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ELVIS NÃO MORREU! DEWEY TAMBÉM NÃO! OCLC NA OVERDOSE DECIMAL

Há pessoas que transcendem a sua existência. Quando morrem, transformam-se em ícones culturais e/ou profissionais para as gerações subseqüentes. Sua história, idéias e realizações passam a ser continuamente relatadas, realçadas, e repassadas; quando não cultuadas. Exemplo conhecido, neste sentido, vem do ambiente musical. È o caso do chamado “Rei do Rock”, Elvis Presley. Anos após seu falecimento, ocorrida em 16 de agosto de 1977, na cidade de Memphis, Tennessee, Estados Unidos, seu número de fãs só faz aumentar em todo mundo. Apesar de sua morte ter causado lamento geral, há uma corrente de pessoas que acredita que ele não morreu. O slogan "Elvis não Morreu!" é bem conhecido e muito citado, tanto pelos que com sinceridade acreditam nisto, como por aqueles detectores dos direitos sobre a imagem e a obra do artista.  Afinal, Elvis é considerado um artista de primeira grandeza, e a cada novo lançamento de suas coletâneas, esse aspecto se evidencia. Além disso, Elvis é, também, o artista mais imitado do mundo (os imitadores são conhecidos como "Elvis Impersonators").

 

Na área da Biblioteconomia, há alguns ícones que não morrem apesar de suas idéias em certos períodos serem consideradas superadas, e em outros serem resgatadas e exaltadas. Esse é o caso de Melvil Dewey, conhecido entre os bibliotecários como o criador da CDD (Classificação Decimal de Dewey). Há mais de um século, ele é criticado, destacado, citado, e estudado nos cursos de Biblioteconomia e Ciência da Informação.

 

Nascido Melville Louis Kassuth Dewey (1851-1931), adotou o nome de Melvil Dewey. Ao longo de sua vida profissional deixou inúmeras contribuições à área. Matthew Battles, em seu livro “A conturbada história das bibliotecas” (São Paulo: Editora Planeta, 2003), relata a faceta pessoal e profissional de Dewey. Destaca o primeiro contato dele com a Biblioteconomia, iniciada ainda no tempo de colégio, em 1868, durante um incêndio na escola e no qual ele envolveu-se no resgate de livros da biblioteca em chamas.  

 

No acidente respirou muita fumaça contraindo uma forte tosse diagnosticada pelos médicos como fatal. A eminência da morte desenvolveu em Dewey um interesse pela eficiência e economia do tempo, aspectos que o acompanhou até o final de sua vida. De fato, este interesse conduziu todo seu trabalho, desde o treinamento de pessoal da biblioteca à disposição dos livros nas estantes. Para ele na liberação das reservas de tempo estava uma simplicidade de racionalização.

 

A inovação na qual acabou imortalizado ocorreu quando era estudante do Amherst College, e onde também trabalhava como auxiliar de biblioteca. Neste ambiente incomodava-o a desorganização das obras, aspecto que o instigou a imaginar um método mais eficiente e rápido para ordenar a coleção.

 

Em realidade, o sistema de classificação não nasceu com Dewey. O crescimento das bibliotecas à época tornava inviável os métodos de organização dominantes baseados  na localização fixa do material nas estantes. Neste aspecto, cabe mencionar que atualmente há uma revisão do sistema de localização fixa, agora adaptado ao contexto do acesso remoto às coleções bibliográficas comprometidas com a preservação dos conteúdos impressos e digitais. Recomenda-se a leitura do agradável livro da professora Ana Virginia Pinheiro, com a colaboração da professora Simone da Rocha Weitzel “A ordem dos livros na biblioteca: uma abordagem preliminar ao Sistema de Localização Fixa” (Rio de Janeiro: Editoras Interciência e Intertexto, 2007).

 

Com relação ao trabalho de Dewey, ele teve o mérito de sistematizar em um único sistema, alguns outros então propostos e aplicados na ordenação de acervos bibliográficos. Segundo o próprio criador, fora influenciado pelos trabalhos de Natale Battezzati; Jacob Schwartz; além das idéias de W. T. Harris. A amplitude do sistema de numeração decimal propiciou um esquema capaz de acomodar em compartimentos epistemológicos bastantes intuitivos todos os livros publicados, como também os que ainda viriam a ser. Não se pode negar, que a classificação decimal teve grande impacto sobre as bibliotecas e nossa experiência em relação a elas.

 

Apesar de considerado obsoleto, constata-se que suas possibilidades não estão totalmente esgotadas. Este aspecto é ilustrado na figura 01, que apresenta uma adaptação da concepção do sistema ao universo da Web. É uma proposta de interface em estudos pela OCLC (Online Computer Library Center), e denominada DeweyBrowser.

 

 


 

 Fig. 01 –OCLC DeweyBrowser baseado no conceito da CDD.

Disponível em: http://deweyresearch.oclc.org/ddcbrowser/wcat

 

O estudo realizado pela OCLC analisa a viabilidade da busca e visualização das coleções de recursos de bibliotecas organizadas sob o sistema da CDD.  Um protótipo de demonstração do sistema foi desenvolvido com base em duas coleções de registros bibliográficos:  a  coleção de livros eletrônicos (ebooks); e os registros do catálogo geral denominado  WorldCat  (wcat).  

 

O DeweyBrowser também fornece acesso a uma coleção de material não bibliográfico baseado na edição abreviada da CDD (14ª edição). Esta edição foi planejada para uso em bibliotecas com coleções limitada a até 20 mil itens. O sistema apresenta a opção de consulta em até três níveis, conforme ilustra figura 01 (01, 02, e 03). Estes três níveis correspondem à estrutura principal do sistema de classificação de Dewey, e fornecem uma avaliação ampla do esquema de classificação.  

