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A FORTALEZA DA BIBLIOTECA DIGITAL

Este texto é um relato do Curso Latino-americano sobre a Construção de Bibliotecas Digitais, realizado entre os dias 21 e 25 de fevereiro de 2005, na cidade de Fortaleza - CE. O evento foi uma promoção do Escritório Regional de Ciência da UNESCO para América Latina e o Caribe; Departamento de Ciências da Informação e o Departamento de Computação da Universidade Federal do Ceará, com o apoio da Federação Internacional das Associações de Bibliotecários e Bibliotecas seção América Latina e o Caribe (IFLA-LAC), da Associação de Universidades - Grupo Montevidéu (AUGM) e do Centro Latino-americano de Estudos em Informática (CLEI).

Baseado na missão da UNESCO de promover a livre circulação das idéias, e dentro deste contexto, o de também facilitar o acesso à informação científica, educativa e cultural nas bibliotecas de todos os países; o curso teve como objetivo capacitar especialistas para a difusão e criação de bibliotecas digitais em suas respectivas instituições e/ou regiões.

Neste sentido, participaram do evento 58 profissionais (entre inscritos e docentes), sendo 3 da Argentina; 42 do Brasil; 1 do Chile; 4 da Colômbia; 1 dos Estados Unidos; 1 do Paraguai; 1 do Peru; 2 do Uruguai; 2 da Venezuela.

Os docentes responsáveis pela capacitação foram: Prof. Dr. Ed. Fox (Virginia Tech, E.U.A.), Prof. Dr. Marcos André Gonçalves (Universidade Federal de Minas Gerais), Profa. Samira Sambaino (Escola Universitária de Bibliotecnologia e Ciências Afins, Uruguai) e Prof. Dr. Javier Solorio Lagunas (Universidade de Colima, México).

O curso estruturou-se em três módulos, denominados por mim: 1) Introdução à construção de Biblioteca Digital e Arquivos Abertos, ministrado pelo prof. Edward Fox, co-auxiliado pelo prof. Marcos Gonçalves; 2) Terminologias sobre Bibliotecas Digitais e Softwares Livres, ministrados pelos professores: Samira Sambaino e Javier Solorio; e 3) Aplicações Práticas de Sistemas para Bibliotecas Digitais, também ministrados pelos professores: Samira e Javier Solorio.

Introdução à construção de Biblioteca Digital e Arquivos Abertos

O prof. Fox, abordou uma série de questões técnicas relacionadas aos aspectos referentes a multimídias e hipermídias, linguagens de marcação como SGML e XML, metadados (exemplo do Dublin Core) e da interoperabilidade dos ambientes (exemplo dos Open Archives). Apresentou experiências de construção de bibliotecas e de repositórios digitais, destacando a iniciativa nacional da BDBComp - "Building a Digital Library for the Brazilian Computer Science Community", projeto desenvolvido no Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais. Seu enfoque principal foi a metodologia do 5S, um esquema para a concepção, criação e modelagem de bibliotecas digitais. A interpretação desta construção dá-se sob o conceito ou modelos de Níveis (Stream), Estruturas (Structures) , Espaços (Spatial), Cenários (Scenarios) e Sociedades (Societies). Em resumo, os esquemas podem ser assim compreendidos:

- Os Níveis modelam os tipos, os formatos e as propriedades dos conteúdos suportados pela biblioteca digital: estáticos e dinâmicos (por exemplo: texto, áudio, vídeo). Questões como a preservação e as limitações tecnológicas são aspectos que influenciam nesta fase de modelagem.

- As Estruturas especificam as múltiplas fontes para organização do conteúdo. Descreve-se a estrutura interna dos objetos digitais, o formato de metadados descritivos, as propriedades das coleções e dos catálogos, como também as ferramentas de mapeamento e organização do conhecimento. Os metadados descritivos adotam formatos específicos (Dublin Core, MARC etc.) e usam esquema XML. Isto impõe organização sobre as coleções, catálogos, e conjunto de conceitos relacionados.

- Os Espaços modelam as representações da apresentação lógica e visual e de suporte dos objetos em duas ou três dimensões. Fornece detalhes das estruturas de recuperação, descreve índices e caracteriza a aparência da interface do usuário. As propriedades dos modelos de recuperação de informação incluem formas de recuperação; e as propriedades de índice incluem tipos de controle de palavras restritas (stopwords).

- Os Cenários consistem em uma seqüência de eventos ou ações que descrevem o comportamento de um serviço de biblioteca digital (pesquisar, navegar, submeter, etc.). Basicamente, se modela os serviços ou recursos de informação que satisfação necessidades. Cada um dos serviços é modelado pelas suas propriedades e pela associação com os cenários dos demais serviços.

