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12 DE MARÇO DIA DOS BIBLIOTECÁRIOS, PARABÉNS! E DAS ENTIDADES DE REPRESENTAÇÃO PROFISSIONAL, SALVEM! SALVEM! NOTAS PARA A DATA

O dia 12 de março é sempre uma data especial para os bibliotecários brasileiros: oportunidade de verter a autocomiseração em auto-elogio; momento de pensar a profissão, ainda que utopicamente. É a chance de pousar um olhar atento sobre as ações, histórias e contribuições dadas à sociedade brasileira. Oportunidade de comentar e, principalmente, refletir a respeito das entidades de representação profissional e ao futuro das mesmas. Futuro somente possível, se a comunidade bibliotecária assim o desejar, e se as atuais e as novas lideranças da área agirem em favor desse desejo.

O futuro, porém, é uma incógnita, não existe. Só o presente é real. E qual é a realidade de nossas entidades de representação profissional: as associações, os sindicatos e os conselhos? No cenário atual, muitas se parecem com catracas anacrônicas ocupadas apenas em sobreviver e, em certos casos, "descatracalizadas" dos objetivos da comunidade profissional (para empregar um termo da moda que ganhou certo destaque na mídia).

Torna-se comum a escolha de gestores, realizadas a fórceps. Poucos são os candidatos voluntários com perfil para gerenciar as entidades. As causas do desinteresse entre os bibliotecários podem ser várias, desde presidentes que se eternizam nos cargos provocando uma asfixia na renovação de lideranças e respectiva oxigenação de idéias, ao próprio modelo de representação profissional existente no país, talvez esgotado e não mais interessante à significativa parcela da comunidade bibliotecária brasileira. O resultado é o surgimento de instituições falidas financeira e operacionalmente. Desta forma, a sobrevida das entidades fica permanentemente comprometida, e há um desvio de foco quanto aos objetivos no planejamento de políticas de valoração da comunidade profissional como um todo.


A EXCLUSÃO DO CONSELHO FEDERAL E DOS REGIONAIS DE BIBLIOTECONOMIA

O fato decorre da Resolução CFB, nº 60, de 6 de julho de 2004 (que dispõe sobre o novo Regimento Interno dos Conselhos Regionais de Biblioteconomia), e na qual constam cláusulas que afetam a plena participação dos membros natos.

A figura do membro nato sempre existiu na estrutura dos conselhos, desde a sua criação. A própria Lei 4.084/1962, que regulamentou a profissão de bibliotecário no país, cita no artigo 21, parágrafo único: Os diretores de escolas de biblioteconomia e os presidentes das associações de bibliotecários são membros natos dos Conselhos Regionais de Biblioteconomia.

A resolução ora baixada informa em seu artigo 9°: O plenário do CRB... é constituído pelo conjunto dos seus 12 (doze) conselheiros efetivos e 3 (três) suplentes, além dos membros natos. Entretanto, a mesma resolução restringe a participação dos membros natos nas reuniões plenárias e o acesso às informações que deveriam ser de conhecimento de todos os membros do conselho. No seu artigo 13º, apresenta as seguintes restrições: a) não considerar a presença para efeito de quórum; b) excluir do direito ao voto; e c) dispensar do acompanhamento de outras fases da reunião.

Atualmente, o Estado de São Paulo enfrenta um desmonte institucional. A medida regimental adotada tem um impacto negativo sobre a região, pois contribui para o aumento da desarticulação do movimento institucional bibliotecário. Gera uma situação de transformar os conselhos em caixa-preta, ao invés de um espaço de discussão e participação afirmativa da comunidade bibliotecária local. Sob o ponto de vista político, a resolução com tais pontos de restrição é um retrocesso e precisa ser revista ou no mínimo rediscutida com a participação dos membros natos (associações e escolas de biblioteconomia).

Na tentativa de entender os motivos que levaram os Conselhos Regionais e o Conselho Federal a adotarem tal procedimento, em 19 de novembro de 2004, encaminhei correspondência ao CFB, protocolada sob o número 000438. No documento indaguei os motivos dos membros natos estarem impedidos de votar; impedidos de participar da reunião plenária quando da relatoria, discussão, apreciação e aprovação de processos; de não terem sido comunicados quando da instauração da resolução; as motivações da inclusão de cláusulas limitantes; e como o Conselho Federal entende ou define o membro nato e suas respectivas atribuições na estrutura do Conselho Regional de Biblioteconomia. Esses questionamentos se justificam, considerando que, pela regra aplicada, os membros natos estão impedidos de acompanhar as atividades e deliberações do CRB. Com o atual posicionamento, as sugestões ou opiniões que possam contribuir para uma decisão pensada, em reuniões plenárias, ficam inviabilizadas. Ademais, é constrangedor, como membro nato, ser convidado a se retirar de uma reunião para qual foi chamado a participar. Quanto a correspondência enviada estou, ainda, aguardando retorno. Da mesma forma, em janeiro de 2005, encaminhei correspondência para algumas escolas de biblioteconomia do Estado de São Paulo, perguntado se tinham conhecimento das medidas regimentais. Também, até o momento, não houve respostas.