 

A partir do terceiro nível  (03) ao ser escolhido qualquer das etiquetas temáticas, o recurso apresenta uma listagem das referências indexadas sob a mesma (04). É informado, também, o total de registros armazenado sob o tópico selecionado (05).  Na figura 01 observa-se que intercalando a lista de referências há o ícone View Library Shelf (06), opção que ao ser  escolhida oferece ao usuário a visualização da capa das publicações inseridas na base. Em realidade, a interface proporciona uma sensação virtual de se estar consultando diretamente na estante da biblioteca. O sistema transfere para a ambiência da rede, o ambiente tradicional de uma biblioteca; porém só não gera o Avatar de bibliotecário para mediar o processo.

 

A mesma sensação pode ser percebida ao se realizar uma pesquisa pelo número da CDD ou pelo assunto. Ao digitar no campo de consulta Browser for: (07). A interface de navegação também fornece a opção de exibir os resumos em vários idiomas, incluindo: inglês, francês, alemão, espanhol, e sueco. Basta escolher na opção Display captions in (08), no lado superior direto da interface.  Outra possibilidade destacada é a ordenação de uma lista de título pelo número de Dewey, data, título, autor, ou número de propriedades da biblioteca. Visualizar no modo estante da biblioteca ou de folhear as capas de livros e outros materiais descritos.   

 

A CDD é um sistema de classificação amplamente usado no mundo. É construída sobre princípios que a tornam aplicável como ferramenta de organização de conhecimento geral: anotação significativa, categorias definidas e hierarquias desenvolvidas. Muitas Bibliotecas investem no sistema Dewey. A OCLC salienta que 70% dos recursos no WorldCat são categorizados pelo sistema Dewey. Neste sentido, a agência dá ênfase à possibilidade de o DeweyBrowser ajudar os usuários a acessarem estas coleções bibliográficas. 

 

Apesar de a CDD ter sido desenvolvida a mais de 100 anos; e ainda vigorar na maioria das bibliotecas do mundo, em especial no Brasil, há corrente de opiniões que consideram o sistema obsoleto. Sem entrar no mérito da questão, até por não ser meu campo de estudo, deixa-se aos especialistas na temática. Convém destacar, entretanto, que o sistema acaba por estruturar fisicamente o ambiente da biblioteca. Para o usuário em um primeiro momento parece simples, ao ler nas estantes os primeiros dígitos da classificação. A confusão aumenta quando se adentra pelas prateleiras e os números que pareciam crescer, se misturam em subdivisões que parecem aumentar e diminuir ao mesmo tempo. Aumentam e decrescem associados a letras intercaladas por números (notação de autor), que por sua vez seguem uma seqüência alfanumérica que também cresce e decresce.

 

Certa ocasião, um usuário me perguntou se era membro de alguma seita esotérica para gostar de códigos indecifráveis. Estando naquela situação de perder o usuário, mas não a piada, respondi-lhe que sim, que fazia parte de uma milenar seita conhecida inicialmente por “tecários”. Quando os templários começaram a ser perseguidos e mortos pela Igreja católica, a seita dos “tecários” se ocultou ainda mais nas abadias e nos mosteiros. Para não ser percebida pelos agentes da inquisição adicionaram um código alfabético à sua designação. Passaram a se denominar bibliotecários. Para se comunicar e transmitir o seu poder de organizar o conhecimento humano adota desde então sistemas codificados. Assim como um maçom, um bibliotecário conhece e se comunica com outro por meio de sinais bibliográficos. O usuário me olhou temeroso, e se afastou devagar como que pensando, ambiente estranho, com gente estranha. Rindo interiormente, achei melhor não explicar, há certas lógicas que só mesmo os membros iniciados conseguem entender, ou tentam. A realidade é que os nossos sistemas são pouco amigáveis aos usuários.

 

Desta forma, retornando ao assunto principal fica a questão, será que os sistemas usuais de organização da informação impressa em biblioteca tradicional podem ser adequados para ambientes digitais. No caso da proposta da OCLC ao menos pode ser pensada. Ademais, a OCLC é detentora dos direitos autorais sobre a edição da CDD. Não se pode deixar de salientar, que apesar da evolução tecnológica, sempre aparece uma inovação com aspecto retro, e intenção econômica.

 

De qualquer forma, para muitas das bibliotecas brasileiras que utilizam a CDD, o programa pode ser utilizado ao menos para treinar os usuários no uso da biblioteca de maneira até estimulante, muito embora as limitações permaneçam. Outro aspecto apresentado é a importância de o bibliotecário pensar, criar e inovar o ambiente físico da biblioteca e as interfaces de seus serviços digitais, em especial os catálogos bibliográficos.

 

Indicação de leitura para melhor e maior compreensão do sistema de Classificação Decimal de Dewey:

 

Dewey, M. (1876). A classification and subject index for cataloguing and arranging the books and pamphlets of a library. Amherst, Massachusetts. Disponível em: http://www.gutenberg.org/files/12513/12513-h/12513-h.htm Acesso em: 10/09/2007.

 

Furner, J. (ed.). 025.431: The Dewey blog. Everything you always wanted to know about the Dewey Decimal Classification® system but were afraid to ask ... Disponível em: http://ddc.typepad.com/  Acesso em: 10/09/2007.

 

OCLC. Learn more about the DeweyBrowser. Disponível em: http://www.oclc.org/research/researchworks/ddc/browser.htm Acesso em: 15/08/2007.

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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.