ONLINE/OFFLINE


O LIVRO E A BIBLIOTECA SEM PAPEL NA EDUCAÇÃO

No mês de outubro, e até de forma discreta, ocorreu a Semana Nacional do Livro e da Biblioteca. A comemoração é estabelecida com início no dia 23 de outubro e término no dia 29 do mesmo mês, o último dia é consagrado como o "Dia Nacional do Livro", pela Lei nº 5.191, de 18/12/1966. A Semana foi instituída por meio do Decreto nº 84.631, de 09/04/1980, que também fixa o dia do Bibliotecário.

 

O Dia Nacional do Livro (29/10) é homenagem à fundação da Biblioteca Nacional do Brasil, considerada pela UNESCO uma das dez maiores bibliotecas nacionais do mundo e também a maior biblioteca da América Latina. O núcleo da Biblioteca Nacional é legado da Real Biblioteca Portuguesa que aqui chegou em 1811, após a vinda da Família Real, em 1808, fugindo da invasão de Portugal pelas tropas francesas de Napoleão.

 

A promoção do livro no Brasil tem sido o ponto forte das bibliotecas públicas brasileiras. Estudo conduzido pela Fundação Pensamento Digital mostra que as ações para preservação de memória e estímulo a escritores também se destacam nos serviços prestados.

 

No ambiente da educação básica e médio, há o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), que fornece, desde 1997, obras de literatura e pesquisa, revistas e periódicos para que toda escola pública tenha uma "biblioteca" para os seus alunos. O Programa é executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em parceria com a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), e atende em todos os estados do país, escolas públicas responsáveis pela educação infantil, pelo ensino fundamental e pelo ensino médio, cadastradas no Censo Escolar.

 

Existe ainda o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) articulado pelo Ministério da Cultura (MinC) e o Ministério da Educação (MEC), e que envolve centenas de ações, projetos, programas e políticas governamentais.

 

Nesta articulação ressalta a Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) e o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBC) como responsáveis por efetivar ações de implantação, construção e modernização de bibliotecas em parceria com estados e municípios. O Minc é o responsável pela implantação de Pontos de Leitura, bolsas para escritores e os prêmios literários, realizados pela Fundação Biblioteca Nacional (FBN) e pela DLLLB.

 

Entretanto, apesar dos vários programas oficiais em defesa da valorização do livro e da leitura e, por extensão, de bibliotecas, parece haver pontos fora da curva nesta valorização e investimentos públicos.

 

Entre o dia 10 e 11 de outubro de 2016, ocorreu um acontecimento que ilustra a triste situação da educação no Estado de São Paulo, bem como em algumas regiões do Brasil, o descaso com os livros e bibliotecas.

 

O acervo da “biblioteca” da escola “Estadão” (Escola Estadual Júlio Prestes de Albuquerque), localizada na cidade de Sorocaba (SP) foi simplesmente destruído. O processo de destruição é realizado com os livros lançados da janela do segundo andar do prédio da "Escola" para o chão e depois jogados em um caminhão.

 

A "Escola" que deveria formar cidadãos é a mesma que destrói ideias e conhecimentos. No vídeo disponível na web é possível ver os Alunos abismados, tentando salvar alguns dos livros assassinados pelo descaso público.

 

A quantidade de publicações descartada era tanta que a barbárie não pode ser contida. Os livros destruídos no lançamento e jogados em um caminhão fúnebre, estavam destinados à reciclagem. Ironia para uma morte “sustentável” da memória.

 

Entre os livros condenados, estavam vários clássicos da literatura brasileira e mundial, como Monteiro Lobato, Nicolau Maquiavel, William Shakespeare e outros. Além de enciclopédias, jornais da década de 70, alguns atlas geográficos e outros itens históricos.

 

Foi uma condenação que só encontra similaridades no obscurantismo dos governos totalitários e em sistemas públicos de cultura e educação biblioclastas. Com recursos públicos mal geridos nas mãos de agentes públicos ineptos.

 

O acontecimento indica a fragilidade das bibliotecas públicas escolares sujeitas ao descarte sem critério, sem metodologia, sem pessoal qualificado, sem justificativas plausíveis para tanta ignomínia que só causa indignação em quem assiste aos fatos. Fatos esses que podem ser vistos em:

 

§  Acervo de livros da escola Estadão é destruído.

§  Educação apura descarte de livros jogados pela janela de escola.

§  Funcionários calculam que 1,5 mil livros de escola foram para reciclagem.

 

Segundo estimativa de funcionários da Coreso, uma cooperativa de reciclagem de materiais, localizado na cidade de Sorocaba, e responsável pela coleta dos materiais bibliográficos, cerca de 1,5 mil livros foram retirados da escola estadual. Apesar da polêmica causada por conta de vídeos que mostram o descarte do material, o caso está sendo investigado pela Diretoria Regional de Ensino, que alega não estar autorizada a comentar sobre a investigação. Entretanto, emitiu nota informando que o descarte das publicações não foi autorizado; que repudia qualquer "desperdício de material" e que vai punir os responsáveis. Afirma ainda que a escola Estadão tinha um acervo com mais de 4 mil livros na "sala de leitura" e que o espaço continua sendo usado pelos alunos todos os dias.

 

Em manifestação de estudantes, foi salientado que os livros ficavam em uma sala fechada (mais ironia, pois são as chamadas “salas de leitura”) e que não teriam acesso ao material. O comentário de uma estudante demonstra a sua consciência cidadã ao dizer que:

 

"Tudo bem que está antigo, faz uma doação. Doa para criança, que adora brincar, desenhar, recortar. Doa para uma família. Reúne e doa para as bibliotecas que não têm, para outras escolas. Mas não fazer essa situação".

 

Ao tentar explicar o inexplicável aos estudantes, a diretoria da Escola afirmou que os livros estavam “velhos”, e por serem “antigos” não tinham mais uso, com isso tiveram que mandar para reciclagem. Na justificativa oficial nota-se uma “política de descarte estranha”. Pior ainda, quando a própria Diretoria de Ensino diz que não autorizou tal descarte de livros.

 

Sabe-se que a Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo promoveu concurso, em 2013, para contratar 97 bibliotecários. Será que nenhum destes profissionais concursados (que ainda estão atuando no âmbito da Secretaria) poderia ter sido consultado pela Escola. Ainda assim, a cidade de Sorocaba tem uma biblioteca pública reconhecida, será que nenhum dos bibliotecários sorocabanos poderia ter sido consultado sobre a obsolescência alegada para o acervo descartado? São conjecturas é verdade, porém apesar das políticas públicas citadas, o ponto fora da curva está na ponta final do processo.

 

E na ponta final, a realidade é muitas vezes o descaso sobre descaso, a ausência de boa gestão e de política para tratamento, preservação e descarte de coleções bibliográficas.

 

Agora, todo o material bibliográfico descartado foi separado e vendido para reciclagem. Assim, Monteiro Lobato, Shakespeare, Machado de Assis e tantos outros irão virar bandeja de frutas, papel toalha, papel higiênico. Aliás, mais uma ironia diante da "merda feita".

 

Monteiro Lobato dizia: "Um país se faz com homens e livros". Mas agora, se eu me livro dos livros, que resto resta para um país?


   693 Leituras


Saiba Mais





Próximo Ítem

author image
BIBLIOTECÁRIO HÍBRIDO
Janeiro/2017

Ítem Anterior

author image
OS CAVALEIROS CATALOGADORES DA TÁVOLA CATALOGRÁFICA E A BUSCA PELO CÓDIGO DA ALIANÇA – PARTE II
Outubro/2016



author image
FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.