COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO


EDUCAÇÃO DE USUÁRIOS OU COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO (COINFO)? UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA

 

“[...] O amor às bibliotecas, como a maioria dos amores, deve ser aprendido. Ninguém que pise pela primeira vez num aposento repleto de livros saberá instintivamente como se comportar, nem o que se espera, o que se promete e o que é permitido” (1).

 

Quando Ana entrou pela primeira vez em uma biblioteca organizada e estruturada para emprestar um livro, sentiu-se sem rumo: sabia que ali havia um “vasto mar” de conhecimento, porém não sabia “navegar por entre as estantes” para ter acesso a ele. Faltava-lhe a “bússola” para que fosse direcionada ao encontro do que necessitava, uma vez que não tinha noção alguma do que significavam aqueles números nas etiquetas dos livros, como também não sabia que os livros eram organizados nas estantes por áreas do conhecimento. Ana estava tão ansiosa para “desbravar” a biblioteca - era uma apaixonada por livros e leitura - que não se atentou a um detalhe: no balcão havia um material que continha instruções sobre como manejar os recursos da biblioteca. Neste material, havia diversas instruções, dentre as quais a de que era oferecido um curso de treinamento ao usuário cujo objetivo era desenvolver habilidades de uso específico da biblioteca e seus recursos. Como Ana ainda não havia participado deste curso, buscou informar-se com o bibliotecário sobre a organização da biblioteca e seu layout.

 

A personagem Ana sou eu e, tenho certeza, muitos de vocês que estão lendo este texto: somos e / ou fomos Ana. Reflita sobre a primeira vez em que você entrou em uma biblioteca organizada: você se sentiu “perdido”? Eu me senti, pois somente na universidade tive acesso à uma biblioteca em que haviam bibliotecários atuando e com acervo aberto e organizado (e eu deveria me perder diante de tanta organização? Sem dúvida! Não sabia que o conhecimento era organizado por áreas, nunca havia pesquisado em um catálogo, não tive contato com um bibliotecário e Cutter e Dewey eram pessoas desconhecidas). Anterior a esta experiência, só na biblioteca da minha cidade, cujo relato está em nosso primeiro bate-papo. Mas, afinal, porque eu falei tudo isso? Porque pretendo mostrar a diferença entre a educação de usuários e a competência em informação (CoInfo), práticas compreendidas como sinônimas na área.

 

Ambas, educação de usuários e CoInfo, são ações educacionais que buscam desenvolver nos usuários competências e habilidades em relação ao universo informacional. Porém, a primeira restringe-se ao ambiente da biblioteca e a segunda extrapola “os muros” dela.

 

A educação de usuários pode ser compreendida como “[...] o processo pelo qual o usuário interioriza comportamentos adequados com relação ao uso da biblioteca e desenvolve habilidades de interação permanente com os sistemas de informação” (2) e que perpassa pelas seguintes ações:

 

ü  Formação: aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de atitudes e habilidades de acordo com o tipo de usuário da biblioteca - docente, discente, pesquisador, etc.;

ü  Treinamento: ações e / ou estratégias para desenvolver determinadas habilidades no usuário por desconhecer situações específicas de uso da biblioteca e de seus recursos informacionais, envolvendo o conjunto e meios necessários para tal;

ü  Instrução: descrição rigorosa de procedimentos acompanhada de pormenores, para que o usuário consiga manejar eficientemente os recursos informacionais da biblioteca;

ü  Orientação: ação de esclarecer ao usuário sobre a organização da biblioteca, “layout” e serviços oferecidos. Tem um sentido mais amplo do que a instrução;

ü  Ensino: processo formal e intencional voltado para o usuário cujo objetivo é propiciar condições para seu desempenho efetivo em relação ao uso da biblioteca e dos recursos informacionais;

ü  Aprendizagem: aquisição de novo comportamento e / ou modificação de atitude do usuário frente ao uso da biblioteca e dos recursos informacionais, mediante a assimilação do que foi ensinado por meio de orientação ou instrução (2).

 

Podemos ver que é uma prática voltada para o desenvolvimento de habilidades referentes ao uso da biblioteca e seus recursos informacionais, que mediante orientação e instrução, ensina o usuário a pesquisar no catálogo da biblioteca, a encontrar livros nas prateleiras, a compreender a forma que a biblioteca funciona e é organizada e quais serviços ela oferece.

 

Já a CoInfo, além de considerar as habilidades de uso da biblioteca e de seus recursos, desenvolve/aprimora competências, capacidades, habilidades e atitudes relacionadas ao vasto campo de informações disponibilizado em diversas fontes como a internet, jornais, livros, revistas, redes sociais, salas de discussões, bases de dados, etc. Possui como princípio o uso inteligente, crítico, reflexivo, criativo, responsável, ético e efetivo da informação para a transformação do conhecimento, resolução de problemas e exercício da cidadania em um aprender contínuo ao longo da vida. São nestes “quesitos” que ela se diferencia da educação de usuários.

