LITERATURA INFANTOJUVENIL


CUITELINHO: HISTÓRIA, MÚSICA E EMOÇÃO

Muitas pessoas têm medo de envelhecer, eu não. Só não gosto de sentir dor no nervo ciático, mas também não faço exercício para dar uma mãozinha para ele agüentar os meus 50 anos.

 

Muitas pessoas escondem as rugas eu não. Não tenho medo delas.

 

Tenho tristeza sim, da minha demora em arrancar das gavetas os papéis amarelados com os meus escritos e colocá-los no ar. Demoro principalmente porque são textos infantis e criança é “coisa” séria.

 

Porém, domingo fui ao show que o Renato Teixeira (super-maravilhoso) fez aqui em Londrina. Ele cantou a música “Cuitelinho” uma música de domínio público que o Paulo Vanzolini acrescentou uma estrofe nova (super-linda).

 

Cheguei na beira do porto
Onde as onda se espaia
As garça dá meia volta
E senta na beira da praia
E o cuitelinho não gosta
Que o botão de rosa caia, ai, ai

 

Ai quando eu vim
da minha terra
Despedi da parentáia
Eu entrei no Mato Grosso
Dei em terras paraguaia
Lá tinha revolução
Enfrentei fortes batáia, ai, ai

 

A tua saudade corta
Como aço de naváia
O coração fica aflito
Bate uma, a outra faia
E os óio se enche d'água
Que até a vista se atrapáia, ai...

 

Eu vou pegar seu retratinho

E colocar numa medáia

Com seu vestidinho branco e

um laço de cambraia

Pendurá-la em meio peito

Onde o coração trabaiá

 

Esse show me deu tanta emoção que criei coragem e incluí na coluna desse mês uma história que escrevi em 1987 (Puxa! Que tartaruguisse!). Espero que você goste.

 

 

BEIJOCA

 

E o cuitelinho não gosta

que o botão de rosa caia...

 

Desde que o Joça ouviu essa música, pela primeira vez, não consegui  mais esquecer. Foi na casa da tia Be, num domingo muito especial (aniversário dela). Ela ganhou um disco do Milton Nascimento de presente, o disco era novinho, preto como os olhos dela. A felicidade da tia Be, foi tão grande que ele ficou curioso e correu até a sala para ouvir também.

- Essa música me deixou “ligado”! Be, o que é cuitelinho?

Tia Be me olhou com seus grandes olhos, ela era muito bonita, me pegou pela mão e me levou para o seu quarto. Lá me deu livro cheio de fotos de animais e me disse:

- Meu lindo, procure aqui.                             

Fiquei apaixonado pelo livro e ninguém, nem mesmo a minha mãe iria me tirar dali.

- Puxa tia Be, porque você não me falou desse livro antes?

Ela não me respondeu e eu não me importei, pois sabia que ela queria voltar a curtir o seu disco o resto da manhã.

Eu estava tonto com tantos animais. Passei página por página, até descobrir o cuitelinho.

- Eiiii, descobri – gritei.

Nunca poderia ter imaginado, voltei a cantarolar o trecho da música:

 

E o cuitelinho não gosta
Que o botão de rosa caia, ai, ai

 

Novamente gritei lá do quarto:

- Tiaaaa, é um beija-flor.

A tia Be deve ter sorrido, ela fica muito feliz com as minhas descobertas (essa tia é o máximo!).

Fiquei um tempão vendo aquele livro, até que alguém gritou lá da cozinha:

- Vamos comer bolo? Eu acho que o Joca não quer comer!

Resolvi dar um tempo, pois resistir a um bolo de chocolate é impossível.

- Be, você já viu um beija-flor de perto? Como eu faço para ver um? Onde eles moram? Tem aqui no Brasil?

- Calma Joça, uma pergunta de cada vez.

Comemos o bolo e conversamos o resto do dia. Ela leu muita novidade de beija-flor prá mim.

 

 

Véspera de férias. O alvoroço na escola é incontrolável, os alunos comentam o que irão fazer. Entre os mais falantes estava o Joca.

- Cara, não vejo a hora de chegar logo ao sítio para conhecer um beija-flor. Já arrumei a minha mochila e peguei o livro da tia Be emprestado.

