MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO


  • Reflexões sobre a Mediação da Informação, englobando aspectos teóricos e práticos.

E DEPOIS DA PANDEMIA?

Vamos pensar um pouco sobre o que está ocorrendo agora, em tempos de isolamento, e depois do confinamento, no ensino da graduação e da pós-graduação na Arquivologia, na Biblioteconomia, na Museologia e na Ciência da Informação. Mas, nossa reflexão não lidará com essas áreas em separado, uma vez que todas possuem características diferenciadas. Por outro lado, possuem semelhanças que as aproximam e permitem diálogos e interações. Apesar da abrangência de alguns tópicos discutidos, como os voltados para a construção do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, e das pesquisas de iniciação científica, ambas na graduação, nosso foco será a pós-graduação.

Neste período de pandemia, há posições diferenciadas em como devemos nos posicionar quanto as disciplinas e o desenvolvimento das pesquisas.

Alguns defendem que as aulas devem ser suspensas e retomadas quando o isolamento terminar. Outros advogam que as aulas devem ser ministradas na modalidade virtual ou remota. Não gosto do termo “a distância” para identificar essas aulas, pois não é o que está ocorrendo. Tanto professores como alunos estão vivenciando uma aprendizagem em relação a essa modalidade de aula. Poucos tiveram algum treinamento para planejar e implementar esse tipo de disciplina.

A opção em oferecer disciplinas remotamente está vinculada aos entendimentos de cada Instituto de Ensino Superior ou dos Programas de Pós-Graduação. Alguns Conselhos ou Congregações determinam uma posição, de um ou outro lado, e outros liberam para que os professores, em acordo com os alunos, procedam da maneira que acharem conveniente.

É certo que as disciplinas ministradas virtual ou remotamente são diferentes e a primeira, a virtual, certamente sofrerá prejuízos quando comparada com a segunda. Vale lembrar que há professores que alteraram o programa inicial da disciplina, moldando-o para um outro meio de veiculação e, durante a oferta, percebem que existem limitações tecnológicas que impedem, ao menos de momento, que o planejado seja efetivado. 

No caso da pós-graduação especificamente, a concepção sobre a sua natureza pode prejudicar, também, que as disciplinas fluam dentro da expectativa com a qual foram concebidas. No meu caso, entendo a pós-graduação como um espaço para discussão e reflexão e não como espaço de formação, uma vez que os alunos de mestrado e doutorado, quando são selecionados, já estão formados. As disciplinas, com exceção das obrigatórias, são oferecidas sem necessariamente obedecer a um vínculo preestabelecido. Os professores são livres para propor disciplinas que devem ser aprovadas pelo Conselho do Programa. Tais disciplinas podem ser oferecidas ou não em um determinado ano e tem sua continuidade atrelada aos interesses dos professores. A pós-graduação não pretende formar – e mesmo se o desejasse, não conseguiria – profissionais, não é esse o seu objetivo. Interessados são preparados para a pesquisa e para isso desenvolvem uma dissertação no mestrado e uma tese no doutorado. Volto a afirmar que, no meu entendimento, a pós-graduação é o espaço que possibilita a reflexão e a discussão sobre temas específicos e que redundam em um produto acadêmico.

A pesquisa está intimamente relacionada com a pós-graduação. No Brasil, a pesquisa está presente nas Universidades públicas e nos Institutos de pesquisa públicos, especialmente. Os resultados das pesquisas permitem a ampliação das discussões no âmbito da área à qual estão vinculadas.

Além das disciplinas, as pesquisas de mestrado e doutorado enfrentam vários problemas: bibliotecas fechadas, laboratórios funcionando parcialmente ou não funcionando, falta da “vida acadêmica”, contato menor com colegas de interesses comuns, campo de pesquisa fechado etc. 

A pesquisa é solitária por natureza. Essa solidão é quebrada parcialmente – ou amenizada – pelo contato com outros pesquisadores; uma relação, mesmo informal, com os “colégios invisíveis”; pelo uso da biblioteca, que nos possibilita o contato com outros pesquisadores, próximos ou remotos, que se interessam pelo tema geral da pesquisa desenvolvida; as novidades publicadas quando circulamos pelos espaços de uma livraria etc. Durante o isolamento, isso nos é parcial e grandemente vedado.

Isso é o que está ocorrendo durante o “encavernamento” a que estamos obrigados e submetidos, em especial os que se encontram nos grupos de risco.

O que acontecerá com a pós-graduação e a pesquisa na pós-pandemia? Essa é um tipo de questão que não possui uma resposta fácil.

Meu entendimento – e além de entendimento, um desejo – é que haverá uma vacina e um remédio para o novo coronavírus. Não é algo próximo, não é algo para curto prazo. Quando isso ocorrer, as relações de proximidade entre as pessoas estarão de volta. Mas, como serão elas afetadas pelo que passamos? Tudo será como antes? Provavelmente, não.

Esse é um momento em que muitas das nossas verdades e de nossas ações (que são reproduzidas sem um pensamento crítico sobre elas), assim como nossos entendimentos da relação com os outros e com o mundo estarão em questionamento. É provável que não seja um questionamento consciente, mas ele afetará nossos comportamentos, nossa visão de mundo, nossos relacionamentos com os outros e com nós mesmos.

A forma como vivemos foi determinada por um sistema, com ênfase no econômico, que moldou as relações sociais, culturais, econômicas e, claro, educacionais. 

