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DIA DO BIBLIOTECÁRIO, LEIA QUE VAI TER BOLO

No dia 25 de janeiro de 2016, o site “Info Home” comemorou 15 anos de existência. Certamente, ao longo destes anos tem construído um espaço importante junto à comunidade bibliotecária brasileira. Nascido de um projeto pessoal do bibliotecário, professor e editor Oswaldo Francisco de Almeida Júnior, tornou-se um coletivo de colaboradores que têm, em comum, a paixão pela área. Na oportunidade, e na pessoa do Oswaldo, parabenizo todos os colegas que, nesse espaço, compartilham seus saberes.

 

Na ocasião, aproveito para lembrar os catorze anos desta coluna (Online-Offline) mantida ininterrupta ao longo deste tempo, e cobrindo temas relacionados a automação de biblioteca, software livre, e catalogação bibliográfica. É importante destacar e agradecer aos muitos leitores que, com suas críticas e sugestões, colaboram por qualificar o conteúdo publicado.

 

Após este preâmbulo, ressalto o propósito da coluna deste mês, comentar o Jubileu de Ouro da Lei de Regulamentação Profissional do Bibliotecário transcorrido no ano de 2015, e fatos de um passado recente, relacionados à profissão com a finalidade de realçar o dia do bibliotecário.

 

A Legislação Profissional representa um legado importante para a consolidação e o desenvolvimento da atividade bibliotecária brasileira. Podemos ou não concordar com a existência da lei para o exercício profissional, entretanto, ela marca um fato histórico importante na história da Biblioteconomia brasileira. Além de reconhecer o esforço de muitos bibliotecários que, ao longo destas cinco décadas, contribuíram para a divulgação profissional e o direito ao exercício profissional como bibliotecário.

 

A contradição na legislação é continuar praticamente a mesma, ou seja, já no século 21, o exercício profissional é regulado por uma lei oxidada pelo tempo e a mudança do mercado, e o pior, estamos acovardados em discutir e atuar para sua atualização ou ajustamento. O motivo é o temor de uma “possível” desregulamentação profissional. A dúvida é saber se, nesta condição, chegaremos aos 100 anos ou a um segundo Jubileu.

 

No contexto do Jubileu, ressalte-se o trabalho dos membros da 16ª Gestão do Conselho Federal de Biblioteconomia, promotora das comemorações pelas homenagens prestadas às gestões anteriores do CFB. Fato registrado no livro “Bibliotecário: 50 anos de regulamentação da profissão no Brasil – 1965-2015”, organizado pelas bibliotecárias e conselheiras federais: Adelaide Ramos e Côrte, Isaura Lima Maciel Soares, Lucimar Oliveira Silva, Regina Celi de Sousa, e Sandra Maria Dantas Cabral.

 

É documento que registra as ações do Conselho Federal e seus efeitos sobre a evolução e consolidação da profissão no âmbito da sociedade, bem como, contribui para compreender melhor o processo histórico e político da profissão bibliotecária. Recomendo, na obra, a leitura do depoimento do prof. Briquet de Lemos (p. 35-42), da qual destaco o trecho:

 

[...] à medida que expandia o meu olhar para o contexto do passado e tentava compreender as forças, os interesses e os mecanismos políticos que explicassem a regulamentação da profissão de bibliotecário, fui percebendo que a história é maior e mais antiga do que se pensa e se diz. Percebi que há diferentes momentos, cada um a ser visto em seu contexto próprio, que apontam caminhos que poderiam ter sido seguidos, mas não o foram. Que há uma grande questão, que não vi ainda ser formulada, mas que me parece ser merecedora de nossa atenção: a regulamentação da profissão de bibliotecário não deveria ter sido simultânea ou subsequente à formulação e consolidação de uma política nacional de bibliotecas?

 

Algo que só agora buscamos timidamente, uma política nacional de bibliotecas, mas uma política de estado e não de governo.

 

Por outro lado, lembro que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XIII, diz que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Entre as profissões regulamentadas por leis especiais, encontra-se a do profissional bibliotecário (Lei 4.084/62; 9.674/1998; e Decreto 56.725/1965), que para o exercício pleno de suas atribuições necessita de prévia obtenção de diploma devidamente expedido por estabelecimento oficial de ensino superior e reconhecido pelo MEC, completado com o devido registro nas Universidades, além de inscrição, do profissional, no Conselho Regional de Biblioteconomia de sua jurisdição.

