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INOVAÇÃO DA IA EM BENEFÍCIO DA INTELIGÊNCIA BIBLIOTECÁRIA

A inteligência artificial (IA) é o tema quente do momento. Encontra-se na agenda de todo evento que trata de tecnologia e inovação. Afinal, com sua evolução, ela insere-se na vida cotidiana das pessoas, nos processos das organizações, e isso tudo de forma crescente. Essa evolução ou revolução – da IA, também causa desconforto e temor para alguns, enquanto que para outros é fascinante e desperta curiosidade. 

Descrever a IA como algo maligno e danoso a humanidade é uma percepção divulgada em filmes de Hollywood. Para especialistas, a IA terá a ética moral que definirmos em seu desenvolvimento. Assim, criar uma máquina de inteligência que pense para aprender os valores humanos será importante para assegurar a própria segurança da raça humana. Ao abordar a IA, levanta-se a questão de como esse recurso sofisticado pode impactar o futuro da Biblioteconomia e do trabalho bibliotecário? 

Inicialmente, importa entender que a inteligência artificial é um campo da ciência da computação, cujo desenvolvimento procura simular aspectos da inteligência humana, ou seja, sistemas autônomos que possam pensar e agir como humanos, e/ou algoritmos que pensem e agem logicamente, além de serem dotados da capacidade de interagir com ambientes virtuais e reais. As áreas de pesquisa de IA incluem os games, a linguagem natural, a robótica e a visão sensorial, dentre outras áreas. As aplicações diversificadas e as inovações decorrentes são amplas e desta forma também afetam o ambiente biblioteconômico.

Adetoun Oyelude, bibliotecária e pesquisadora, em um breve texto: “What’s trending in libraries from the internet cybersphere – artificial intelligence and other emerging Technologies”, destaca que as tendências atuais das inovações na Biblioteconomia caminham para a inteligência artificial e a literacia da informação, ambas alias estão até interligadas. Porém, no que se refere a IA, é esperado mais sistemas inteligentes dotados de aprendizagem independente o que permitirá adaptação a todos os serviços, objetos e/ou dispositivos habilitados por tecnologias. Há uma crescente demanda por tais habilidades. Muitos desses recursos são projetados para serem capazes de imitar a empatia humana na interação, bem como atender e responder perguntas mais complexas. 

A respeito dos dispositivos inteligentes, a Consumer Electronics Show (CES), uma feira anual, de abrangência internacional, que apresenta as tendências das inovações tecnológicas, em sua última edição, CES de 2018, listou sete inovações de destaque. A simples visualização dessas tendências, permite imaginar alguns dispositivos que devem fazer parte dos serviços e produtos da biblioteca, em breve. Muitos dispositivos estão impregnados de IA, o que ilustra o nível da popularização e do acesso público alcançado pela tecnologia.

Neste aspecto da popularização tecnológica, destaca-se o sistema IA usado pelo Google. O algoritmo RankBrain que interpreta as consultas dos usuários e oferece recomendações e sugestões baseadas em consultas anteriores. O sistema substitui o processo do SEO (Search Engine Optimization/Otimização para mecanismos de busca), que envolvia a adição de metatags (linhas de códigos ou etiquetas) nas páginas em HTML. Como o RankBrain compreende o significado do conteúdo contido em textos, áudios e vídeos, as agências especializadas em SEO começam a dar mais ênfase ao conteúdo, em vez de limitar apenas ao uso de palavras-chave ou otimização de metadados descritivos.

Na gestão de conteúdo, as inovações que afetam o trabalho bibliotecário já estão disponíveis. Um exemplo é o Wordsmith, sistema capaz de gerar histórias, relatórios, resumos e textos personalizados. Desenvolvido pela Automated Insight, o sistema personaliza o processo de escrita. Tem como clientes: Allstate, Associated Press, Edmunds.com e Yahoo!.

