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A INOVAÇÃO CIRÚRGICA NA BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA

As universidades públicas, no país, enfrentam uma crise financeira e política. A retenção ou corte de recursos por parte dos gestores responsáveis pelas diretrizes e programas relacionados com o setor do ensino superior, tem sido motivo de questionamentos pela comunidade acadêmica. 

Se as universidades passam por crise, os sistemas de bibliotecas, nelas existentes, também entram em crise; em alguns casos até mesmo em situação de colapso.

Afinal, bibliotecas universitárias são sistemas que não operam isoladamente de suas instituições de acolhimento. Sua estratégia de desenvolvimento deve estar alinhada com a da instituição, bem como a sua visão do futuro. 

Assim, é razoável supor que as políticas que atualmente afetam o setor têm impacto sobre as bibliotecas universitárias. E o impacto não se reflete apenas em seu funcionamento, mas também nas iniciativas de mudanças e definição de prioridades, ou seja, na definição de seu plano estratégico de curto, médio ou longo prazo.

Apesar do cenário pouco otimista até o momento, é sempre importante repensar a inserção da biblioteca universitária e/ou do sistema de bibliotecas universitárias na Universidade brasileira; e o seu papel dedicado ao aprimoramento e desenvolvimento acadêmico da comunidade que atende, em consonância com as tendências internacionais das bibliotecas universitárias contemporâneas. 

A transição marcante dos suportes de informação do meio impresso para o digital, coloca novos e significativos desafios para a gestão dos serviços de biblioteca, entre eles a necessidade de incorporar tecnologias da informação, definir novas políticas e procedimentos técnicos, identificar riscos e oportunidades para a melhoria da qualidade dos seus dados, produtos e serviços, além de capacitar, continuamente, as equipes e os seus usuários.

Neste sentido, emerge atualmente, o caso da Universidade de São Paulo e do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP - SIBI. Segundo comentários, na busca pela inovação do Sistema, um Docente de Medicina foi nomeado Diretor Técnico do SIBI. Com a nomeação surge a proposta de transformar ou apensar o SIBI sob a custódia de uma Agência de Gestão da Informação Acadêmica - AGIA.

Em realidade, tem-se mais uma proposta, entre tantas outras preconizadas para o Sistema de Bibliotecas. Por exemplo, em 2014, a própria Universidade constituiu um Grupo de Trabalho, pela Portaria do Reitor de 13.03.2014, que resultou no Relatório Final: “O papel das bibliotecas na estrutura das universidades modernas e a reestruturação do Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo”. 

O Grupo de Trabalho propôs uma série de recomendações que consideravam os novos modelos de bibliotecas universitárias e sua inserção na missão da Universidade contemporânea e, também, apontou para possíveis soluções sobre alguns dos problemas então existentes. Nota-se, entretanto, que esforços, tempo e recursos dispendidos costumam tornar-se em vão, no âmbito universitário.

Hoje, alegam-se que a complexidade do ambiente universitário envolve alto custo e uma permanente transformação das atividades de pesquisa, aspectos que requerem um novo modelo conceitual, a saber: Incremento da coordenação; Polos de Acesso e Estudo; Compartilhamento; Agilidade e Racionalidade; Visibilidade e Impacto.

Como proposta de inovação, apresenta-se os termos:

§ Bibliotecas Polos: constando de bibliotecas revitalizadas de alto padrão; oferecimento de serviços, espaços, acesso a recursos e informações – locais de atendimento e permanência; os polos serão constituídos conforme a área de conhecimento e as potencialidades de cada Campus ou região, criando uma rede de cooperação.

§ Escritório de Comunicação Acadêmica: Promoção de políticas e recursos de acesso aberto; Expansão e Manutenção do Repositório Institucional da USP; Apoio ao pesquisador (identificação, visibilidade, pesquisa, escrita e redação, fomento).

Quanto aos objetivos da Agência: a) Planejar a reestruturação de atividades, acervos e pessoas; b) Promover espaços de aprendizado e pesquisa para apoiar a experiência e vivência em uma Universidade de alto nível, reconhecida mundialmente; c) Promover programas inovadores de desenvolvimento de coleções digitais; d) Promover ciência aberta, acesso aberto, publicação acadêmica, licenciamento e direitos autorais, políticas editoriais de acesso e arquivamento, identificação digital, análises e mineração de dados de produção, perfis e visibilidade das atividades do pesquisador, repositórios de produção científica e de dados de pesquisa, impacto e métricas, melhores práticas, prevenção do plágio, gestão e padronização de dados científicos, reprodutibilidade, entre outros.

Salienta-se a busca pela excelência, destacando a necessidade de um novo modelo capaz de: a) Contribuir para a excelência da docência e do ensino de graduação e pós-graduação por meio da gestão integrada, compartilhamento de espaços e coleções, racionalização de serviços e produtos; b) Contribuir para a excelência da pesquisa, impacto e visibilidade da produção da Universidade por meio da efetiva comunicação acadêmica (Office of Scholarly Communication); c) Unindo as duas vertentes, fundamenta-se o conceito de Agência que coordena atividades e atua dentro e fora da Universidade.

O problema básico, desta proposta é o seu desconhecimento, aliado a ausência de uma maior discussão envolvendo bibliotecários, docentes, estudantes e demais funcionários; todos usuários das bibliotecas existentes na universidade.