 

A existência da legislação regula o mercado de trabalho do bibliotecário, em especial no setor público. Entretanto, ainda hoje, nos deparamos com pessoas inabilitadas realizando atividades pertinentes, legalmente, ao exercício do profissional bibliotecário. Sobre a questão, recupera-se a fala da Presidente do CFB, Nancy Westphalen Correia (1978/1981), na abertura do 10º CBBD, realizado na cidade de Curitiba, em 1979:

 

“Mas a reforma da Lei 4.08/62 mais do que nunca se faz necessária. Uma Lei que realmente impeça o exercício profissional por leigos, uma lei que não dê margem as autoridades entregar a direção de bibliotecas, centros de documentação ou órgãos que tenham outro nome, mas onde se exerce as atribuições de bibliotecários, a amigos ou apadrinhados políticos”. (CORREIA, 1979, p.961).

 

O exercício ilegal da profissão é uma constante nestes 50 anos, e apesar das ações fiscalizatórias, a vigília da comunidade bibliotecária é essencial. Porém, o apadrinhamento político e o desrespeito às competências profissionais específicas na promoção de leigos em funções de bibliotecário, tornou-se um dos problemas no mercado de trabalho.

 

É importante, ao comentar a legislação profissional, recordar os pioneiros na instalação desta regulamentação. Menção ao grupo baiano liderado por Felisbela Carvalho e Esmeralda Aragão; e o grupo paulista, em torno da férrea liderança de Laura Garcia Moreno Russo, coordenadora final nos tramites junto ao legislativo federal, centrados nas figuras dos Deputados Rogê Ferreira, Almino Afonso e Aurélio Viana.

 

Como observa Cesar Castro (na sua obra “História da Biblioteconomia Brasileira”, 2000), até 1959 o ativismo destes grupos não tinha alcançado resultados significativos apesar dos esforços em projetos, ofícios e pedidos a representantes políticos. Mas a regulamentação era um objetivo perseguido, até para a consolidação de um mercado de trabalho, e sobrevivência da profissão de bibliotecário. Segundo manifestação de Esmeralda Aragão, no 3º CBBD, realizado em 1961:

 

“Sem uma lei que regulamente a profissão [do bibliotecário] e o seu exercício no país, não se pode evitar as nomeações improvisadas ou indiscriminadas que proliferam entre nós, fruto de uma incompreensão das necessidades de bons serviços funcionando em lugar de serviços deficientes, mal dirigidos e orientados, por pessoas sem gabaritos e formação profissional”.

 

Observa-se, neste recorte da história, a diligência dos primeiros defensores da causa, inicialmente na busca pela aprovação, no Congresso Nacional, do projeto de regulamentação profissional e, posteriormente, na implantação e consolidação da estrutura dos órgãos de fiscalização, o que aliás se desenvolve até os dias atuais.

 

O professor Murilo Bastos da Cunha, presidente do CFB (1972-1978), ao comentar as diferenças entre o trabalho e a profissão bibliotecária, salientou, em 1976, que para analisar a profissão bibliotecária, no Brasil, três aspectos deveriam ser considerados: a formação, a legislação e o mercado de trabalho.

 

Em termos de cursos, o primeiro curso de Biblioteconomia, nasce dentro da Biblioteca Nacional, criado em 1915; o segundo curso agora em São Paulo, foi criado nos anos de 1930, instalado na Escola de Sociologia e Política, sob influência da Biblioteconomia norte-americana. Deste período dá-se início ao aparecimento de vários cursos: Bahia, 1942; Campinas, 1945; Rio Grande do Sul, 1947; Pernambuco, 1950. Em 1976, existiam 25 cursos de graduação. Na atualidade chega-se aos 40 cursos.

 

Também, ao longo dos anos, estabeleceu-se vários projetos de currículo mínimo que foram sendo atualizados face a sua inadequação às necessidades do mercado. E, este é um item crucial ao desenvolvimento da Biblioteconomia brasileira, o ajuste na formação bibliotecária às demandas da sociedade. Afinal, para acompanhar o desenvolvimento brasileiro há necessidade de mais e melhores bibliotecários a fim de suprir a demanda de informação e leitura advinda da modernização de nossa sociedade (CUNHA, 1976, p.187). Será que hoje a formação está ajustada às demandas da sociedade?