- As Sociedades compreendem as entidades e as suas relações. Nesta fase de modelagem, a preocupação é de identificar as diferentes comunidades que interagem no ambiente da biblioteca digital e os serviços gerenciados. Dois tipos de Sociedades são distinguíveis: os gestores e os atores. Gestores são as ferramentas ou componentes de programas que operacionalizam o funcionamento da BD, enquanto os Atores exploram esses serviços para atendimento das necessidades de informação.

Sob está metodologia, os docentes desenvolveram uma ferramenta (5SGraphic) para ajudar os bibliotecários e projetistas de bibliotecas digitais a planejarem e elaborarem modelos estruturados em acordo com as exigências que satisfaçam comunidades específicas. A Ferramenta 5S opera sob plataforma Windows, possuindo interface gráfica de fácil interação com o usuário. Cabe mencionar, que o prof. Fox estará novamente no Brasil, entre os dias 15 - 19 de Agosto de 2005, ministrando em conjunto com o prof. Marcos Gonçalves o curso "Digital Libraries: An Overview and Formal Framework", durante o Seminário de Representação da Informação em Contexto - SEGIR - Seminário Internacional, a realizar-se na cidade de Salvador.

Terminologias sobre Bibliotecas Digitais e Softwares Livres

No segundo módulo, a profa. Samira e o prof. Javier abordaram o tema da biblioteca digital e do software livre. A profa. Samira trabalhando com as definições de Philip Barker, comentou algumas definições conceituais:

a) A Biblioteca eletrônica formada por objetos físicos que necessitam de meios eletrônicos para o acesso à informação contida nos mesmos. Em síntese o processo central do sistema se realiza basicamente na forma eletrônica.

b) A Biblioteca digital é composta de um conjunto de materiais e serviços armazenados, processados e acessáveis mediante a utilização de ferramentas e redes de comunicações digitais. A biblioteca digital é formada por coleção em formato digital não tendo publicações convencionais.

c) A biblioteca virtual só existe organizada em um espaço informativo virtual.

O prof. Javier, comentando as terminologias, destacou que: "Biblioteca Virtual é aquela que faz uso da realidade virtual para mostrar uma interface e emular um ambiente que situa o usuário dentro de uma biblioteca tradicional. Faz uso de tecnologia multimídia e pode orientar o usuário através de diferentes sistemas para encontrar coleções em diferentes sítios, conectados a sistemas de computação e telecomunicações". Acrescentou, ainda, a conceituação de Portais: "como conjunto de documentos web e de serviços de informação que se acessa por meio de uma única interface. Podem ser gerais (horizontais) ou especializados (verticais). Basicamente, contendo: informação, diretório de recursos externos, buscador, serviços de comunicação, bases de dados, etc.".

Em relação às definições de software livre, foi destacada a terminologia existente em português, espanhol e inglês: software livre, software de Código Aberto, software de Fonte Aberta; software libre, software de código abierto, software de fuente abierta; e free software (FS), open source software (OSS), free and open source software (FLOSS). Para definição e comparação do sistema livre e do comercial, citou-se o texto de Eric Raymond - A Catedral e o Bazar, como esclarecimento aos dois estilos de desenvolvimento de software: modelo catedral (software comercial) e modelo bazar (software livre).

Com relação à conversão de uma biblioteca existente (coleção de textos, vídeos, etc.) em biblioteca digital, os professores salientaram que é preciso avaliar custos, tempo e outras variáveis associadas à necessidade dos usuários. Neste aspecto, os elementos que estarão presentes são: digitalização e direito de autor. Sobre o requisito digitalização, o processo de escanear envolve adoção de critérios como: cor e resolução; definição de hardware e software; recursos humanos (quem irá desenvolver); recursos econômicos (quanto custará); tempo (prazo de execução). No processo de seleção do material a ser convertido, estabelecer critérios continua importante. Definir os mais requeridos; os mais deteriorados; os atuais; os gerados pela organização; ou todos os materiais. Já, a questão de direito de autor apresenta dois aspectos: permissões ou não de uso da informação. As coleções próprias da instituição facilitam o processo de digitalização por não haver tramitação de permissões para conversão.

Um elemento importante são os metadados e a identificação de qual utilizar, como: Dublin Core Metadata Iniciative, Machine-Readable Cataloguing (MARC), Global Information Locator Service (GILS), Text Encoding Iniciative (TEI), Resource Description Framework (RDF), Encoded Archival Description (EAD), dentre outros.

