PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: OS SENTIDOS E AS RAZÕES DE SER DO QUE O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO CFB POSTULA COMO DIGNIDADE

O Código de Ética Profissional do Bibliotecário, nomeadamente designado como Código de Ética do Conselho Federal de Biblioteconomia, ora vigente como Resolução CFB número 42, de 11 de janeiro de 2002, nos termos de seu artigo primeiro dispõe sobre a conduta profissional de indivíduos e empresas executoras de atividades profissionais em Biblioteconomia.

 

Os deveres, direitos e proibições prescritos pelo Código para esses executores teriam igual valor e peso moral? Embora o Código apresente essa fórmula como um postulado geral, esta primeira pergunta se assenta no fato de que a relação dessas duas categorias de pessoas (físicas e jurídicas) com os seus usuários e clientes é distinta e, por vezes, se rege por normas jurídicas específicas, como no caso, do direito comercial, no que toca a contratos de prestação de serviços, se por um profissional liberal e se por uma empresa. De outro lado, implicações relacionadas à interação profissional em que o profissional liberal assina contrato e atua e em que uma empresa de serviços bibliotecários assina contrato e atua pode apontar para aspectos que impõem desigualdades relevantes relativas à remuneração do trabalho, por exemplo. O profissional liberal é senhor de sua renda em sua atuação e negociação direta com o usuário ou cliente. No caso de uma empresa, ele provavelmente poderá atuar como o proprietário da empresa e como patrão de colegas profissionais, do trabalho dos quais retirará parcela dos ganhos de sua empresa e do seu próprio ganho pessoal. Circunstâncias dessa natureza mostram uma possível precariedade do Código ao tentar tratar igualmente o que é, pela natureza de sua existência, desigual e, com isso, cabe perguntar se o atual Código é um instrumento que serve aos mesmos valores coletivos, considerando profissionais patrões e profissionais empregados desses patrões?

 

Dúvidas desse tipo trazem à luz uma questão importante, como ponderação a ser analisada nos debates em torno do Código de Ética do Conselho Federal de Biblioteconomia, que se apresenta também como Código de Ética Profissional do Bibliotecário: que sentido tem no Código e, portanto, o que implica para o Bibliotecário e para a sociedade brasileiros as menções feitas ao valor “dignidade”, expresso no Código de várias formas, conforme os momentos em que são apresentados? Em seis momentos (Artigo 2, a; Artigo 3, a; Artigo 3, e; Artigo 5, e; Artigo 6, b e Artigo 9) a idéia está relacionada com os deveres profissionais. Em dois momentos (Artigo 11, b  e Artigo 11, d) a idéia está relacionada a direitos profissionais  e num único momento (Artigo 12, d) a idéia está relacionada a uma proibição prescrita para o “profissional de biblioteconomia”. E aqui cabe uma pergunta: pode-se denominar uma empresa executora de atividades profissionais em Biblioteconomia de “profissional de biblioteconomia”?

 

Contudo, nesse Código do CFB, parece mais seriamente complexa a falta de clareza sobre os sentidos possíveis que o coletivo bibliotecário deveria ter sobre do que se trata dignidade, considerando que em algumas circunstâncias depende do julgamento pessoal do bibliotecário o que pode ser considerada uma situação que afeta a dignidade profissional. A falta dessa clareza evidencia possíveis divergências entre colegas sobre o que significa uma situação que poderia ser nomeada como profissionalmente indigna e, portanto, comprometedora para a profissão ou classe, como por vezes, aparece no texto do Código.

 

Naturalmente, as Comissões que redigiram e atualizaram esse Código não deixaram de pensar sobre essa questão e isto está evidenciado no dever inscrito no artigo 3,a  que pode ser lido assim: É dever dos que exercem atividades profissionais em Biblioteconomia fundamentar o liberalismo e o humanismo profissional na dignidade da pessoa humana. Em que pese todos os questionamentos possíveis de ser feitos às noções de liberalismo e humanismo profissional, muito mais funda é a preocupação que perpassa a expressão “dignidade da pessoa humana”. O que significa isso no mundo desigual que sempre se teve e onde as bibliotecas são instrumentos também de discriminação ao acesso ao seu recinto de pessoas pobres, às vezes carentes de asseio e higiene corporal e indefesas? Ocorre que a base filosófica iluminista que aí está embutida necessita não só ser afirmada por um coletivo profissional como o fundamento de sua ação, mas necessita ser defendida e traduzida em ações, para que os profissionais encontrem a razão de ser de seu uso em seu Código de conduta profissional. Isto é problemático de constar no Código como fundamento de ação e só tem justificativa se for tomada ao pé da letra, na acepção da filosofia liberal ou em sua vertente pragmatista em que dignidade não representa igualdade, mas o salve-se quem puder. Dito desta forma, o Código de Ética do bibliotecário estaria afirmando que também é digno ao ser humano viver na miséria e sem acesso aos recursos mais elementares da existência. E isso, provavelmente, não estaria claro para todos os bibliotecários brasileiros.

 

Pelo sim, pelo não, parece ser necessário que os bibliotecários brasileiros coloquem em sua agenda a discussão da Ética bibliotecária no país, indo além da trivial reforma ou atualização da redação que tem o hoje vigente Código de Ética do Conselho Federal de Biblioteconomia.


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB