ALÉM DAS BIBLIOTECAS


A DELÍCIA DE SER O QUE É: PROFESSOR!

Qualquer pessoa pode te dar flores, mas encontrar alguém que faça florescer as que estavam mortas dentro de ti é muito diferente.

Fonte anônima

A cada ano, matérias ou pequenas notas na mídia nacional lembram o dia do professor – 15 de outubro. Como sempre ocorre, não importa se a vida corre, uma ou outra pessoa me pergunta se ainda sou professora. Finjo não entender o porquê da questão e respondo faceira e risonha: “sim, como os atores, nós, educadores por amor, o somos por toda a vida.” A vocação, termo que cheira a fitas de cetim jogadas num baú em desuso, persiste impregnada em nossa alma e em nosso corpo. Mais uma vez, aqui estou a causar espanto com a ensaiada prepotência de me comparar com atores e atrizes. Nem aí...

Prossigo, sim, em sala de aula vinculada a um dos programas de pós-graduação de uma universidade pública do Nordeste há 14 anos, além de envolvida com orientação a alunos, pesquisas, participação em bancas, publicações, avaliação de artigos de revistas científicas, revisão de textos, eventuais palestras e mesas-redondas, entrevistas, bate-papos e outras coisinhas mais, que aparecem aqui e ali. Não poderia ser diferente. Até quando meus passos me permitirem seguir adiante sem pisar ninguém e sem tropeçar nos percalços do corpo envelhecido, não me afastarei do outro, no caso, do alunado. Afinal, ao tempo em que o físico se aquebranta, acredito, como muita gente mais, que a alma só envelhece se permitirmos, o que demanda autoética e autocrítica sistemáticas e permanentes.

Vez por outra, alguém me dá feedbacks. Estes nem me envaidecem nem me entristecem. Ao contrário. Incitam a reflexão. Contribuem para que analise até quando poderei permanecer no palco e o que poderei melhorar. Sim. A sala de aula é meu imenso palco, onde sapateio e tripudio sobre minhas eventuais dores e aflições. Um palco sem bastidores e sem camarim. Olho no olho, sempre e sempre. É o momento perene de compartilhar experiências, dúvidas, alegrias, curiosidades, descobertas, paixão em direção aos célebres objetos de estudo, mediante olhar permanente ao redor. Olhar para ver. Olhar para perguntar. Olhar para conhecer. Olhar para romper com a unilateralidade com que, frequentemente, lidamos com informações e conhecimentos. Porém, vislumbrar a vida significa ver, olhar e perceber não só o que está visível aos olhos, mas, o que está subjacente ou subliminar. Isto propicia a chance de captar as várias dimensões e os vários significados de fatos e fenômenos circundantes, o que conduz a olhares e pontos de vista distintos e singulares, e, por conseguinte, permite deixar aflorar as facetas múltiplas de que a realidade é feita.

Por tudo isso, transcrevo, aqui e agora, o depoimento de uma aluna de doutorado postada em rede social, início de 2017. Utilizarei tão somente suas iniciais (GG), para preservar sua individualidade. O motivo central de meu gesto: o quanto necessitamos olhar para trás para ver os rastros que deixamos. Esperança ou desesperança; gosto doce de mel ou gosto amargo de fel. Suas palavras me estimularam e me estimulam a prosseguir, reforçando a beleza da epígrafe quando traz à tona a beleza de alguém que faz florescer flores mortas ou maltratadas em nossa alma. 

Disciplina condensada, coisa do cão! É muito cansativo. Não vale a pena. Não se aprende nada. Me matriculei na Disciplina da professora Maria das Graças Targino. De cara, percebi que não seria um tempo qualquer. Sim, foram cinco dias, dois turnos. Cansada? Morta, acabada! Mas cheia de energia e força de vontade. Aprendi em cinco dias com 17 pessoas, o que não aprendi com cinco anos de pesquisa e docência. Aprendi, principalmente, que gente grande de verdade sabe que é pequena, e por isso cresce. Encontrei uma pessoa que ama o que faz, que fez escolhas que deixaram marcas profundas, mas que segue em frente em busca da fonte inesgotável que é o saber. Aprendi a ser comprometida com aqueles que dependem e esperam de nós. De manter olhar crítico para nosso papel como atores sociais, numa sociedade cada vez mais líquida. Aprendi que regras de normalização são meramente regras de nosso português, e que quando compreendemos sua lógica, sua forma ganha sentido. Aprendi muito com essa menina que não roubava livros [alusão ao livro e filme de Markus Frank Zusak, “A menina que roubava livros”], mas que os vendia, os sorteava e os enviava. Aprendi que, como pesquisadora, tenho responsabilidade gigantesca com a sociedade que represento, e que toda mudança acontece de dentro para fora. Aprendi que só se chega em grandes topos amparada em ombros de gigantes. E que a construção da vida é carregada de retalhos de pessoas que passam por nossa vida, deixando marcas, vivências, experiências, levando um pouco de nós e deixando um pouco de si. Graça (nem ouse chamá-la de professora ou senhora) é uma menina, com força de leão. Mulher corajosa na vida pessoal e acadêmica, destemida, desbravadora, sensível, dura e ética. Uma menina que não tem vergonha de suas vergonhas, que nos emociona e nos faz chorar como crianças a nos deparar com lutas e conquistas de seu cotidiano. Obrigada pelo cuidado de mãe nesse curto espaço de tempo. Obrigada por me relembrar o objetivo da minha profissão, e por ter lembrado fisicamente e espiritualmente minha mãe! Só tenho que agradecer pela experiência, compartilhamento, interação, das verdades que a ciência nos permite e dos espelhos que nos refletem a irmos além!

À “minha menina” GG e a seus colegas, profunda gratidão por conseguirem me dar tantos exemplos de vida e me fazerem rir, muitas vezes, de mim mesma, de minhas transgressões, inseguranças e obsessões, em aulas vivas e vívidas, e, sobretudo, compartilhadas, demonstrando que nada contribui para o enfrentamento diante da velhice do que viver cada dia intensamente, ou como tanto se repete aí afora, como se cada dia fora o último. Grata a vocês pelos ensinamentos pródigos e úteis!

NOTA: o texto é um capítulo do livro “Amar, viver, escrever”, com variação de título para chamar atenção sobre o ser PROFESSOR


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”