Ainda, na gestão de conteúdo, há o The Grid, que permite a qualquer pessoa produzir sites com design profissional, e que embute recursos de IA. Esse recurso é chamado de Molly, um assistente de criação de conteúdo digital que realiza o desenvolvimento do site. Bibliotecas podem achar o recurso útil para projetar seus sites ou usar em seus makerspaces ou espaços de criação colaborativa para ajudar os seus usuários na produção de conteúdo digital. Opera como web design, que por meio de conversação (perguntas/respostas) sobre a concepção da marca (branding), cores, layout e conteúdo. O sistema estrutura-se em algoritmos pré-programados, que geram automaticamente o website. O sistema também executa o processo de atualização do site. A plataforma na medida que é usada promove o seu próprio aprendizado de máquina

Esse desenvolvimento e disseminação no uso da IA, promove impactos sobre a força de trabalho e que serão crescentes nos próximos anos. Relatórios do Fórum Econômico Mundial alertam para a ampla automação dos empregos. Estima-se que cerca de 60% das ocupações realizadas pelas pessoas podem ser automatizadas pela inteligência artificial, aprendizagem de máquina, aprendizagem profunda. Todas tecnologias executadas por robôs.

Neste contexto, leva-se a pensar sobre como as ocupações realizadas por bibliotecários serão afetados pela IA. No Brasil, o assunto começa a ser abordado, ainda que de forma incipiente, em especial no âmbito da área da informação e documentação jurídica. Até porque a área do Direito ou área jurídica começam a ser afetadas pelos recursos de IA com consequente aumento do grau de automação nos controles e processos jurídicos. Aspectos que alertam aos bibliotecários para a inovação de práticas e atualização de competências. Saliente-se que, no âmbito da formação jurídica, disciplinas de IA começam a fazer parte da grade acadêmica.

Mas, se é percebida essa expansão tecnológica, também há governos mais atentos aos impactos sociais e econômicos, se antecipam e se mobilizam a respeito das novas personas profissionais que começam a coabitar o mercado de trabalho, no caso robôs e inteligência artificial. O jornal The Guardian, em matéria de 14 de janeiro de 2017, “Give robots 'personhood' status, EU committee argues” destaca a ação do Parlamento Europeu, que encaminhou esboço de um conjunto de regulamentos para governar o uso e a criação de robôs e IA. Esses regulamentos incluíam a compreensão de uma nova forma de “personalidade eletrônica” e de garantias de direitos e de determinação de responsabilidades da IA. As preocupações emanadas justificaram-se com base na atenção às seguintes áreas:

§ A criação de uma agência europeia para robótica e IA;

§ Definição legal do conceito de “robôs autônomos inteligentes”, como sistemas de registro de recursos ou programas mais avançados;

§ Adoção de um código de conduta para engenheiros de robótica, que norteie a orientação de projetos, produção e o uso ético de robôs;

§ Elaboração de uma nova estrutura de relatórios para as empresas, com a exigência de descrição quanto a contribuição da robótica e da IA aos resultados econômicos da empresa para fins de tributação e contribuições para a previdência social; e

§ A constituição de um novo esquema de seguro obrigatório para as empresas cobrirem danos causados por seus robôs.

A proposta regulatória embute, ainda, a preocupação com o risco do uso competitivo dos robôs que resulte em amplo desemprego. Neste sentido, estipula o exame “sério” de uma renda básica geral aos trabalhadores humanos, como uma possível solução. É possível imaginar um cenário, onde atividades operacionais no tratamento e circulação da informação registrada seja executada por máquinas de IA, como o marco regulatório da profissão bibliotecária brasileira será afetado? Como essas personas artificiais serão disciplinadas no âmbito dos serviços bibliotecários?

Ainda, neste contexto das inovações, outra tendência é a Internet das Coisas. Já, em 2017, era estimada a existência de cerca de 30 bilhões de dispositivos conectados à Internet das coisas (IoT), com a previsão de um crescimento, até o final da década, de aumentar para 50 bilhões de dispositivos, de acordo com Brad Kelechava, em seu texto, “The Emergence of the Internet of Things (IoT) in Homes”, publicado na rede. A IoT, portanto, vai espalhando o seu alcance por diversos cenários. Em especial, a tecnologia inteligente incorpora-se aos eletrodomésticos, aprimorando o modo como as atividades diárias são realizadas. Além dos utensílios domésticos como: smart TVs, medidores inteligentes, luzes inteligentes, detectores de fumaça inteligentes e, é claro, os smartphones, esses recursos acabam por realizar, para seus usuários, melhores escolhas de produtos e serviços. Entretanto, a inteligência digital incorporada nos dispositivos apesar de simplificar o uso, contribui para rastrear nosso comportamento e forma de utilização uso que permite aos fabricantes tomarem decisões no desenvolvimento de projetos e da produção. 

