OBAMA: O IMPROVÁVEL VENCEDOR
Barack Obama. Barack. Obama, palavra mágica para indicar serenidade, seriedade, dignidade, hombridade, e, sobretudo, liderança. Um jovem adolescente rebelde transforma-se em símbolo de renovação no universo da política não apenas estadunidense, mas sobretudo mundial. Num de seus livros, “A origem dos meus sonhos”, o 44º Presidente dos Estados Unidos da América por dois mandatos (2009-2017) narra com emoção, numa linguagem de estadista e, sobretudo, de alguém extremamente sensível, como um nativo de Honolulu, Havaí, 1961, de surpreendente miscigenação de raças e culturas – mãe branca norte-americana do Kansas, pai negro africano do Quênia e padrasto asiático da Indonésia – consegue transpor a barreira racial para ir atrás de seus sonhos.
Publicado no Brasil, ano 2008, pela Editora Gente, “A origem dos meus sonhos”, tradução de Irati Antonio, Renata Laureano e Sonia Augusto, revela trechos de sua história de vida. Ao tempo em que lamenta, com certa nostalgia, mas nenhum rancor, o pouco convívio com o pai (também Barack Obama), que parte de volta ao seu país de origem para trabalhar junto ao Governo, deixando-o ainda pequeno, evidencia a influência da mãe e da família materna ao longo de sua vida. Num dos trechos mais emocionantes da autobiografia, Obama confessa, nas entrelinhas, a dimensão moral herdada da mãe Ann Dunham:
Às vezes, penso que, soubesse eu que ela não sobreviveria à doença, talvez tivesse escrito um livro diferente – menos uma meditação sobre o pai ausente, mais a celebração daquela que foi a única presença constante em minha vida. Vejo minha mãe todos os dias em minhas filhas, sua alegria e sua capacidade de se maravilhar. Não vou tentar descrever como ainda sofro profundamente a sua passagem. Sei que ela foi a alma mais amável e generosa que já conheci, e sei que devo a ela o que existe de melhor em mim (OBAMA, 2008, p. 14).
Afinal, apesar de alusão ao pai constar do título original, “Dreams from my father: a story of race and inheritance”, ano 1995, trata-se de texto que revela, o tempo todo, amor desmedido à mãe, o que não o livra de imensa solidão. Por exemplo, em determinado trecho, afirma: “cresci sentindo-me bem com a solidão, o lugar mais seguro que conheci” (p. 24), talvez porque, como ocorre com muitos outros indivíduos, o fato de integrar, simultaneamente, dois universos distintos, faça emergir a sensação de não pertencimento a nenhum deles.
Por fim, não importam rótulos – autobiografia, memórias, história familiar ou outra classificação qualquer – o que o leitor encontra ao longo das 450 páginas do livro em pauta, é um relato confessional e visivelmente emocional de parte da vida desse norte-americano. Seu carisma vem sendo insistentemente comparado ao de John Kennedy, 35° Presidente dos EUA, considerado uma das grandes personalidades do século passado, que sempre encantou sua gente e a de muitas outras nações, em sua missão na Casa Branca, entre 1961 e 1963.
A linguagem do livro, tal como se dá com a oralidade do autor, “escorre” por entre palavras, linhas e parágrafos que expressam lealdade às suas convicções, ao descrever, de forma agradável e convincente, sua infância, adolescência e entrada na fase adulta. Isto inclui trajetória no Havaí, e, posteriormente, temporada na Indonésia até retornar à terra natal para viver com os avós maternos. Adulto, viaja pelo continente europeu e vai ao Quênia para resgatar suas origens paternas, com a ressalva de que dizem ter herdado do pai, não importam os vínculos aparentemente perdidos, o carisma envolvente e a naturalidade cativante diante dos embates da vida. Suas andanças lhe permitem conhecer culturas alternativas e correntes políticas diversas, distanciando-se, porém, do dogmatismo cego e traiçoeiro.