 

Em termos de legislação bibliotecária, desde a sua promulgação, tornou-se necessário acompanhar a evolução histórica e, como tal, a necessidade de rever e atualizar pontos falhos. Já, nos anos de 1970 esta era uma preocupação da comunidade profissional, a revisão da Lei 4.084. A opinião reinante era que:

 

“[..] não adianta a existência formal de preceitos legais se o bibliotecário não se imbuir da sua função social e seu importante papel na comunidade. Para amenizar esta falha, o CFB, em resolução recente, sugeriu que as Escolas de Biblioteconomia ministrassem a seus alunos noções de ética profissional preparando o futuro bibliotecário para uma perfeita interação com o ambiente em que irá trabalhar” (CUNHA, 1976, p.189).

 

Com relação ao mercado de trabalho, recupera-se comentário da bibliotecária Lydia Sambaqui, realizada em 1956, ao destacar que:

 

“Tem os bibliotecários brasileiros possibilidade de optar, dentro de sua carreira, pelas mais variadas atividades, que estão condicionadas às mais variadas tendências e à mais diferenciada formação cultural, o bibliotecário brasileiro tem outros privilégios, igualmente importante, qual seja o de trabalhar como verdadeiro pioneiro em seu campo de atividade. [...] os bibliotecários europeus e norte-americanos recém-formados são herdeiros de patrimônios bibliográficos magníficos, que já se encontram sob o cuidado de equipes perfeitamente treinadas, às quais foram transmitidas numerosas tradições e vasta experiência. [...] entretanto, os bibliotecários brasileiros, recém-formados em sua maioria, encontram-se imediatamente diante de uma situação peculiar: serviços por organizar, coleções bibliográficas deficientes e desatualizadas, incompreensão, absoluta falta de recursos, mas em compensação, não lhes falta oportunidades para organizar, dirigir, reformar e aplicar imediatamente os conceitos, normas de trabalho e técnicas adquiridas nas Escolas de Biblioteconomia” (SAMBAQUY, 1956).

 

Nota-se que, após 59 anos, ainda temos questões a serem desenvolvidas. Todo profissional recém-formado tem trabalho aguardando por fazer na área. E tem, também a responsabilidade de pensar o modelo de Biblioteconomia para o Brasil. Mas que modelo seria este?

 

A guisa de ilustração, apresenta-se estudos sobre o mercado de trabalho bibliotecário, em um recorte de tempo passado, para refletir se na atualidade o cenário melhorou.

 

Neste contexto, destaca-se o estudo da Universidade Federal de Minas Gerais, realizado em 1975, intitulado “Análise do mercado de trabalho do bibliotecário em Belo Horizonte” e que, apesar de restrito a uma região, serve de modelo comparativo com outros locais, no Brasil, a época de sua realização. As características do bibliotecário mineiro apontadas no estudo, tais como: status socioeconômico, satisfações e anseios profissionais e expectativa salarial. Dos 313 bibliotecários formados na UFMG e que exerciam a profissão, cerca de 76% trabalhavam na capital e somente 24% no interior.

 

Outro levantamento, promovido pelo CRB-8 de São Paulo, realizado em 1973, constatou que somente em 34 dos 571 municípios paulistas haviam bibliotecários. Situação que se repetia em diversos outros estados. Certamente, hoje temos uma realidade bem diferente, porém sem ser um paraíso profissional.

 

Nos anos de 1970, grande parte dos bibliotecários brasileiros recebiam em torno de 4 a 6 salários mínimos, nível inferior em relação às outras profissões liberais. Na atualidade, com o surgimento de sindicatos e associações profissionais o piso tem outros índices. No estado de São Paulo, o piso situa-se em R$ 2.600,00 (dois mil e seiscentos reais) ou cerca de 3 salários mínimos (fixado em CR$ 880,00 – 2016).

 

Durante os anos de 1960, havia uma crítica a falta de profissionalismo ou de compromisso do profissional com o bom exercício da profissão. A própria regulamentação profissional é um paradigma para o exercício comprometido com o melhor desempenho social da atividade bibliotecária. Mas com relação a qualificação do trabalho bibliotecário, o professor Edson Nery da Fonseca, em artigo, recomendava uma série de conselhos aos bibliotecários para o exercício de sua atividade, tais como:

 

·         Ser bibliotecário para tornar-se parte no sistema educativo nacional, regional, estadual ou municipal.