A IoT está nas bibliotecas, por meio de dispositivos de disseminação da informação. Exemplo da Orlando Public Library com a implementação do dispositivo BluuBeam, baseado na tecnologia da Apple iBeacon. Também pode estar nas bibliotecas por utilitários, como os aspiradores robôs inteligentes que fazem uso de regras condicionais para circunstâncias particulares. Programados para saber em qual ambiente devem aspirar a poeira. Imagine esse utilitário circulando pelo espaço da biblioteca.

Neste contexto tecnológico do rastreio de comportamentos, surgem questionamentos em relação a adoção de uma tecnologia que coleta dados de forma desenfreada. O aumento da IoT apresenta riscos, pois quanto mais dispositivos conectados, mais informações estão abertas para pessoas ou instituições que provavelmente não deveriam tê-las. 

Jim Hunter, no texto: “Security is the categorical imperative of the Internet of Things”, comenta que qualquer coisa que não seja segura não deveria ser disponibilizada na internet. Porém, os consumidores querem aplicativos baratos, descomplicados e inovadores do tipo “plug and play”, utilitários automatizados, conveniências programáveis. Assim, as empresas respondem à demanda com objetivo de lucro, que é a realidade do mercado real. Portanto, seria a hora de respirarmos fundo e reconsiderar as prioridades da IoT. Afinal, há uma tensão inerente entre a noção de Internet, que é projetada para compartilhar informações, e os dispositivos e soluções de IoT, que são cada vez mais “pessoais”, e coletam e usam informações que deveriam ser protegidas.

A internet das coisas é um movimento de conectividade em rede para enviar e receber dados. Os desenvolvedores da Web podem não estar diretamente envolvidos na criação desses tipos de dispositivos. No entanto, é provável que até mesmo bibliotecários se envolvam no desenvolvimento de aplicativos que usam, analisam e exibem os dados dos dispositivos. Empresas como Xively e BugLabs começaram a trabalhar em aplicativos que podem ser usados por desenvolvedores para se comunicarem com os dispositivos IoT. Bibliotecas, portanto, por pressão externa ou planejamento estratégico precisam explorar de forma inteligente o potencial das inovações tecnológicas para fornecer inovados serviços integrados aos dispositivos baseados em IoT.

Entretanto, embora a IoT traga muitas oportunidades para a inovação, algumas preocupações foram levantadas, especialmente em torno da segurança. Sem dúvida, os desenvolvedores da web terão desafios interessantes para enfrentar – ajudando a proteger nossos acessórios e móveis de hackers.

Ainda, no contexto dos utilitários, emerge a atuação da biblioteca no estudo da usabilidade do usuário, para seus recursos baseados em utilitários ou dispositivos tecnológicos. Manifestação neste sentido é encontrada no trabalho da bibliotecária e pesquisadora, Nicole Palazzo, que no texto “Top Five Pop Up Tech Toys for Teens”, aconselha aos bibliotecários a ofertarem brinquedos tecnológicos aos adolescentes para despertar o interesse dos seus usuários. Destaca também que a energia da juventude pode ser canalizada de diferentes maneiras através da tecnologia. Mesmo antigos aparelhos tecnológicos, como velhos toca-discos, câmeras fotográficas e acessórios, e antigos dispositivos quebrados (rádio, televisão, telefones) podem ser úteis e estimulantes para que os jovens possam compreender o uso das novas tecnologias, como óculos de realidade virtual e brinquedos STEM. Os dispositivos quebrados acompanhados de ferramentas propiciam a experiência de como consertá-los e observar seu funcionamento. Aspectos que contribuem inclusive para uma maior consciência social orientada a preservação de outros tipos de suportes dos registros de memória.

Mas, as inovações também dependem de bibliotecários que aliem o domínio da área biblioteconômica com a competência em tecnologia. O que se denomina profissionais bibliotecários de tecnologia ou de inovações tecnológicas. Que não se limitam apenas a realizar a curadoria de recursos tecnológicos, mas que buscam maneiras de criar novas experiências aos seus usuários. E, até mesmo fornecer a tecnologia necessária para muitos que normalmente não têm acesso.

Este fato, da contribuição do bibliotecário em explorar seu papel de estimulador tecnológico, é destacado pela bibliotecária Margaret Ambrose, no texto “Information Literacy Instruction May Not Be Enough”, no qual defende que os bibliotecários sejam mais proativos, porque a literacia informacional pode não ser suficiente para atender às necessidades dos seus usuários.

Em síntese, a inteligência bibliotecária deve ser racional, e pensar de forma colaborativa, agora com a inteligência artificial, até mesmo para alavancar as suas próprias competências profissionais.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.