O (DES)CASO APB/SP

Das regiões da Federação, o Estado de São Paulo é o que concentra o maior número de bibliotecários e escolas de biblioteconomia - berço do movimento nacional para o reconhecimento da profissão bibliotecária e da formação de entidades classistas.

Inúmeros fatos e acontecimentos poderiam ser relacionados aqui, destacando a importância do movimento de classe paulista para a biblioteconomia do Brasil. "Poderiam..." por que, no estágio atual, trata-se apenas de uma citação vazia, esquecida na estante vaga da lembrança, da lembrança que se dilui no tempo.

Indago aos bibliotecários de São Paulo, cadê a Associação Paulista de Bibliotecários (APB)? Alguém sente sua falta? Pois é a primeira entidade de bibliotecários no Brasil, cuja trajetória de mais de 78 anos sempre foi marcada por ações, serviços e produtos dedicados à biblioteconomia paulista e brasileira. Talvez poucos bibliotecários tenham comentado sua ausência, falta de comunicação, ou mesmo procurado saber o que acontece com essa entidade de passadas glórias e presente ignomínia.

A Associação Paulista de Bibliotecários encontra-se em coma profundo, do qual, se não houver uma tsunami de esforços, jamais ressuscitará. Vítima de uma série constante de más gestões e da inapetência de seus associados em preservá-la, permanece totalmente incapacitada para mudar a sua triste realidade. Na atual gestão, vê-se apenas aprofundar a penúria e o isolamento. Na própria composição da equipe dirigente, não houve a observância das normas estatutárias da entidade.

Os equívocos e as mazelas financeiras da APB são lamentáveis e dramáticos. A funcionária Edith de Oliveira Kuroda (que mereceria uma placa de homenagem pelos anos de serviços prestados), desde janeiro de 2004 não recebe o seu salário e não tem seus direitos trabalhistas recolhidos, situação que a impede de se aposentar. A sede da entidade encontra-se deteriorada. Telefone, água e luz foram cortados por falta de pagamento. Os impostos municipais estão em atraso, avolumando-se como a dívida externa brasileira. Não há cadastro de associados ou ações organizadas.

Preocupado com a gravidade da situação e a integridade do patrimônio histórico representado pela APB, um grupo de bibliotecários reuniu-se em 02 de junho de 2004. Na oportunidade, as dificuldades da entidade foram expostas por um de seus dirigentes. Em 08 de junho de 2004, os participantes reuniram-se novamente na Biblioteca Pública Infanto-Juvenil Monteiro Lobato, a fim de pensar e elaborar propostas que pudessem ser implementadas numa tentativa de recuperar ou, quiçá, amenizar a situação vivenciada pela Associação e, assim, construir alternativas para sua sobrevivência ou seu encerramento digno. Cabe mencionar, o encontro contou com a presença de dois representantes da APB que solicitaram fossem as propostas emanadas pelo grupo de bibliotecários; posteriormente, seriam analisadas pela diretoria atual e discutidas em assembléia de associados. Desse modo, em 09 de junho de 2004, encaminhou-se correspondência à presidente da APB, com as seguintes sugestões:

1. Revisão da anuidade da APB. Reduzir de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais) para uma taxa mais acessível, que estimule a ampliação do número de associados nesse momento financeiramente delicado. Recomenda-se valor ao redor de R$ 50,00 (cinqüenta reais), mais compatível com a realidade econômica atual da comunidade profissional. Não se garante, entretanto, que só a anuidade resolva o impasse financeiro, haja vista a perda de visibilidade da Associação nos últimos anos.
2. Lançamento de campanha de doação aberta, por meio de boleto bancário e/ou eletrônico com valores variando entre R$ 5,00, R$ 10,00 e R$ 15,00, escolhidos pelo bibliotecário. Nesta ação, se possível, a ser realizada em parceria com o CRB-8 (cedendo a mala-direta e o encarte na sua correspondência), recomenda-se incluir documento apresentando a REAL situação financeira da Associação, prioridades a serem atendidas e plano de ação da gestão 2004/2005. Seria benéfico um manifesto conjunto, assinado pelas entidades de classe, anuindo a iniciativa tomada.

3. Elaboração de um livro de ouro ou de doadores beneméritos junto a 100 bibliotecários que possam doar R$ 100,00 (cem reais). Estima-se arrecadar R$ 10.000,00 (dez mil reais), saldando assim os débitos trabalhistas emergenciais. Para estimular os doadores poderia ser emitido pela APB, certificado ou diploma de benemerência. O ideal seria rever a anuidade explicitada no item 1, assim o doador automaticamente seria um associado diferenciado, tipo doador benemérito por contribuir com duas anuidades. Nessa ação, é fundamental a participação de todos os membros da diretoria em arregimentar doadores, acrescida da colaboração dos bibliotecários abaixo relacionados e outros que queiram somar no saneamento e sobrevida da Associação.