·         Não ser bibliotecário para tornar-se um burocrata a mais no sistema administrativo da nação, do estado ou do município.

·         Ser bibliotecário para transformar as bibliotecas em organismos dinamicamente integrados no desenvolvimento econômico, científico e tecnológico.

·         Não ser bibliotecário para deixar as bibliotecas continuando a ser sonolentas e bolorentas repartições públicas.

·         Ser bibliotecário para estar a serviço dos que estudam.

·         Não ser bibliotecário para ficar escravizado a fichas e códigos de catalogação.

·         Ser bibliotecário para usar os sistemas novos de recuperação de informação (FONSECA, 1966).

 

Nota-se o alerta aos profissionais para não se limitarem às rotinas, e deixarem de se preocupar com o progresso da profissão. Estarem mais interessados em ter uma ocupação do que uma profissão.

 

Ainda, relacionado à formação de bibliotecário, nestes 50 anos, têm-se a proposta formativa no âmbito da lei. Entre os anos 1962 - 1969 desenvolve-se ações para fixação de um currículo mínimo, decorrente da aprovação da lei de regulamentação da profissão.

 

Para o exercício profissional, com a Lei n° 4.084/1962 e o Decreto n° 56.725/1965, foi proposto o primeiro currículo mínimo obrigatório para os cursos de Biblioteconomia. Afinal, a lei determinava as atribuições dos bacharéis em Biblioteconomia, como: atuar em repartições públicas federais, estaduais, municipais e autárquicas e empresas particulares, exercendo as seguintes atividades:

 

·         Ensino de Biblioteconomia;

·         Fiscalização de estabelecimentos de ensino de Biblioteconomia.

·         Administração e direção de bibliotecas;

·         Organização e direção dos serviços de documentação.

·         Execução dos serviços de classificação e catalogação de manuscritos e de livros raros e preciosos, de mapotecas, de publicações oficiais e seriadas, de bibliografia e referência.

 

Portanto, o currículo proposto foi estruturado com um conteúdo orientado para uma ampla formação cultural, a saber:

 

·         Bibliografia,

·         Catalogação,

·         Classificação,

·         Documentação,

·         História da Arte,

·         História da Ciência e Tecnologia,

·         História da Literatura,

·         História do livro e das Bibliotecas,

·         Introdução à Filosofia,

·         Introdução às Ciências Sociais,

·         Organização e Administração das Bibliotecas e Serviço de Documentação,

·         Referência,

·         Seleção de Livros,

·         Estágio de 300 horas.

 

Juntamente com a proposta de formação, encaminhou-se outra para o estabelecimento de um programa de pós-graduação cobrindo os seguintes tópicos:

 

Curso de Bibliologia:

§  Patologia do livro,

§  Artes Gráficas,

§  Encadernação e Restauração de Material Bibliográfico,

§  História do Livro,

§  Paleografia,

§  Iconografia,

§  Crítica de textos.

 

Curso de Bibliotecas Infanto-juvenis:

§  Psicologia Infantil e do Adolescente,

§  Literatura Infantil e Juvenil,

§  Organização e Administração de Bibliotecas Infanto-Juvenis e Escolares,

§  Bibliografia e Referência em Bibliotecas Escolares,

§  Atividades em Grupo.

 

Curso de Documentação e Bibliotecas especializadas:

§  Normalização,

§  Catalogação especializada,

§  Classificação Decimal Universal,

§  Técnicas de Indexação e Resumo,

§  Pesquisa Bibliográfica,

§  Armazenagem e Recuperação da informação,

§  Organização e Administração de Bibliotecas especializadas e Serviços de Documentação,

§  Reprodução de documentos,

§  Teoria da informação e a Cibernética.

 

Interessante, no programa proposto, é a justificativa para a formação de bibliotecários.

 

“O extraordinário desenvolvimento da ciência e da tecnologia teve como consequência um aumento vertiginoso da produção de documentos. Este já se constitui num dos problemas cruciais do estudioso moderno, sem tempo para tomar conhecimento de tudo o que se divulga no setor de seu interesse. [...] Há que preparar bibliotecários capazes de organizar e dirigir bibliotecas e serviços de documentação, selecionar material bibliográfico altamente especializado, redigir resumos de trabalhos científicos, realizar pesquisas bibliográficas, orientar leitores, lidar com processos eletrônicos de armazenagem e recuperação de informações”. (RUSSO, 1966).

