ALGUNS LIVROS QUE LIDAM COM AS ANGÚSTIAS (QUASE INVISÍVEIS) DA INFÂNCIA
Uma Estória
Eu vou te contar uma história
agora atenção
que começa aqui no meio
da palma da tua mão
bem no meio tem uma linha
ligada ao coração
que sabia desta estória
antes mesmo da canção
dá tua mão, dá tua mão
dá tua mão, dá tua mão
Paulo Tatit
Sandra Peres (disco - Canções de Ninar)
Puxando a linha dessa música, quero provocar uma reflexão a respeito da afetividade durante a mediação da leitura. Em muitos casos, por inúmeros fatores, o ato de mediar é meramente técnico e sem vida. Para que se possa realmente formar leitores ávidos, são necessários, para o mediador, muitos requisitos, entre eles: interesse e conhecimento prévio do texto, “curtir” a atividade e empatia.
Avalio que o requisito mais difícil é a empatia, pois é de senso comum que todas as crianças são felizes, portanto se interessam por todos os temas e textos. Isso não é verdade e nem uma regra. Crianças são exigentes e mesmo sendo da mesma idade, às vezes, se interessam por temas completamente opostos, pois isso depende das experiências boas ou ruins que elas passaram ou estão passando.
Assim, o conceito de infância feliz é relativo e para entender melhor essa questão, sugiro a leitura da Antologia - “O mito da infância feliz”, organizado por Fanny Abramovich. Nela os autores escancaram angústias que muitas vezes passam despercebidas pela grande maioria dos adultos. Como exemplo, extraímos dessa obra três depoimentos tristes e angustiantes:
“[...] eu devia ter uns seis anos. E, por essa época, o que eu mais tinha de suportar eram uns apertões de moça nas minhas bochechas [...]: - Ai que olhos lindos! Esse menino quando crescer...” (Paulo Afonso Grisolli).
ou
“Enquanto todos tentavam me convencer da minha felicidade, eu tinha ainda que engolir Deus inteiro. A hóstia não podia tocar nem os dentes do canto da minha boca. Era uma coisa sem gosto, branca, que me levava a desmaios quando em jejum esperava pela missa das onze, e comungar pelas santas mãos do padre” (Bartolomeu Campos Queiroz).
ou
“Quando ele começou a bater em mim eu mordi os dedos sem dar um grito, e meu pai dizia: chora, seu vagabundo, chora. Mas eu não chorava, e como eu não chorava ele batia mais [...] minha mãe chegou também gritando pára com isso você vai matar o menino. Cala boca, sua égua, disse meu pai todo vermelho, chora, seu vagabundo” (Luiz Fernando Emediato).
Bom, vou parar por aqui, pois o objetivo da Coluna é provocar reflexões e não angústias. É ressaltar para o mediador de leitura que o encontro com um texto, muitas vezes é um encontro “de si para consigo”, portanto é necessário que ele se preocupe em escolher um texto de qualidade literária antes de apresentá-lo as crianças.
Se preocupar também em atender as insistentes reivindicações – “lê de novo”, “conta outra vez”, “só mais uma vez”, tentando perceber o valor de cada texto para cada leitor.
Lamentavelmente os adultos, em geral, ainda não têm a dimensão da importância do texto para as crianças, da afetividade no momento da leitura, do afago no colo quente, da voz macia e dos braços acolhedores.
Pense nisso e comece a ler, primeiro para você, e depois para os outros.
E para começar listei a seguir alguns livros que tratam de separação, medo, morte, envelhecimento, gravidez da mãe...
Título |
Autor |
Editora |
A cristaleira |
Graziela Bozano Hetzel |
Ediouro |
Um amigo para sempre |
Marina Colasanti |
Quinteto Editorial |
Nós |
Eva Furnari |
Global |
Eu vi mamãe nascer |
Luiz Fernando Emediato |
Geração Editorial |
Gorda e magra abracadabra |
Giselda Laporta Nicolelis |
Moderna |
Coração conta diferente |
Lino de Albergaria |
Scipione |
Guilherme Augusto Araújo Fernandes |
Mem Fox |
Brinque-Book |
Os rios morrem de sede |
Wander Piroli |
Comunicação |
O menino e o pinto do menino |
Wander Piroli |
Comunicação |
Homem não chora |
Flávio de Souza |
Cultrix |
Chora não...! |
Sylvia Orthof |
Nova Fronteira |
Paieê! |
Marcelo Pacheco |
Quinteto Editorial |
O dia de ver meu pai |
Vivina de Assis Viana |
Comunicação |
Layla |
Terezinha Alvarenga |
Miguilim |
O que está acontecendo comigo? |
Peter Mayle/Arthur Robins/ Paul Walter |
Nobel |
Quando meu irmãozinho nasceu |
Walcir Carrasco |
Quinteto Editorial |
Um guri daltônico |
Carlos Urbim |
Tchê |
Palavra palavrinhas & palavrões |
Ana Maria Machado |
Quinteto Editorial |
O tapa |
Ciça |
FTD |
Quando eu comecei a crescer |
Ruth Rocha |
Nova Fronteira |
Tajá e sua gente |
J.J.Veiga |
Salamandra |
Areia da grossa areia da fina areia me faça ficar pequenina |
May Shuravel |
FTD |
Eu sou mais eu |
Sylvia Orthof |
Moderna |
De olho no escuro |
Daniela Chindler |
Salamandra |
O gambá que não sabia sorrir |
Rubem Alves |
Loyola |
Referência:
ABRAMOVICH, Fanny (Org.). Antologia: o mito da infância feliz. São Paulo: Summus, 1983.