Na construção de bibliotecas ou de conteúdos digitais há os requisitos de ferramentas de software, basicamente livres. Como exemplo citado pelos professores, temos:

- Editores de Imagens:
o GIMP - GNU (Image Manipulation Program);
o ImageMagick;
o OpenOffice Draw;
o GNU Paint.

- Outros objetos:
o Cinelerra LiVES (criação e edição de video);
o Sweep SoX (edição de som).

- Editores XML (eXtensible Markup Language):
o OpenOffice Writer;
o Amaya;
o Pollo;
o Xerlin.

- Linguagem de programação:
o Perl (Practical Extraction and Report Language);
o PHP (Hypertext Preprocessor);
o Python.

- Protocolos:
o HTTP (Hypertext Transfer Protocol), usado para intercâmbio de arquivos na Web.
o Apache, servidor web que fornece uma plataforma para o protocolo HTTP.
o OAI-PMH (Open Archives Initiative Protocol for Metadata Harvesting).
o Z39.50 (Information Retrieval Aplication Services Definition and Protocol Specification), a norma deriva seu nome (Z39.50) por ter sido desenvolvido pelo Comitê número 39 da ANSI e por ser o padrão de número 50 da NISO.

- Servidor de base de dados:
o MySQL.


Aplicações Práticas de Sistemas para Bibliotecas Digitais

No módulo de aplicação prática, também compartilhada pelos professores Samira e Javier, houve apresentação de dois sistemas. A docente demonstrou o uso do programa Greenstone, projetado para a criação e difusão de coleções de documentos digitais na Internet ou em suporte de CD-ROM. O software foi desenvolvido como parte de um projeto de Biblioteca Digital da Nova Zelândia, pela Universidade de Waikato. Atualmente é distribuído em colaboração com a UNESCO e a ONG Human Info, como software aberto sob GNU - Licença Pública Geral, o que garante a liberdade de compartilhar, alterar e distribuir softwares livres. O programa Greenstone opera nas plataformas Windows 95/98/Me/NT e XP, além das plataformas Linux ou Unix. Para disponibilizar conteúdos na Web, requer servidores: Apache, PWS (Personal Web Server) ou IIS (Internet Information Server). Segundo informações, a Escola de Ciência da Informação da UFMG possui um grupo estudando o sistema.

Já, o prof. Javier, apresentou o sistema "El Dorado", resultado do projeto Biblioteca Ibero-americana e Caribenha iniciado em 1999, como resultado da análise de experiências na América Latina sobre bibliotecas digitais. O projeto foi desencadeado pela UNESCO com a colaboração do Centro Regional de Informação em Ciências da Saúde - BIREME; Centro Nacional de Informação em Ciências Médicas; Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia; e Universidade de Colima. Da colaboração definiram-se os padrões de metadados para descrição de registros, os padrões de digitalização e os protocolos de intercâmbio de informação entre sistemas cliente-servidor. A primeira versão foi criada a partir do Localizador de Informação em Saúde (LIS), realizada pela BIREME. O objetivo inicial foi o de organizar uma coleção básica de obras de domínio público representativas das culturas latinas, e publicadas na Internet para que possam ser acessadas pelas comunidades da região. Desta intenção, o sistema evoluiu em 2003, para "EL DORADO", Versión 3.0 (informações podem ser obtidas na URL: www.cudi.edu.mx/primavera_2004/presentaciones/javier_solorio.pdf). Em março de 2004 foi liberada a última versão. Segundo o prof. Javier, a tradução do sistema para o idioma português está sendo realizada pelo Departamento de Ciências da Informação da Universidade Federal de Pernambuco.


Finalizando

Como resultado deste curso um segundo deverá ser realizado na Colômbia, provavelmente em 2006. Os participantes também criaram um grupo no Yahoo para continuidade da troca de informações.

Na oportunidade, merecem comprimentos os colegas da Universidade Federal do Ceará, pela acolhida e conhecida hospitalidade. Parabenizo, também, a colega Elizabeth Ramos de Carvalho (gerente do escritório da IFLA para a América Latina e o Caribe), que atuou para realização deste curso no Brasil. Em especial, pela homenagem recebida em 1 de abril de 2005, durante solenidade que celebrou, no Rio de Janeiro, a comemoração aos 114 anos dos Tribunais Federais. A homenagem é decorrência de seus esforços em promover a divulgação da biblioteconomia latino-americana e caribenha mundialmente. Elizabeth foi premiada com a medalha "Personalidade Internacional do Ano de 2004".


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.