MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO


  • Reflexões sobre a Mediação da Informação, englobando aspectos teóricos e práticos.

HIBRIDIZAÇÃO: O PRESENCIAL MESCLADO AO VIRTUAL

Participando de um evento presencial, depois de dois anos e meio de isolamento motivado pela pandemia que nos assolou – e ainda assola -, acompanhei, do auditório, as falas dos palestrantes que me antecederam. Uma pessoa sentada duas fileiras à frente chamou minha atenção, pois a cada minuto, ou menos, ela checava o celular. Na maioria das vezes o acesso não resultava em nada, pois ela tão logo ligava o celular, o desligava ou o fazia após verificar alguns apps, creio que, especialmente, o WhatsApp e o Instagram (é o que pude reparar, de longe).

A atitude dela me levou a observar outros participantes e percebi que as ações deles, ou em parte significativa deles, era a mesma da motivadora daquela pequena e empírica pesquisa que comecei a realizar.

Claro que aqueles comportamentos já eram conhecidos por mim e até mesmo esperados. Essa é uma reação comum, hoje, das pessoas com os aparatos tecnológicos. Eles ocorrem quando as pessoas estão sozinhas, mas, também, em espaços divididos com outras pessoas. Há muito, por exemplo, as escolas convivem com esse problema (vou chamar de problema na falta de uma palavra melhor). Sempre pedi que os alunos das minhas disciplinas colocassem o celular no modo “vibrar”, sem som, e o atendessem apenas em caso de alguma ligação importante. Nem sempre os alunos cumpriam o trato, infelizmente, alegando que haviam esquecido de manter o celular sem som, mas, certa ocasião, entrando em sala, me deparei com uma aluna usando fones de ouvido e, quando pedi que ela os retirasse, a defesa foi que ela estava utilizando apenas um dos fones, ouvindo música e, ao mesmo tempo, me ouvindo. Claro que não aceitei o argumento.

Antes mesmo da pandemia essa situação causava estranhezas e pedia um estudo mais aprofundado, embora, no mais das vezes, a reação era a de não aceitar, simplesmente, o uso, por exemplo, de celulares em salas de aula, em cinemas, em teatros, em outros locais semelhantes. Em transportes públicos, restaurantes, supermercados etc., mesmo que o emprego de celulares não nos incomodasse diretamente (a não ser em casos de músicas ou sons altos ou de conversas que eram acompanhadas compulsoriamente), a tendência era que fossemos críticos e contrários ao seu uso.

Durante a pandemia, no entanto, fomos obrigados a nos valer de aparelhos e aparatos eletrônicos e virtuais para continuarmos a exercer nossas atividades de trabalho, de estudo e, em alguns casos, até de encontros com parentes e amigos.

Pensando um pouco sobre essa situação, ou seja, a do uso de computadores ou celulares para o trabalho, estudo e contato com amigos, não podemos simplesmente defini-la como sendo virtual, a distância ou outro nome que evidencie esse distanciamento. Apesar de não estarmos presencialmente reunidos, essas atividades tendem a ser em tempo presente, ocorrendo ao mesmo tempo para todos os participantes, o que determina uma certa presencialidade. Temos, assim, um presencial a distância, ou um virtual em tempo real. É possível afirmar que há uma mescla entre o presencial e o virtual, criando uma situação híbrida.

Voltando, no entanto, ao que dizia no início – o uso do celular durante momentos presenciais -, a minha observação das atitudes das pessoas durante as palestras do evento fez com que eu trouxesse à lembrança o que ocorria em minhas aulas de aula e tudo isso gerou o início de reflexões envolvendo a mescla, a mistura, o mix, a integração, a interação entre o presencial e o virtual. Acho que precisamos discutir melhor essa situação e criarmos formas de lidarmos com ela.

Podemos simplesmente rechaçar o emprego e o uso de celulares ou dispositivos de informação em lugares públicos, promovendo manifestações como as que ocorreram contra a vacina, sistema métrico e outros? É óbvio que não. A tecnologia não é algo descartável, que pode ser anulada ou ter seu emprego determinado apenas para algumas tarefas ou ter seu uso delimitado para alguns momentos.

As nossas preocupações devem estar voltadas para estudar, refletir, pesquisar sobre formas de entender e criar maneiras de um convívio saudável – ou próximo disso -, possível ou, ao menos, amigável entre as tecnologias de informação e seu uso em espaços de convívio de várias pessoas.

As coisas não são apenas boas ou apenas más, elas são ambíguas por natureza. Os celulares, por exemplo, contribuem para a comunicação mais próxima e imediata entre as pessoas; possibilita o acesso rápido a informações; dissemina ideias, concepções, modos de entender o mundo etc., mas, por outro lado, também nos atrai para um espaço não presencial. Além disso, sustentado por propagandas e publicidades que mantêm uma certa gratuidade (aparente), o celular nos chama para um local que é atemporal e sem um lugar determinado (um não lugar).

Nas escolas, por exemplo, o celular contribui com o ensino-aprendizagem na medida em que permite aos alunos a busca de mais informações além daquelas que estão sendo apresentadas pelo professor. É comum citarmos, nós, professores, durante a aula um determinado livro e, no mesmo instante, algum aluno – ou alguns alunos – comentar sobre ele ou, até mesmo, indicar o link para “baixa-lo” quando ele está disponível. É constante, também, que os alunos tragam mais informações, acessadas durante a aula, sobre um conceito, uma concepção, uma corrente teórica, dados sobre um autor e muitas outras contribuições. Por outro lado, o celular chama o aluno para “fora” de aula, atraindo-o com informações descartáveis ou de pouco interesse ou meramente de entretenimento. E muitos desses entretenimentos, na maioria das vezes, criam dependências, além de construir e impor gostos que são replicados e imitados.

Em suma, vivemos em um mundo presencial mesclado com o virtual, ou seja, uma hibridização. Estamos presencialmente próximos (e é uma presença física) de outras pessoas, mas não abandonamos a virtualidade, e esta exige sua “presença” cada vez com maior constância.

A relação presencial com o virtual gera conflitos, muitos conflitos. Como vamos aceitar esse convívio? Precisamos pensar sobre isso, precisamos criar formas para que esse convívio seja mais “palatável”, amenize os problemas que agora estão presentes.

Muitos outros problemas  estão presentes nessa relação, como a desinformação, a contrainformação, as fake news, no âmbito do emprego das tecnologias de informação para interesses abertamente manipuladores; as “bolhas” construídas ao redor das pessoas que lhes permitem acessos apenas ou na maioria das vezes, a informações que correspondem às suas posições e entendimentos de mundo, delimitando suas relações e não oportunizando seu contato com posições contrárias àquelas que defende, no âmbito de um “localismo” imposto e de oferta que reduzam a falta de informação; formação de gostos e determinações de padrões de vestimenta, beleza, comportamentos etc., no âmbito da criação de um mercado global, com um aparente individualismo, e da valorização do consumo.

Há muito por refletir e pesquisar. Pretendi apenas apresentar considerações embrionárias sobre o tema.


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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.