 

A CoInfo proporciona uma mudança de conduta nas formas de gestão da informação e do conhecimento, pois a partir da mobilização e articulação destes, a pessoa é capaz de compreender e refletir sobre a complexidade das situações de seu entorno. É pelo desenvolvimento/aprimoramento da CoInfo que o sujeito assume o papel de um leitor crítico habilitado a realizar uma “leitura de mundo” aprofundada.

 

A pessoa competente em informação consegue:

 


O sujeito reconhece sua necessidade de informação quando percebe por que e de qual informação precisa, de qual, quanta e que tipo de informação requer e as limitações para consegui-la (tempo, acesso, formato, atualidade, etc.). Compreende onde e quais recursos informacionais estão disponíveis para sua exploração, como pode acessá-los e quando é apropriado utilizá-los. Identifica a informação relevante e de qualidade a partir da exploração de diversos meios contidos em fontes variadas (índices dos livros, pesquisas avançadas em bases de dados, etc.). Avalia as informações pela sua autenticidade, veracidade, correção, atualidade e valor. Reconhece a manipulação e distorção das informações a partir de sua criticidade (pensamento crítico). Compara as informações recuperadas para saber se há necessidade de realizar uma nova busca por mais informação. Compreende as questões referentes ao plágio, à propriedade intelectual e, por isso, comunica de forma responsável, ética e legal as informações recuperadas (3).

 

Dito o exposto, quer dizer que a educação de usuários não se configura como uma ação educacional importante? De forma alguma! Geralmente é por meio da interação e mediação entre usuário, profissional, recursos e as informações contidas neles que a pessoa, de forma primária, compreende a complexidade que envolve o universo informacional.

 

Por este fato é que apontamos ser coerente escrutinar sobre essas ações educacionais, já que cada uma possui peculiaridades próprias e, por isso, retratam práticas distintas. Enquanto a educação de usuários ensina a pessoa a usar um determinado equipamento informacional e seus recursos, a CoInfo transita numa esfera de transversalidade de áreas, conteúdos e de ambientes, como também caminha pela flexibilidade e dinamicidade de aplicação e adaptação em contextos vários, por isso é transdisciplinar. Conduz a trilhas de aprendizados diversos, pois integra-se com as particularidades do ambiente ao qual está inserida.

 

A CoInfo é flexível quanto às especificidades de cada área, uma vez que a necessidade de atualização de saberes, resolução de problemas, trabalho colaborativo, formação de opiniões, enfrentamento de incertezas, compreensão do status quo e tomadas de decisões assertivas são condições sine qua non a todos os sujeitos em distintos campos de atuação.

 

Para que a CoInfo se torne uma prática educativa institucionalizada, é basilar que os profissionais da informação a reconheçam como tal e a compreendam como uma ação transformadora na mobilização e articulação da informação para a geração de conhecimento significativo pelos sujeitos.

 

O profissional da informação tem, por legitimidade, o dever de despertar na sociedade o entendimento do conceito, filosofia e prática que permeiam a CoInfo, pois ele é o principal conhecedor das formas, estruturas e complexidades que envolvem o uso da informação de qualidade para a transformação do conhecimento. É ele quem deve ser a “bússola” que irá nortear as pessoas para a valorização de uma cultura da informação e da CoInfo.

 

É recomendável que o profissional da informação seja o principal promotor, sensibilizador e mediador da CoInfo no diálogo com a comunidade e ambiente em que está inserido - seja em bibliotecas, arquivos museus, empresas, etc. -, pois só desta forma terá condições de implantar e institucionalizar programas de desenvolvimento/aprimoramento da CoInfo. 

 

Dito o exposto, trataremos em nosso próximo bate-papo sobre questões relacionadas à qualidade da informação, à diferença entre os conceitos de competência, capacidade, habilidade e atitude que constituem a CoInfo, bem como sua estruturação em programas de desenvolvimento/aprimoramento. Até mais!

 

Referências

 

(1) MANGUEL, Alberto. A biblioteca à noite. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

 

(2) BELLUZZO, Regina Célia Baptista. Educação de usuários de bibliotecas

universitárias: da conceituação e sistematização ao estabelecimento de diretrizes.

1989. 107f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Escola de

Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989.

 

(3) ABELL, Angela. et al. Alfabetización en información: la definición de CILIP (UK). Boletín de Asociación Andaluza de Bibliotecarios, n. 77, p. 79-84, 2004.


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CAMILA ARAÚJO DOS SANTOS

Doutora e Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista(UNESP) - Campus de Marília. Graduada em Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Campus de Marília.