 

A proposta era inovadora para a época, e o grupo de trabalho responsável pela sua elaboração era composto pelos seguintes bibliotecários e professores: Abner Lellis Corrêa Vicentini; Cordelia Robalinho de Oliveira Cavalcanti; Edson Nery da Fonseca; Etelvina Lima; Nancy Westefallen Corrêa; Sully Brodbeck; Zilda Machado Taveira.

 

Entretanto, segundo Laura Russo, a proposta não foi acolhida pelas escolas de Biblioteconomia, por considerarem que a formação de bibliotecário devia ser, essencialmente, técnico, sem necessidade de formação mais cultural ou humanista. Provavelmente, perdeu-se a oportunidade de dar uma outra configuração formativa ao profissional bibliotecário, aspecto a se lamentar até hoje.

 

Em termos de políticas públicas, há acontecimentos passados que ajudam a visualizar aspectos de nossa evolução profissional. Assim, tem-se a manifestação da bibliotecária Maria Alice Barroso, então diretora do Instituto Nacional do Livro – INL, que em discurso de encerramento da “Semana Nacional da Biblioteca”, ocorrido na cidade de São Paulo, em 19/03/1973, abordou a política nacional para as bibliotecas, com destaque à proposta apresentada pelo MEC.

 

A proposta desenvolvida pelo INL visava estabelecer os sistemas estaduais de bibliotecas, e operariam inter-relacionados com as bibliotecas públicas estaduais. Para tanto, o INL assinou convênio com o Conselho Federal de Biblioteconomia para reunir entidades da área, no período de 19 a 21 de abril de 1973, em evento intitulado “I Encontro de Responsáveis pela Execução do Programa de Bibliotecas no Brasil”. O objetivo era o de estudar os desafios surgidos com a reforma de ensino da época, e avaliar os desafios que exigiam dos bibliotecários uma reforma nos métodos e na filosofia de atuação da Biblioteconomia brasileira.

 

Participaram do encontro: CFB, FEBAB, Associação Brasileira de Escolas de Biblioteconomia e Documentação – ABEBD, Conselhos Regionais (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10); Associações de Bibliotecários dos estados (AM, PA, MA, CE, PE, BA, MG, GB, SP, PR, RS, DF); Diretores e Coordenadores de Cursos de Biblioteconomia (AM, PA, MA, CE, PB, PE, BA, MG com 2 escolas, RJ, GB com 3 escolas, SP com 4 escolas, PR, RS, DF).

 

Do encontro surgem recomendações a serem estabelecidas e implementadas:

 

§  Levantamento para a utilização dos bibliotecários em disponibilidade, de modo a dar pleno comprimento à lei n. 4.084/62.

§  Onde não houver disponibilidade de bibliotecários serão incentivados e/ou providenciados cursos de treinamento intensivo e de habilitação profissional a nível de 2º grau para auxiliar de biblioteca.

§  Na atual fase de transição, o pessoal leigo responsável por bibliotecas, sempre que possível, devem ser supervisionados por bibliotecário.

§  Seja incentivada a implantação de sistemas de redes de bibliotecas, em nível estadual, regional e nacional, dentro de uma política de planejamento bibliotecário.

§  O INL dará assessoramento constante e eficiente aos bibliotecários e auxiliares de biblioteca, principalmente, as do interior do país através da disseminação de informações técnicas, cursos de treinamento intensivo e aperfeiçoamento de pessoal de biblioteca, em diferentes níveis, mediante a colaboração das escolas, associações, conselhos de Biblioteconomia e secretarias de educação e cultura.

§  INL prove programa de estágio remunerado para os estudantes de Biblioteconomia, dando prioridade aos das regiões menos desenvolvidas do país.

 

Considerando que as entidades públicas e particulares preferiam aproveitar leigos por questão do pagamento de menor salário, em detrimento do profissional bibliotecário, recomendava-se que:

 

a.     Os CRBs fossem mais rigorosos na fiscalização do exercício da profissão bibliotecária;

b.     CFB deveria regular o exercício das atividades especificas dos auxiliares;

c.     CFB deveria estabelecer padrões de serviços de biblioteca para determinar áreas de atuação do auxiliar supervisionado pelo bibliotecário.

