GP - INFORMAÇÃO: MEDIAÇÃO, CULTURA, LEITURA E SOCIEDADE


  • Grupo de Pesquisa - Informação: Mediação, Cultura, Leitura e Sociedade - Textos elaborados por membros do Grupo, visando a divulgação de pesquisas específicas realizadas no seio do GP e a disseminação de discussões e reflexões desencadeadas pelos integrantes do grupo.

REFLEXÕES DAS TRANSFORMAÇÕES DOS USOS DAS FONTES INFORMACIONAIS NO CONTEXTO BRASILEIRO

Lilian Aguilar Teixeira

Os suportes informacionais utilizados para atender às necessidades informativas dos usuários são parte integrante do nosso cotidiano, embora muitas vezes passem despercebidos. A maneira como a busca, localização e identificação da informação são conduzidas varia significativamente de uma comunidade para outra, dependendo de seu contexto.

Realizando uma reflexão a respeito das alterações dos suportes de busca informacional, particularmente durante os estágios iniciais da exploração do Brasil, concentrando-se na perspectiva dos nossos primeiros habitantes, os povos indígenas, emergem nuances sobre o que foram utilizados para o compartilhamento de informações entre os seus colonizadores.

Com base no testemunho do antropólogo indígena do povo Baniwa (2022), valiosas compreensões surgem acerca da perspectiva nativa, revelando-se como fontes fundamentais de informação para os colonizadores. Os indígenas transmitiam informações essenciais sobre técnicas de sobrevivência, capacitando os colonizadores a enfrentarem os perigos das florestas. Além disso, desempenhavam um papel central nas expedições coloniais, atuando como guias experientes e prestadores de serviços vitais.

À medida que o processo de colonização avançava e os colonizadores estabeleciam um controle cada vez maior, os povos indígenas passaram de detentores de informações respeitados para serem rotulados como "selvagens" de acordo com a perspectiva eurocêntrica. Isso deu origem a um fenômeno de epistemicídio cultural, no qual suas formas de conhecimento foram suprimidas, resultando em uma imposição de visões de mundo estrangeiras (SANTOS, 2004). Esse fenômeno teve um impacto profundo, levando a transformações significativas no estilo de vida dessas comunidades e exercendo interferência na sua multiculturalidade. Um exemplo notável foi a imposição coercitiva do idioma português pelos missionários, que teve repercussões significativas na estruturação de suas identidades.

Infelizmente, essa imposição sobre a diversidade cultural dos povos indígenas persiste até os dias atuais. Um exemplo recente ocorreu durante o governo brasileiro de 2019 a 2022, quando missionários de organizações com sede nos Estados Unidos utilizaram suas próprias aeronaves para a evangelização de povos indígenas isolados (MERLINO, 2023). Além disso, outro fato, este com grande repercussão mundial, aconteceu em junho de 2022, os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, ambos dedicados a investigar atividades ilegais e predatórias na região do Vale do Javari, à garantia do modo de vida dos povos indígenas e à promoção de informações de qualidade (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ), 2022). Esses incidentes representam uma violação da Constituição Federal e de tratados internacionais que defendem o respeito pelos costumes e modos de vida dos povos originários, bem como o direito de acesso a uma fonte de informação multicultural.

A interferência nas questões linguísticas dos povos indígenas é um tópico amplamente debatido por profissionais da área. No entanto, tornou-se imperativo abordar sucintamente esse aspecto, uma vez que esse fenômeno teve um impacto significativo no contexto das fontes de informação dentro das aldeias. Isso se deve ao fato de que as mudanças linguísticas afetaram profundamente a forma como a cultura era transmitida, consequentemente a maneira como as informações eram repassadas pelos anciões, considerados uma biblioteca viva de sua comunidade.

A preservação das fontes informais de informação representa um desafio significativo para os povos indígenas, uma vez que a fonte oral era a mais utilizada e muitos não possuíam o hábito de registrar as histórias para transmiti-las às gerações futuras. Civarello (2005) destaca que ocorre a lamentável perda de preciosos tesouros de sabedoria, história e experiências quando um ancião falece, levando consigo uma "biblioteca inteira". Esses anciãos são considerados verdadeiras bibliotecas vivas, pois guardam em si os costumes e experiências de toda uma vida da comunidade.

É necessário observar que a adoção da oralidade como fonte de informação vai muito além da comunicação verbal. Conforme delineado por Zumthor (2010), engloba gestos, olhares e expressões corporais. Seguindo essa concepção, além da transmissão oral por meio de narrativas pelos anciãos, os povos indígenas também se utilizam de danças, cânticos e cerâmicas como veículos de expressão e comunicação.

