas de suas pesquisas. Para ele, o poder não se situa especificamente numa instituição, assim como também não se caracteriza enquanto algo que se cede, como, por exemplo, por meio de contratos jurídicos. Em oposição a isso, cabe percebê-lo “[...] em suas extremidades, em suas últimas ramificações”; ou seja, é necessário “[...] captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais, principalmente no ponto em que ultrapassando as regras de direito que o organizam e delimitam”. O poder é distribuído, o que não quer dizer que ele é horizontal, mas, sim, que sua dinâmica obedece a princípios próprios, onde a alguns é conferido maior ou menor poder. Isto significa que ele é relacional.

 

Quer dizer, não se trata de algo eminentemente vertical ou hierárquico e sim disputado, encontrando-se em toda parte. Não é privilégio do Estado, tampouco de um soberano, pois cidadãos podem manifestar-se contra políticos, ou súditos questionarem um trono. Portanto, o poder, assim como a modernidade, é ambivalente e constitui-se no cotidiano, nas ações, nos discursos e nas práticas, sendo igualmente referidos a partir da impossibilidade de ser classificado, categorizado ou ordenado. Em síntese, manifesta-se de maneira difusa.

 

Dito isso, que poder cabe à informação?

 

Finalmente, chegamos ao ponto principal deste texto. Pode a informação libertar ou aprisionar. Pode a informação preservar ou transformar a forma da sociedade. Pode a informação limitar ou expandir pontos de vista sobre a realidade. Pode a informação contribuir para o desenvolvimento social – em termos econômicos, políticos e ambientais, por exemplo –, como também reforçar suas contradições, tensões e conflitos. Portanto, como alertei inicialmente, a resposta não é simples, nem objetiva.

 

Talvez, como geralmente é apregoado quando se está a discutir a questão “informação e poder”, a conexão entre eles não seja simplesmente positiva, dada a necessidade de um olhar atento, crítico e desconfiado (na melhor acepção possível da palavra). Nesse sentido, pharmakon pode ser um bom descritor para esta relação, pois conforme foi utilizado por Platão, na Antiguidade, para qualificar a linguagem ou a escrita, o termo é detentor de dois sentidos diferentes. São eles: remédio e veneno.

 

A relação que a sociedade estabelece com a informação na modernidade, sobretudo, a partir da microeletrônica e das tecnologias de telecomunicação, é demasiadamente ambivalente e marcada por ambiguidades. Apesar das várias críticas lançadas a Pierre Lévy, hei de concordar com o filósofo quando este afirma, ao tratar da cibercultura, que as tecnologias não são boas ou más em sua natureza, mas é o sentido que é conferido a elas pelos indivíduos o principal responsável por torná-las boas ou más. De igual modo, isto também ocorre com a informação. Como fazemos parte de uma área que tem como principal insumo a informação, nossa tendência é de admirá-la e reforçar suas virtudes. Exemplo disso é o caso das bibliotecas públicas. Assim como elas podem ser tomadas enquanto “aparelhos ideológicos do Estado”, elas também podem ser pensadas como instituições com a capacidade de pôr sob rasura formas de alienação ideológica.

 

Dessa maneira, cabe colocar o poder que a informação detém em xeque, principalmente para, cada vez mais, avançarmos em nossas atividades cotidianas, sejam elas desenvolvidas no espaço acadêmico ou no mercado de trabalho. Se está claro que informação é poder, devemos sempre questionar, no entanto, que poder ela busca preservar.


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JEFFERSON VERAS NUNES

Mestre em Sociologia pela UFC, doutor em Ciência da Informação pela UNESP e professor do Departamento de Ciência da Informação da UFC