 

Os participantes propuseram também:

 

§  Projetos com os cursos de biblioteconomia, visando o pagamento de estagiários em bibliotecas públicas dos Estados conveniados.

§  Carros-bibliotecas, cedidos pelo INL, durante o período de 2 anos, às faculdades de biblioteconomia oportunizando aos estudantes o contato com as comunidades rurais.

§  Liberação da franquia postal, pela primeira vez [no então], seus 35 anos de existência o INL pagará o frete de 703.150 exemplares enviados a 1.257 bibliotecas públicas, existentes [no Brasil] em 1972. (Barroso, 1973).

 

Os fatos narrados ilustram o envolvimento da área com as políticas públicas federais, em especial, no que se refere ao estabelecimento de políticas para as bibliotecas públicas. Se desconhece o resultado efetivo das propostas, não se localizou dados a respeito dos resultados práticos, porém, ao olhar as propostas passadas, o que se encontra consolidado na atualidade? Deixa-se aos leitores as reflexões decorrentes. É sabido que muitos outros projetos surgiram posteriormente, alguns piorados até por excluir a área.

 

Observa-se que, sobre os auxiliares de bibliotecas, na atualidade têm-se os técnicos de Biblioteconomia, cujo surgimento contribuiu para o aumento no número de pessoas que buscam o curso de Biblioteconomia. E, neste sentido, a insuficiência numérica de bibliotecários é uma questão que acompanha a profissão ao longo da sua história no país.

 

Novamente, recupera-se a manifestação da bibliotecária Nancy Westphalen Correa, em 1979, no 10º CBBD, sobre os problemas referentes à profissão. Ela salienta que os bibliotecários brasileiros eram insuficientes para atender todas as necessidades da população, contudo o aumento puro e simples do seu número, não representava o fortalecimento da classe, se a esse aumento não correspondesse um aumento qualitativo de nível de formação e consequente melhoria na prestação de serviço.

 

A realidade, na época, era desalentadora, não havia uma consciência de biblioteconomia como profissão liberal de nível superior e, como tal, desempenhando função especifica dentro da comunidade. Faltava entendimento do que somos, para que existimos e qual o papel que desempenhamos perante a sociedade. A formação era deficiente tanto em pesquisa, quanto nos avanços científicos e tecnológicos; e não articulada com o desenvolvimento da área no âmbito nacional e internacional. A presidente comenta que:

 

“Infelizmente, pouco ou quase nada se tem feito no estudo da problemática bibliotecária como um todo, ou sistema, numa ação introspectiva, quase filosofal, inexplicavelmente, diferente de profissionais de outros campos de atividade social, o bibliotecário é estranhamente desinteressado dos aspectos teóricos de sua profissão. Raros são os trabalhos sobre Biblioteconomia em que o autor se preocupa com as implicações sociais da profissão e suas interfaces com o atual ritmo de desenvolvimento econômico do país atravessa. Como notamos, há uma carência urgente e inadiável de que os profissionais e suas entidades contribuam para um conhecimento mais profundo do profissional bibliotecário”.  (CORREIA, 1979, p.958).

 

Nota-se que o déficit bibliotecário era enorme. O próprio professor Murilo Bastos da Cunha (1974) apontava esta insuficiência, e propunha que a proporção ideal de bibliotecários deveria ser de 1/4.000 por habitantes, algo longe de ser alcançado naquela época; mais de quarenta anos depois, a defasagem persiste para não dizer que aumenta.

 

Quadro 1 – Relação da População com número de Bibliotecários (Relação 1/4.000 habitantes)

Estado

CRB

População (1)

Bibliotecário (2)

Nº ideal

Déficit/

Superavit

DF

1

546.015

170

136

+ 34

Goiás

1

2.997.570

2

749

- 747

Mato Grosso

1

1.623.618

3

405

- 402

Territ. Rondônia

1

116.620

1

29

- 28

Acre

1

218.006

--

54

- 54

Pará

2

2.197.072

129

549

- 420

Amazonas

2

960.934

58

240

- 182

Amapá

2

116.480

--

29

- 29

Roraima

2

41.638

--

10

- 10

Piauí

3

      1734.865

2

433

- 431

Maranhão

3

3.037.135

30

756

- 726

Ceará

3

4.491.590

84

1.122

- 1.038

Rio Gr. Do Norte

4

1.611.606

5

 