Gradua-se em ciência política (Columbia University, New York) e em Direito na Harvard University, Cambridge (Massachusetts). Nesse intervalo de tempo, envolve-se incessantemente com o trabalho comunitário por meio de igrejas em Chicago (Illinois), numa época de crise nas indústrias e de consequente desemprego, além de atuar como professor na Chicago University. Sua carreira legislativa estende-se de 1997 a 2008: como senador do Estado do Illinois, entre 1997 e 2004; como senador dos EUA por Illinois, de 2005 a 2008.
É óbvio que o senador democrata Obama, no decorrer de sua experiência como mandatário de uma das maiores potências mundiais por um período longo, reviu seus sonhos. É provável que o adolescente rebelde, o advogado cioso de seus deveres como profissional e o político convicto surpreenda-se, agora, ele mesmo, ante o colorido de suas falas reveladoras de um espírito idealista por natureza, em “A origem dos meus sonhos”. De qualquer forma, é ele sempre retratado como alguém cordato, extremamente conciliador e pragmático diante da realidade norte-americana, marcada por um inesquecível 11 de setembro de 2001, que serve de limite entre duas Américas – uma extremamente confiante de seu poder; outra, fragilizada ante a onda de terrorismo que assusta a humanidade nos dias de hoje.
Além de uma série de livros sobre a trajetória pessoal e política de Obama, como “The bridge: the life and rise of Barack Obama”, 2010, por David Remnick e “Obama: an intimate portrait”, 2017, por Pete Souza, ele mesmo publica um segundo livro, ainda como senador. “The audacity of hope: thoughts on reclaiming the American dream”, de 2006, é lançado no Brasil em 2007, com o título “A audácia da esperança: reflexões sobre a reconquista do sonho americano”, graças à iniciativa da Editora Larousse do Brasil. O livro discute temas que depois integram sua campanha para Presidente dos EUA: Obama anuncia sua candidatura menos de três meses após o lançamento da publicação em seu país.
O terceiro livro de sua autoria, “Of thee I sing: a letter to my daughters”, frase constante da canção patriótica “America”, sem tradução para o português, é editado pela Random House, ano 2010. Nele, Obama, homenageia 13 figuras emblemáticas da vida dos EUA em diferentes cenários, como a pintora Georgia O'Keefe, especialista em divulgar paisagens do Oeste do país; o jogador negro de beisebol, Jackie Robinson; e “o pai dos EUA”, George Washington, o primeiro Presidente, de 1789 a 1797. Coerente com o título, a capa traz as duas filhas de Obama, Natasha Obama, então com nove anos e Malia Ann Obama, 12, em companhia do cachorro Bo. Há outras obras da autoria de Obama, a exemplo de “Barack Obama in his own words”, 2008, e “Our enduring spirit: president Barack Obama's first words”, 2009.
Indo além, acrescentamos que o tom que permeia “Dreams from my father: a story of race and inheritance”, em sua totalidade, é representativo do reconhecimento que Obama faz à sua família, incluindo a mulher Michelle e as filhas. Confessa imensa gratidão aos familiares e os coloca no centro de sua vitória improvável num país tão contraditório e repleto de preconceitos contidos ou exacerbados:
Minha família, entretanto – minha mãe, meus avós, meus irmãos, espalhados por oceanos e continentes – é a quem devo minha gratidão mais profunda e a quem dedico este livro. Sem o amor e o apoio constante de todos eles, sem sua vontade de me deixar cantar sua canção e sem sua tolerância com alguma nota errada, eu jamais esperaria terminá-lo. Se nada mais houver, espero que o amor e o respeito que sinto por eles brilhem em cada página (p. 19).
Fonte:
OBAMA, Barack. A origem dos meus sonhos. Tradução de Irati Antonio, Renata Laureano e Sonia Augusto. São Paulo: Ed. Gente, 2008. 450 p.