O interesse pelo consumo nos levou a uma individualização: uma TV para cada um, um telefone para cada um, um carro para cada um, um rádio para cada um etc. A individualização não garante um pensar exclusivo ou necessidades individuais. Ao contrário, o que vale é individualizar o produto, a mercadoria – para que haja mais consumo e mais produção – e massificar, globalizar, tornar única a necessidade. É o que vivemos hoje. 

A TV é essa educação massificada: a criança em frente a uma TV individual, dela, e o conteúdo sendo passado com um aparente desinteresse, embora esteja presente a reprodução de um pensar.

Há muito vivemos um espaço privado no lugar de um espaço público. Os espaços públicos estão desaparecendo (se ainda existem). As relações das pessoas com classes sociais diferentes, também, praticamente, não existem mais. As escolas públicas foram destinadas para os pobres, para as classes trabalhadoras e as escolas particulares para os segmentos dominantes da sociedade. Nos shoppings - dependendo da vestimenta, do tipo físico e outros aspectos -, pessoas são barradas; o interesse do shopping não é permitir o contato entre as pessoas, não é criar um espaço de convívio, isso é secundário, o principal objetivo de um shopping é o consumo, a venda de mercadorias ou de serviços. Não há mais brincadeira de ruas nas grandes cidades (exceto na periferia). As crianças vivem na escola, nos espaços recreativos dos condomínios, estudam inglês, dança, artes marciais, algum instrumento, enfim, estão sempre em espaços de convívio de pessoas cuja posição social é comum.

Com o isolamento, essas relações se acentuaram: se restringiram à família, ou melhor, a um pequeno núcleo da família, basicamente constituído pelos pais e pelos filhos. Avós e outros parentes não estão incluídos entre os que podem e devem ter uma relação física.

Aulas ofertadas na modalidade EaD para 1000, 2000 alunos pode ser um exemplo de como individualizamos o produto de acesso (o computador, o celular), mas massificamos o conteúdo. Um único professor ministra aulas sem ver os alunos, ele planeja a partir de um perfil ideal de quem deseja formar, que desconsidera as características e diferenças regionais etc. Isso pode ser amenizado com a participação de tutores, desde que bem treinados e com formação apropriada. Quebra-se o atendimento individual, a aula presencial, em que o professor percebe que deve alterar o rumo da aula e da própria disciplina pela forma como os alunos estão interagindo, observando não só a fala, mas a comunicação não verbal.

(Em tempo: vi uma notícia sobre o emprego por uma grande rede de ensino brasileira de robôs fazendo as vezes de tutores. Espero que tenha sido, caso verdadeiro, um caso isolado).

Não sou contra a EaD, mas acho que ela possui um espaço e não pode ser empregada como alternativa a toda modalidade de ensino. Entendo a EaD como ferramenta e forma imprescindível para alcançar e permitir que pessoas que vivem em lugares não atendidos por cursos presenciais, tenham o acesso aos cursos e a uma formação. Mas, repito, a EaD tem um espaço e deve ocupá-lo coexistindo com outras formas de ensino.

Como serão as escolas, os cursos, as formações das pessoas? Vão se valer de Facebooks, Twiters, Instagrams, WhatsApps da vida? Valer-se deles ou torná-los como única forma de ensino?

A rapidez exigida pela vida atual, que tornou mentira o que apregoava os arautos da tecnologia (que teríamos mais tempo livre e menos trabalho), e a linguagem dos veículos tecnológicos de informação (embora a televisão, o rádio, o cinema também limitavam espaços de disseminação), determinam formas curtas para veicular informações. Há autores que a entendem como “slogans”, divulgados sem discussão e que são facilmente reproduzidos e compartilhados. Padrões, formas, que não dão espaços para que o indivíduo se manifeste ou, ao menos, construa concepções próprias. Escolas de ensino fundamental e médio se valem de apostilas, adquiridas de grupos de ensino e que as comercializam em todos os estados brasileiros. O professor deve ministrar aquele conteúdo e pode se assemelhar àquele robô que substitui tutores nos cursos de EaD.

Em alguns lugares, no ensino fundamental e médio, as aulas estão sendo ministradas virtualmente. Boa parte dos alunos, no entanto, não possui condições mínimas para acompanhar essas aulas. Isso ocorre principalmente nas escolas públicas. Muitos seguem as aulas pelo celular; aqueles que o possuem e têm uma internet com banda adequada e tempo suficiente para cobrir todas as aulas. Outros, dividem o mesmo celular com irmãos – em alguns casos, vários irmãos. Aos alunos que não possuem essas condições mínimas de acesso às aulas, são oferecidos pacotes com materiais em papel. Os pais passam nas escolas, recolhem os materiais e os filhos os utilizam para estudar. Uma outra prática de ensino, diferente da presencial e da EaD.

O que vai acontecer com a educação em todos os âmbitos após o fim do isolamento? 

É possível que exista, por parte do setor econômico, a exigência pelo retorno nos moldes vividos até agora. Alterações muito grandes no modelo econômico não ocorrerão, isso é certo. Do mesmo modo, em vários outros setores viveremos uma realidade não muito diferente da que vivíamos antes da pandemia, incluindo a educação e a pesquisa. Mas, creio, os questionamentos, as reflexões estarão latentes, estarão presentes em várias pesquisas, em artigos, textos, produtos acadêmicos. Também farão parte das discussões nos equipamentos informacionais, nos dispositivos em que atuam os profissionais da informação e nos espaços de atuação de professores e pesquisadores.

As mudanças não são rápidas, mas qualquer alteração na rotina cotidiana – constituída de um fazeres não críticos – nos apresenta um novo modo de ver o mundo; e esse novo olhar pode exigir transformações que têm inícios individuais, mas que se avolumam quando se encontram nas interações dos sujeitos.


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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.