 

Paraíba

4

2.445.419

21

611

- 590

Fernando Noronha

4

1.311

--

--

--

Pernambuco

4

5.252.590

235

1.313

- 1.078

Alagoas

5

1.606.174

2

401

- 399

Sergipe

5

911.251

4

227

- 223

Bahia

5

7.583.140

259

1.895

- 1.636

Minas Gerais

6

11.645.095

210

2.911

- 2.701

Espírito Santo

7

1.617.857

6

404

- 398

Rio de Janeiro

7

4.794.578

144

1.198

- 1.054

Guanabara

7

4.315.746

1.106

1.078

+ 28

São Paulo

8

17.958.693

1.044

4.489

- 3.445

Paraná

9

6.997.682

145

1.794

- 1.604

Santa Catarina

9

2.930.411

3

73

- 70

Rio Gr. Do Sul

10

6.755.458

328

1.688

- 1.360

Total

 

94.508.554

3.990

22.951

- 19.022

Fontes: (1) Anuário estatístico do Brasil, 1972. (2) Dados do CFB, julho de 1973. Bibliotecários registrados – Autor: Cunha (1974)

 

O quadro acima mostra que a crise populacional dos bibliotecários e sua distribuição pelo território nacional é antiga e, ainda, hoje é um ponto de fragilidade profissional. O quadro também reflete o desequilíbrio do próprio desenvolvimento regional brasileiro. Regiões economicamente mais desenvolvidas, apresentavam maior número de profissionais.

 

Na atualidade, enfrentamos o desafio de expandir o número de profissionais, entretanto, com os mesmos questionamentos, apenas o aumento puro e simples no quantitativo bibliotecário não significa o fortalecimento da classe se a expansão não estiver relacionada a um aumento qualitativo de nível de formação, e consequentemente, uma melhoria na sua prestação de serviço. Além de superar o fato da profissão ser desconhecida ou estar fora do projeto de carreira profissional dos jovens vestibulandos. Ademais, cursos de técnicos em biblioteconomia são poucos, no país.

 

Para finalizar este texto, faço minhas as palavras do professor Murilo (1974, p.23), ao dizer que:

 

“Precisamos de mais e melhores bibliotecários preparados para enfrentar a realidade brasileira com suas diferenças regionais e suas variadas oportunidades profissionais. Nossas metas parecem ambiciosas e exageradamente otimistas. Mas o otimismo e a ambição deverão estar imbuídos do conhecimento da realidade e da confiança na capacidade que o bibliotecário brasileiro vencerá as dificuldades que virem a surgir”.

 

Nosso destino segue contínuo, porém o enredo dependerá de nossas próprias competências, inteligências e consciências de profissão. Recursos com os quais devemos buscar vencer as dificuldades formativas e de exercício profissional e, principalmente, construir nossa identidade social como profissão. Talvez está última seja o nosso maior desafio.

 

Sobre a questão, recomendo a leitura da tese de doutorado da bibliotecária Celly de Brito Lima, com o título “O bibliotecário como mediador cultural: concepções e desafios à sua formação”, ECA/USP, 2016.

 

Indicação de leitura:

 

Barroso, M. A. Discurso. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, vol. 1, n.1/3, p. 24-40, jan./mar. 1973.

Castro, C. História da biblioteconomia brasileira. Brasília: Thesaurus, 2000.

Cunha, M. B. Necessidades atuais de bibliotecários no Brasil. Revista de Biblioteconomia de Brasília, vol. 2, n. 1, p. 15 – 24, jan./jun. 1974.

Cunha, M. B. O bibliotecário brasileiro na atualidade. Revista Escola de Biblioteconomia da UFMG, Belo Horizonte, vol. 5, n. 2, p.178-94, set. 1975.

Fonseca, E. N. Ser ou não ser bibliotecário. Brasília: UNB, 1966.

Russo, L. G. M. A biblioteconomia Brasileira: 1915-1965. Rio de Janeiro: INL, 1966.

Sambaquy, L. Q. A profissão de bibliotecário. IBBD Bol. Inf., vol. 2, n.6, p.336-37, nov./dez. 1956.

 

Enfim, parabenizo aos bibliotecários brasileiros pelo nosso dia. Para comemorar compartilhemos um pedaço virtual do bolo comemorativo.

 

 



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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.