4. Promoção de cursos, eventos ou palestras a preços acessíveis, visando a angariar fundos para a APB. Contatar profissionais e professores dispostos a contribuir neste sentido. Necessário obter espaços gratuitos para realização dos mesmos.

5. Institucionalização das ações em prol da APB. Inclusão oficial e institucional das entidades: CRB-8, sindicato, ABM e FEBAB. Recomenda-se à presidente da APB buscar o diálogo com as entidades, expondo a situação e o movimento deflagrado até o momento. A participação das entidades é uma questão sine qua non para dar respaldo de credibilidade e resgatar a confiança junto à comunidade bibliotecária.

6. Venda casada da sede. A venda do imóvel deve ficar restrita à respectiva compra de um outro. Entretanto, dada a precariedade da infra-estrutura física da sede e a situação dos débitos públicos, a venda só poderá se concretizar com o saneamento financeiro imediato.

7. Relacionado ao item anterior, em face da inadequação operacional da atual sede, verificar a conveniência do CRB-8 ceder, a título emergencial, um espaço ou imóvel para o qual a sede da APB possa ser transferida. Embora se tema a invasão do imóvel, talvez uma vigília periódica possa ser adotada. Fica, porém, a sugestão do grupo neste sentido. Sem uma sede operacional, complica-se a articulação funcional da Associação com a comunidade.

8. A Associação possui um acervo histórico importante. Recomenda-se a cessão provisória, ou mais adequado, o estabelecimento de convênio institucional envolvendo entidades e escolas de biblioteconomia, a fim de preservar o material e dar prosseguimento na sua organização. Talvez o CRB-8 possa ceder o espaço para o armazenamento, tendo em vista possuir uma biblioteca, ou o curso de biblioteconomia da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP). É importante tratar o material institucionalmente, como patrimônio público da comunidade bibliotecária. Não seria conveniente preservá-lo no particular.

Recomendou-se, ainda, fosse aberta uma conta bancária, destinada exclusivamente a arrecadação financeira, sendo as aplicações acompanhadas por um grupo composto pelos tesoureiros e/ou representantes de entidades (CRB-8, SINBIESP, ABM e FEBAB), legitimando as ações, institucionalmente.

Após muita insistência, a presidente da APB marcou a assembléia de associados para discutir as propostas. Em realidade, a assembléia contou com a presença dos quatro membros da diretoria (APB), o grupo de bibliotecários envolvido com as propostas e outros bibliotecários convidados, totalizando pouco mais de uma dezena.

Na oportunidade, a presidente apresentou relato da situação da APB. Os bibliotecários presentes deliberam pela constituição de comissões de apoio. Essas comissões foram criadas na mesma Assembléia, tendo como animador um membro da diretoria da Associação, iniciando as atividades após envio da ata do encontro. Passados vários meses aguarda-se ainda esta ata. Dos itens sugeridos, apenas o acervo da biblioteca "Maria Antonieta Ferraz" acabou transferido para um imóvel cedido pelo CRB-8. Entretanto, a transformação deste acervo em "núcleo inicial da memória da biblioteconomia paulista", não saiu do papel. Tudo continua como antes, só que agora em novo lugar.

O mais deprimente desse estado de penúria da APB é o fato de ter sido no passado uma entidade que forneceu suporte às demais entidades paulistas (CRB-8, SINBIESP e ABM): cedeu um imóvel para que o CRB-8 pudesse ser instalado quando da sua criação (anos 60); abrigou a Associação dos Bibliotecários Municipais (ABM) e o Sindicato dos Bibliotecários, desde a sua luta pela obtenção da carta sindical; mobilizou a categoria em favor das "Diretas Já"; promoveu eventos importantes tais como o COBIB (anos 80 e 90) e as famosas e memoráveis "Jornadas Paulistas de Biblioteconomia" (anos 60, 70 e 80), fundamentais para a integração e visibilidade da profissão por todo o estado bandeirante. Agora agoniza... Até quando?

Este é um drama da biblioteconomia paulista, que colabora diretamente para ampliar a desarticulação do movimento bibliotecário no Estado. Assim, o momento não é de alegria. Só de saudosismo.


FINALIZANDO

Como, inicialmente frisado, o modelo de representação preservado se mostra inadequado para a nova dinâmica da sociedade brasileira, quem sabe, em algum Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, haja espaço para discutirmos esse modelo de representação. Quem sabe, possamos discutir a viabilidade de uma eventual fusão operacional entre as entidades de representação, otimizando os custos e os planos de metas e ações.

Que as velas acesas - em comemoração a efeméride - sejam luzes de esperança para o futuro, e sobrevivência, de nossas entidades. Que a comunidade bibliotecária desperte para a situação atual de algumas de suas instituições. Afinal, uma entidade falida, inoperante ou isolada é o reflexo de uma profissão.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.