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LIBRARIES OF THE FUTURE

Bibliotecas são ambientes receptivos às inovações tecnológicas. Por vezes acolhem de forma rápida, em outras, a acolhida é mais lenta, mas sempre receptivas ao uso das tecnologias em seus processos de organização, armazenamento e circulação da informação; bem como na exploração e desenvolvimento de novos serviços e produtos. É, neste contexto, que se desenvolve o comentário sobre o futuro das bibliotecas; porém, por meio de um retorno ao passado para destacar o livro de Licklider que, cinco décadas atrás, vinculava o futuro das bibliotecas às tecnologias computacionais.

Inicialmente, para quem desconhece, J.C.R. Licklider [Joseph Carl Robnett Licklider, 1915-1990], foi professor de engenharia elétrica no MIT, cientista da informação no Thomas J. Watson Center of IBM, e diretor do Information Processing Techniques Office (IPTO), departamento do Pentágono, cuja estrutura era responsável pela alocação de fundos do Ministério da Defesa dos EUA para a indústria de computadores. Ressalte-se que essa função foi central no que se refere ao desenvolvimento de computadores para processamento em redes compartilhadas; projetos de interação humano-computador, e a ARPAnet (primeiro embrião da Internet). É, principalmente, lembrado por seu pioneirismo na criação da computação moderna.

Trabalhando neste ambiente de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico, em 1965, ele publicou o livro: Libraries of the Future, um estudo sobre como as bibliotecas poderiam ser no final do século XX. Neste livro foi analisado os sistemas de armazenamento, organização e recuperação de informações registradas, o uso de computadores em bibliotecas; bem como o desenvolvimento dos sistemas de perguntas-respostas. Em suas reflexões, Licklider foi, provavelmente, o primeiro a levantar questões sobre a transição do livro da sua forma impressa para a forma eletrônica. 

Elaine Svenonius (pesquisadora conhecida pelos estudos sobre a organização do conhecimento com a teoria da catalogação) comenta que Libraries of the Future configurou-se como um relatório final de projeto, coordenado pelo autor, sobre novas técnicas de tratamento das informações. O projeto foi patrocinado pelo Council on Library Resources (CLIR).

O livro está dividido em duas partes. Na primeira parte, o autor desenvolve suas reflexões sobre como gostaria que fosse a interação humana com o conhecimento. 

Assim, à medida que projetava seus prognósticos sobre o futuro das “bibliotecas” no ano 2000, as definia como "sistemas procognitivos" (sistemas que introduziam profundas mudanças nos processos de geração, aquisição, organização e uso do conhecimento registrado). 

Na visão de Licklider, na medida que a ideia de "livro" deixasse de ser central, a ideia de "conhecimento" assumiria a centralidade, como o acesso a esse conhecimento sendo realizado através dos computadores. 

Nesta visão, de Licklider, estava acrescida da sua abordagem sobre a interação humano-computador nos sistemas procognitivos, que é uma extrapolação imaginativa das capacidades dos computadores atuais. Certamente, faz-se necessário um autêntico vocabulário técnico para melhor compreender essa imagem prognosticada por ele. 

Svenonius destacou que o livro Libraries of the Future deveria ser leitura obrigatória nos cursos de Biblioteconomia, não só pela curiosidade histórica e dos temas tratados, e que hoje estão presentes nas bibliotecas. Deveria ser lido pelo seu tom em geral otimista; além de ser uma obra aberta ao mesclar conceitos das ciências da informação e da computação. 

Outro aspecto, é o fato do livro também estar situado na linha de pensamento iniciada vinte anos antes por Vannevar Bush em seu artigo As We May Think.

Licklider lamentava que as pessoas não se interessassem pela interação pessoal com o “corpus de conhecimento”. Entretanto, para ele, o futuro iria remediar isso, uma vez que o valor econômico da informação e do conhecimento estava aumentando. E embora esse corpus de conhecimento aumentasse exponencialmente, ele observava que a tecnologia também estava crescendo de forma exponencial, e interpretava esse crescimento em uma taxa proporcional ao fator de crescimento do próprio corpus. Ele considerava que a tecnologia ainda não havia atingido os limites físicos fundamentais de seu desenvolvimento, e assim, ainda no século vinte, poderia ser tecnicamente capaz de processar todo o corpus de conhecimento registrado sob quase qualquer forma que pudéssemos descrever; e estimava que em dez ou vinte anos, provavelmente, as máquinas estariam a refletir sobre subcampos separados do corpus e a organizá-los para o acesso e uso humano.