Essa noite o Joca quase não conseguiu dormir, foi a noite mais longa da vida dele. Levantou várias vezes para olhar o relógio e no dia seguinte, foi o primeiro a acordar.

Nem bem o sol tinha nascido Joca já estava dentro do ônibus, onde se despedia do pai com um beijo. Joca é muito carinhoso, o mesmo ele havia feito com a mãe na porta do trabalho dela, quando deu um pulo no seu pescoço e com um beijo barulhento em sua bochecha disse:

- Uhhhh, beijo de filho tem gosto de mel. Que delícia.

A estrada não era muito boa e o chacoalhar do ônibus que poderia ser algo ruim, deixava Joca mais empolgado. Era como ele estivesse a caminho de um safári.

O tempo corria e o ônibus também. Depois de algum tempo é que Joca percebeu um garoto do seu tamanho, e provavelmente de sua idade, olhando para ele como se quisesse puxar conversa.

Esse garoto é o Juca, engraçado, eles são parecidos até no nome. Juca é um menino que mora no interior e que foi a cidade grande fazer um tratamento médico. Ele é bem mais velho que o Joca, porém do mesmo tamanho (aposto que muitos adultos devem ter falado pra ele – “esqueceu de crescer menino!”)

Joca sorriu para o Juca e perguntou:

- Para onde você está indo?

- Para casa.

- Onde você mora?

- Num sítio perto do Postão Km 12.

- Ah é lá que eu vou descer. O amigo do meu avô vai me esperar.

Juca tinha nas mãos um jogo e convidou Joca para brincar.

- Legal, assim o tempo passa mais rápido!

Durante o jogo os dois foram se conhecendo melhor e acabaram descobrindo que Joca iria ficar no sítio vizinho ao que Juca morava.

- Vou mostrar os lugares mais secretos pra você. Onde só gente corajosa entra!

A ansiedade crescia dentro de Joca... Ele lembrou do livro da tia Be, pegou-o na mochila e com os olhos bem abertos pergunta:

- Juca tem beija-flor no sítio?

 

Smac...

Hum que néctar gostoso! Como é bom beijar as flores!

Quem falou isso foi o Beijoca. É o mais beijoqueiro dos animais. Não tem muita parada, parece a criança na hora do intervalo na escola. Seu jeito de voar é incrível. É o único animal que voa para trás e bate as asas 80 vezes por segundo.

Beijoca estava de passagem por aquela região, havia voado centenas de quilômetros acompanhando a floração e os ciclos dos insetos. Ele é assim, um eterno viajante.

Joca estava ali há muitas horas. Em suas mãos o livro da tia Be, mas quando viu o beija-flor parou como se estivesse hipnotizado.

 

- Hei o que você está olhando? Já estou ficando irritado! Está pensando em jogar pedra em mim? Garanto que não vai conseguir sou muito rápido.

- Não. Não quero jogar pedra em você. Só quero te conhecer...

- Ufa! Ainda bem. Enquanto você me olha, eu vou enchendo a minha barriga.

- É verdade que você é valente? Que ataca os animais mesmo se eles forem grandes?

- Claro, principalmente se estiverem mexendo no ninho que a minha fêmea, faz com tanto capricho.

- É gostoso o que você tira das flores?

- Gostoso é, mas já foi melhor.

- Como assim?

- Aqui no sítio nem tanto, mas na cidade está tudo muito poluído.

- Você come inseto?

- Apenas aqueles que eu vou encontrando pelo ar, enquanto estou voando.

- Como você consegue sugar o néctar das flores? Parece tão difícil e você faz com tanta facilidade.

- É a minha língua, que é especial para isso.

- Você tem língua grande?

- Tenho, é comprida (mas não sou linguarudo). Ela se alonga pra frente. Ela é dividida em duas partes e quando eu a enrolo parece um tubo.

Beijoca falou isso e apontou a língua para o Joca. Joca deu uma gargalhada e pensou: queria que a tia Be estivesse aqui. Ela ia gostar de conhecer o  Beijoca.

 

Se isso é verdade, eu não sei. Só sei que juntando a sílaba BE com o nome Joca só poderia dar Beijoca.

 

Uma beijoca pra você!

 

 

 


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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.