Certamente, na crise, têm-se a oportunidade de repensar as bibliotecas, em especial, quando a universidade possui no seu quadro acadêmico Cursos de graduação e programas de Pós-Graduação relacionados à Biblioteconomia e Ciência da Informação.

Aliás, é recomendado que as Bibliotecas Universitárias Brasileiras coloquem em seus planos estratégicos ações de inovação; até para não serem surpreendidas por medidas diretivas estabelecendo modelos organizativos nos serviços bibliográficos, por possível inércia profissional.

Conforme destacam Prokopcik e Kriviene (2013), fatores internos e externos que afetam as atividades da biblioteca universitária devem ser considerados como incentivo para a busca de novas estratégias, novos campos de atividades, implementação de serviços inovadores, fortalecimento do papel e imagem da biblioteca dentro da comunidade acadêmica.

Buscar inovar os sistemas de bibliotecas é algo salutar. Neste aspecto, cita-se, dentre outras experiências sobre mudanças e inovações em bibliotecas universitárias, os casos do MIT e da Universidade de Sheffield:

O Massachusetts Institute of Technology – MIT promoveu um programa orientado a transformar, sua biblioteca, em uma plataforma global de conhecimento e, ao mesmo tempo, implementar ampla discussão sobre qual o “Futuro das Bibliotecas Universitárias”. 

A Instituição procurou articular uma ousada visão para as suas bibliotecas, no contexto da pesquisa moderna, ciência aberta, compartilhamento de dados etc. Para tanto, constituiu uma força-tarefa, composta de docentes, estudantes, bibliotecários e funcionários para coordenar as discussões, coletas de sugestões ou de ideias, e pensar de forma ampla e criativa o papel de liderança que as bibliotecas devem desempenhar no futuro. 

Entendeu, que deve haver uma evolução no sistema de informação bibliográfica para melhor prover a criação, disseminação e preservação do conhecimento, e não apenas apoiar a missão do MIT, mas também ajudar a instituição em se posicionar como líder na reinvenção das bibliotecas acadêmicas como espaços interdisciplinares (virtuais e físicos), onde estudantes, docentes e outros membros da comunidade universitária podem encontrar recursos, tecnologias e conhecimentos necessários para avançar seus saberes e servir o mundo.

A Biblioteca da Universidade de Sheffield realizou uma série de entrevistas e workshops com grupos de interesse, como parte de um projeto estratégico para refletir sobre o valor da biblioteca universitária no século XXI (Boyce, 2019). 

Por meio de procedimento metodológico, os participantes foram convidados a refletir sobre o futuro da Educação Superior no âmbito da universidade, para a comunidade acadêmica, e as disciplinas ministradas. 

Nesse contexto, os participantes dos grupos também foram solicitados a refletir sobre o futuro “valor da Biblioteca” para a Universidade, por meio de uma série de perguntas destinadas a extrair indicadores deste valor, ao que os coordenadores do projeto chamaram de "Roda do Valor". 

As reflexões resultantes foram agrupadas em quatro categorias que indicaram os aspectos impulsionadores da mudança: Digitalização, Experiência Estudantil, Diversificação e Colaboração; e reconhecendo a existência de sobreposição e interconexão entre as categorias. 

A abordagem desenvolvida, mostrou-se útil na obtenção de respostas diante da reconhecida dificuldade em ir além das visões atuais de biblioteca. Os autores da pesquisa recomendam que outras universidades busquem realizar projeto similar.

Os resultados da pesquisa foram utilizados para informar o desenvolvimento de uma visão da biblioteca com o propósito de envolver a comunidade universitária da Sheffield e de seus parceiros-chave.

Enfim, concluímos os comentários com uma citação de Yochai Benkler em seu livro “The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom”:

Informação, conhecimento e cultura são centrais para a liberdade e o desenvolvimento humano. a forma como são produzidos e trocados em nossa sociedade afeta criticamente nossa visão do mundo como ele é e como poderia ser; quem decide essas questões; e como nós – sociedades e governos – entendemos o que pode e o que deve ser feito. Durante mais de 150 anos, democracias modernas complexas têm dependido em grande medida de uma economia industrial da informação para estas funções básicas. Nos últimos 15 anos, nós começamos a ver uma mudança radical na organização da produção de informação. Habilitados pela mudança tecnológica, estamos começando a ver uma série de adaptações econômicas, sociais e culturais que tornam possível uma transformação radical na forma como construímos o ambiente informacional que ocupamos como indivíduos autônomos, cidadãos e membros de grupos culturais e sociais. Parece ultrapassado hoje em dia falar da “Revolução da Internet”. Em alguns círculos acadêmicos, isto é verdadeiramente ingênuo. Mas não deveria ser. A mudança trazida pelo ambiente da rede de informações é profunda. É estrutural. Ela vai até as bases de como mercados e democracias liberais têm co-evoluído por quase dois séculos.

Indicação de leitura:

Boyce, G.; Greenwood, A.; Haworth, A.; Hodgson, J.; Jones, C.; Marsh, G.; Mawson, M.; Sadler, R. Visions of value: Leading the development of a view of the University Library in the 21st century. The Journal of Academic Librarianship, 45, p. 1-8, 2019. <https://bit.ly/33WHBui> 

MIT Libraries. The future of libraries: about the ad hoc Task Force on Future of Libraries. Disponível em: https://future-of-libraries.mit.edu/about.

PROKOPCIK, M.; KRIVIENE, I. Managing change in academic library: the case of Vilnius University Library. Library, 57, 2/3, 2013.

 


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.