A abordagem que desenvolveu na primeira parte de sua obra se apresenta como um exemplo hipotético do uso de um sistema procognitivo empregando um computador que é ligeiramente mais do que humano. Há, nesta abordagem, um enfoque inicial da inteligência artificial que se aplica hoje nos processos computacionais.

De maior substância conceitual e menos otimista, a segunda parte do livro explora o uso de computadores no armazenamento, organização e recuperação de informações. Para tanto, são apresentados o trabalho de D. G. Bobrow para automatizar a análise sintática de textos em inglês; a medida de J. A. Swet sobre a eficácia dos sistemas de recuperação de informação; e as redes semânticas de T. Marill. Neste último enfoque a obra antecipa em 30 anos os conceitos da Web Semântica de Tim Berners-Lee.

Grande parte dos trabalhos abordados envolvem experimentações de novas técnicas de programação e, neste aspecto, o interessante são os sistemas de resposta a perguntas desenvolvidos. Apesar da linguagem das perguntas respondidas pelo computador serem logicamente muito simples, é certo que a interação começou simples e, na atualidade, evoluiu para processos mais complexos de interação. Apesar das inovações preconizadas, o projeto de implementação narrado teve curta duração.

Libraries of the Future de Licklider contém temática interessante para a reavaliação. Em primeiro lugar, pela relevância histórica: como mencionado, a obra foi provavelmente o primeiro a apresentar uma visão articulada da interação mediada por computador com o corpus de conhecimento humano, codificado em linguagem natural. Na atualidade, essa visão está associada às propostas como a Web Semântica. 

Para Mirko Tavosanis, as ideias de Licklider nos permitem visualizar claramente um conjunto de questões envolvidas na interação humano-computador e na linguística que ainda hoje são relevantes; em alguns casos, a experimentação atual ainda pode inspirar-se nessas reflexões. É ainda destacado a contribuição de Licklider no estabelecimento de interfaces e redes modernas de computadores, representado em seu trabalho The Computer as a Communication Device (1968), e escrito em conjunto com Robert Taylor. 

Um aspecto salientado do pensamento de Licklider, era sua percepção de que boa parte de seu tempo estava ocupada por simples tarefas mecânicas que não requeriam o uso da inteligência. Ele veio então a acreditar que em um tempo razoável a maioria das tarefas de qualquer trabalhador ou pensador técnico seriam realizadas de forma mais efetiva pelas máquinas. 

Refletindo sobre isso, ele publicou o texto Man-Computer Symbiosis, onde explicita a importância de uma interação direta entre o operador humano e a máquina para melhorar o trabalho com o conhecimento. 

As estruturas tecnológicas propostas por Licklider foram, de fato, rapidamente esquecidas e não sendo consideradas como referência para a computação das décadas seguintes. Porém, na atualidade, ao menos consideram sua utilidade como contribuição ao progresso da computação e para melhor compreensão de algumas percepções errôneas e recorrentes quanto à natureza da informação utilizada em trabalhos sobre o conhecimento. A utilidade das representações alternativas do conhecimento, por exemplo, é algo que ainda pode ser pesquisado, a partir de direções como as propostas pelas áreas da biblioteconomia e da ciência da informação.

Indicação de leituras:

Licklider, J. C. R. Libraries of the Future. Cambridge, Mass.: M.I.T. Press, 1965. Disponível em: https://goo.gl/1ZjwPY

Tavosanis, M. Libraries, Linguistics and Artificial Intelligence: J. C. R. Licklider and the Libraries of the Future. JLIS.it, vol. 8, n. 3, p. 137-147, Sep/2017. Disponível em: https://goo.gl/rgJvsA.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.