Frente à significativa perda de informações relacionadas à preservação da história dos povos indígenas, a nova geração, composta por jovens de diversas etnias, está enfrentando os desafios impostos pela aculturação. Simultaneamente, eles se dedicam à preservação da rica diversidade cultural de seus povos e adotam a tecnologia como uma aliada fundamental para transcender os limites das aldeias, adaptando suas formas de convivência.

Essa adaptação envolve, principalmente, o direito crucial de acessar uma vasta gama de fontes de informação, permitindo uma maior interação com o mundo exterior. O envolvimento ativo dos jovens indígenas reflete o papel que estão desempenhando como mediadores para o seu povo. Eles utilizam as tecnologias como ferramentas de diálogo e autonomia, contribuindo assim para o processo de descolonização e ganhando a oportunidade de contar sua própria história.

A mobilização dos jovens indígenas na internet, por meio do compartilhamento de suas histórias e lutas, representa uma poderosa manifestação de representatividade para suas comunidades, além de simbolizar resistência e empoderamento. A tecnologia proporcionou às novas gerações a oportunidade de criar páginas com o objetivo de divulgar e preservar sua rica herança cultural. Essas iniciativas não apenas oferecem aulas de suas línguas (1), mas também compartilham informações valiosas sobre suas culturas (2), incluindo as lutas pela preservação de suas terras ancestrais (3).

Essas iniciativas não são apenas um esforço individual, mas uma demonstração do comprometimento da comunidade em manter viva sua cultura e diversidade, criando esses meios por conta própria. No entanto, é importante considerar que essas ações, embora sejam fundamentais, não são necessariamente adotadas por todas as etnias indígenas presentes no Brasil. Isso reflete na concepção analisada por Savolainen (1995) de que todas as pessoas devem ter igualdade de oportunidades para buscar e acessar informações, porém, pode ser um desafio complexo de se realizar na prática. Embora seja uma ideia louvável e desejável, a implementação efetiva dessa igualdade pode ser difícil, especialmente em um contexto multicultural, como é o caso das diferentes etnias indígenas no Brasil. A questão que se coloca é se é possível, pelo menos em princípio, desenvolver sistemas que respeitem a diversidade cultural e linguística, permitindo que todos tenham acesso igualitário à informação, transformando essas redes em estruturas de oportunidades equitativas.

Referências:

BANIWA, G. As contribuições dos povos indígenas para o desenvolvimento da ciência no Brasil: os povos originários colaboram de diversas formas com a sociedade brasileira desde a chegada dos portugueses até os dias de hoje. Ciência e Cultura, v. 74, n. 3, 2022.

CIVALLERO, E. Bibliotecas indígenas y recuperación de idiomas en peligro a través de tradición oral. Aacademia, 2005. Disponível em: https://www.aacademica.org/edgardo.civallero/20.pdf

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ). Bruno Pereira e Dom Phillips: um crime contra os povos indígenas e a liberdade de imprensaFundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). [s.l: s.n.]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/bruno-pereira-e-dom-phillips-um-crime-contra-os-povos-indigenas-e-liberdade-de-imprensa#:~:text=Os%20assassinatos%20do%20indigenista%20Bruno,e%20%C3%A0%20informa%C3%A7%C3%A3o%20de%20qualidade. Acesso em: 31 ago. 2023.

MERLINO, T. Bíblia e avião: como atuam missionários para evangelizar indígenas na Amazônia. Repórter Brasil, 19 jul. 2023.

SANTOS, B. DE S. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Porto: Ed. Afrontamento, 2004.

SAVOLAINEN, R. Everyday life information seeking: Approaching information seeking in the context of “way of life”. Library & Information Science Research, v. 17, n. 3, p. 259–294, 1995.

ZUMTHOR, P. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.

NOTAS

1 - Está interessado em aprender a língua Terena, além de curiosidades sobre a nação Terena? https://www.instagram.com/vemo_u

2 - Comunicador indígena com podcast no Globoplay. https://www.instagram.com/tukuma_pataxo/

3 - A luta coletiva fortalece o protagonismo dos povos indígenas, nunca mais um Brasil sem nós. https://www.instagram.com/midiaindigenaoficial

 

Lilian Aguilar Teixeira - Doutoranda em Ciência da Informação pela Universidade de Coimbra em cotutela com a Universidade Estadual Paulista. Mestre em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco. Especialista em Gestão da comunicação e marketing institucional. Bacharel em Biblioteconomia pelo Instituto de Ensino Superior da Funlec. Bacharel em Administração pela Uniderp. Bibliotecária da Universidade Federal do ABC- São Bernardo do Campo. Membro do grupo de pesquisa Informação: Mediação, Cultura, Leitura e Sociedade – e-mail: lilian.teixeira@ufabc.edu.br


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