PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: RESPONSABILIDADE SOCIAL DO BIBLIOTECÁRIO BRASILEIRO: FACILIDADE EM DIZER!

Há um continuo esforço de bibliotecários brasileiros em discutir, desde 1954, o alcance de suas ações, ou, melhor dito, de pensar sobre como orientar o discurso acerca  de seus esforços profissionais, visando nesse discurso ao mais responsável atendimento às necessidades, interesses ou desejos de acesso à leitura, informação e conhecimento da sociedade.

 

Contudo, parece que habitam num mundo em que sofrem do castigo dado a Sísifo, na medida em que se autocondenam ao eterno começar a discussão. Isso acontece  aos bibliotecários brasileiros na medida em esquecem de ver sua história e retomar reflexões já realizadas em eventos profissionais, de décadas passadas, especialmente no CBBD. Algumas dessas deliberações dos bibliotecários brasileiros ainda não foram transformadas em ações por eles mesmos ou nem foram devidamente encaminhadas aos setores capazes de executá-las; outras foram (deliberadamente?) esquecidas como parte das suas lutas profissionais.

 

No final da última semana de maio de 2011 e inicio da primeira semana de junho foi realizado na cidade de Marília, SP, o IX Encontro da Associação de Educação e Investigação em Ciência da Informação da Iberoamérica e Caribe - EDICIC. Trata-se de evento promovido pela entidade, e esta edição [http://edicic.org/ix_edicicx.html] foi realizada no campus da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP. O tema principal foi "Pesquisa e Ensino na Área de Ciência da Informação: ética e responsabilidade social”, entretanto o foco central foi a responsabilidade social. O que me chamou a atenção foi o esforço de vários participantes em tentar demonstrar que poucos bibliotecários pensam sobre isso ou que muitos bibliotecários não atentam para essa fenomenologia. Por ser um evento nominalmente de Ciência da Informação, e por pensar-se que Ciência da Informação envolveria no mínimo Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia muitos dos trabalhos relatados tentaram enfatizar como nesses campos os profissionais resolveram ou poderiam resolver o deficit de responsabilidade social em suas atividades.

 

Ao retornar para a UFSC, novamente busquei minhas fontes que informam sobre o pensamento do bibliotecário brasileiro, em especial da expressão desse pensamento que constitui a síntese das várias edições do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação - CBBD. Para mim não foi surpresa constatar que nas recomendações, particularmente das primeiras edições do CBBD, estão expostas ideias que não poderiam ser denominadas de outra coisa senão como a expressão da responsabilidade social do bibliotecário e, assim sendo, como a expressão de uma ética deontológica e como a afirmação da alteridade com recorte em Emanual Levinas.

 

A título de rememoração, transcrevo algumas das recomendações aprovadas no primeiro CBB, realizado em 1954 e segundo CBBD, realizado em 1959, com o  número de ordem com que foram apresentadas, sublinhando  alguns aspectos que confirmam a preocupação em dizer sobre o que deveria ser feito, indo além do notoriamente profissional.

 

Do primeiro CBB (Congresso Brasileiro de Biblioteconomia):

 

- 1 – Que se organize um código para a catalogação de livros infantis, contendo as regras essenciais para a organização de um catálogo e redigido de maneira muito clara, com abundância de notas explicativas tendo em vista a sua provável utilização por elementos estranhos à biblioteconomia.

 

- 3 – Que se organize uma adaptação resumida da classificação decimal de Dewey, de acordo com as necessidades das bibliotecas infantis, para ampla divulgação entre professores primários, responsáveis por clubes infantis, assistentes sociais e dirigentes de parques infantis.

 

- 8 – Que seja solicitado às bibliotecas centrais ou aos serviços centrais de bibliotecas já existentes em algumas universidades, um levantamento dos recursos da universidade a que pertencem quanto às duplicatas ou outro material de que dispõem para permuta.

 

- 10 – Que seja organizado e incentivado o empréstimo inter-bibliotecário a bem da economia geral e do melhor aproveitamento de verbas individuais.

 

- 19 – Que [o Governo] facilite por todos os modos possíveis a entrada no país, ou aquisição, por parte dos interessados, de todo material necessário à impressão e disseminação de livros.

 

- 21 – Que [o Governo] facilite a construção e manutenção de bibliotecas públicas, em número cada vez maior, em todos os recantos de todo o território nacional.

 

- 37 – Que se aconselhe a gratuidade absoluta nas Escolas e Cursos de Biblioteconomia.

 

 

Do segundo CBBD (Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação):

 

- 6 – Que todos os Municípios mantenham uma Biblioteca Pública, com o mesmo interesse que põem na alfabetização.

 

- 8 – Que os estados, nas capitais e nos Municípios, considerem a oportunidade da criação de Bibliotecas Circulantes, como serviço de extensão de suas Bibliotecas Públicas Enciclopédicas.

 

- 10 – Que como medida de propaganda e publicidade, as grandes Bibliotecas adotem as seguintes providências:

a) edição e distribuição ao público de pequenas biografias de autores nacionais, com ilustrações sugestivas, bem como de boletins periódicos de difusão, com o movimento dos leitores e livros.

 

b) programação e projeção de filmes educativos que façam propaganda da leitura e de Bibliotecas, filmes esses que deverão ser projetados nos cinemas como complemento nacional educativo.

 

- 12 – Que os bibliotecários de todo o Brasil ofereçam sugestões quanto às características que devem ter as Bibliotecas instaladas em conjuntos residenciais (vilas ou blocos de apartamentos).

 

- 13 – Que os Diretores de Bibliotecas em todo o Brasil propugnem pela instalação de pequenas “bibliotecas familiares” no âmbito de agrupamentos residenciais criados pelas condições da vida moderna, principalmente nas grandes cidades.

 

- 14 – Que se faça sentir ao Governo (Federal, Estadual e Municipal] a necessidade de contemplar com uma “biblioteca-familiar” todas as construções residenciais de sua responsabilidade, capazes de abrigar de 200 famílias para cima.

 

- 15 - Que essa exigência [do item 14 acima] seja expressamente imposta à Fundação da Casa Popular, inclusive quanto às suas construções já inauguradas, às quais diligenciará por incorporar instalações de bibliotecas-familiares, cujo funcionamento ficará a cargo do Instituto Nacional do Livro.

 

- 16 – Que nos contratos de financiamento de construções residenciais-coletivas (além de 200 unidades familiares) pela Caixa Econômica, Institutos ou quaisquer estabelecimentos bancários controlados pelo Estado, seja incluida uma cláusula de obrigatoriedade da existência de dependência destinada a receber uma biblioteca-familiar, cuja instalação e funcionamento caberão ao Ministério da Educação e Cultura, através do Instituto Nacional do Livro.

 

- 22 – Que o governo crie Bibliotecas Infantis em todas as capitais e cidades brasileiras.

 

- 27 – Que sejam organizados “Clubes de Leitura” em todas as bibliotecas infantis, quer sejam bibliotecas escolares, quer departamentos de bibliotecas públicas.

 

- 28 – Que todas as bibliotecas infantis, organizem uma sala Braille, ou possuam livros para crianças cegas.

 

O que se constata nesses enunciados é a capacidade que o bibliotecário brasileiro teve desde os anos 1950 de afirmar um notoriamente verdadeiro PROGRAMA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL BIBLIOTECÁRIA. O problema não se situa no perceber lacunas e pensar sobre soluções, o problema está em defender um Programa desse porte no exterior da corporação profissional, negociando com os fazedores das leis, com os articuladores da política, com os executores dos orçamentos, com os fiscalizadores dos investimentos, com os financiadores dos empreendimentos e, sobretudo, com os parceiros sociais como educadores, movimentos organizados de sem terra, sem teto, sem leitura, etc.

 

Louve-se a ocorrência de mais um evento que tratou do tema, parabenize-se seus organizadores, contudo, precisa-se fazer!


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB