ENTRE CONEXÕES E PROCESSOS INFORMACIONAIS


MINHAS PERCEPÇÕES INICIAIS SOBRE A ATUAÇÃO DO BIBLIOTECÁRIO COMO EDUCADOR

Inicialmente, creio que é importante apresentar o contexto que me possibilitou ter o primeiro contato com a competência em informação e, consequentemente, com os aspectos educacionais da profissão do bibliotecário na biblioteca escolar, visto que foi o que delineou minha trajetória acadêmica até os dias de hoje

Durante o período de graduação em Biblioteconomia, tive uma bolsa de iniciação científica do Núcleo de Ensino da Universidade Estadual Paulista (UNESP), que também se transformou no meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), com as devidas adequações. O título do trabalho é “A competência informacional no âmbito escolar: um projeto para o desenvolvimento de habilidades informacionais no ensino fundamental” (MATA, 2006), que foi orientado pela Profa. Helen de Castro Silva Casarin, que já era líder do grupo de pesquisa Comportamento e Competência Informacionais, cadastrado no CNPq.

O TCC teve por base a obra da educadora norte-americana Carol Kuhlthau “Como usar a biblioteca na escola”, que foi traduzida e adaptada por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O projeto foi desenvolvido em uma escola estadual localizada na cidade de Marília-SP, com alunos da 5ª série (atualmente 6º ano) que possuíam dificuldade de aprendizagem, segundo o relato dos professores.

A biblioteca desta escola era composta por diversos tipos de livros, revistas, coleção de referência, entre outros, tendo, inclusive, um acervo diversificado. As revistas eram de contexto geral e especializadas para este nível de ensino, adquiridas por meio de assinatura. Salienta-se que a forma de organização dos livros era por assunto em estantes, considerando-se a ordem de chegada no acervo.

A biblioteca era gerenciada por uma professora readaptada. As portas eram fechadas na hora do intervalo porque os alunos iam “lotar” a biblioteca. O espaço era amplo, com mesas e materiais de qualidade, a sua localização na escola era adequada também, pois ficava em um lugar de destaque, em frente ao pátio, mas a biblioteca não passava por um processo de limpeza, bem como os livros, que eram sempre empoeirados.

O projeto ocorreu em um período de seis meses, em que eram realizados encontros semanais com os participantes no espaço da biblioteca e na sala de aula também, conforme o tipo de atividade desenvolvida. Ele foi dividido em seis módulos, trabalhando sempre com materiais impressos, visto que não havia acesso à internet na escola.

Ressalta-se que as atividades do projeto na escola eram elaboradas e executadas por uma estudante do 4º ano do curso de Biblioteconomia, neste caso eu, e contava com a colaboração de uma estudante do 2º ano do curso de Pedagogia, que tinha como função auxiliar os estudantes no desenvolvimento das atividades. Neste cenário, destacam-se dois aspectos: minha atuação como bolsista na escola exercendo o papel de educadora no que se refere à biblioteca, aos seus produtos e aos serviços; e a colaboração de outra estudante da área de Pedagogia.

No curso de graduação em Biblioteconomia, tem-se aulas de fontes de informação, que auxiliam muito no processo de ensino-aprendizagem acerca das fontes de informação com os estudantes (usuários da biblioteca), isto é, na realização de ações de competência em informação. Entretanto, ainda assim, é necessário um estudo mais detalhado sobre as fontes para elaborar conteúdos: a) uma síntese sobre cada fonte abordada para possibilitar que a colaboradora do projeto também compreendesse o tema; b) elaborar as atividades para os alunos, incluindo uma forma de avaliação para observar o impacto do projeto. Neste caso, era necessário utilizar uma linguagem apropriada ao nível de escolarização dos estudantes, visto que eles estavam sendo introduzidos no mundo das bibliotecas e das fontes, com mais detalhamento, naquele momento.

Essa ocasião foi bem desafiadora, marcando o início de um processo de atuação como uma (quase) bibliotecária educadora, tendo-se que aprender a elaborar conteúdos, ter didática e/ou preparação para ministrar aquelas sessões instrucionais com os estudantes. Diante disso, foi perceptível que o curso não dava respaldo para que essa prática fosse exercida no âmbito da biblioteca escolar, bem como não possibilitava uma compreensão geral sobre o sistema de ensino e sua funcionalidade. Faço uma observação importante aqui, essa questão instigou a minha curiosidade, tornando-se uma necessidade, na qual pude sanar em forma de pesquisa em minha tese de doutorado, visto que uma das questões investigadas era identificar se existiam disciplinas na área de Educação nas matrizes curriculares dos cursos de graduação em Biblioteconomia no Brasil e de Informação e Documentação na Espanha (MATA, 2014).

Atualmente, depois de mais de uma década, por vezes, ao mencionar que o bibliotecário é um educador, percebo um certo desconforto por parte de alguns profissionais da área e daqueles que não são também (mas não vou entrar nesta questão neste instante). No entanto, é pertinente ressaltar que a biblioteca escolar está inserida na escola, fazendo parte do sistema de ensino, logo, a expectativa é que este profissional também colabore com o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes, focando-se de modo complementar e correlacionado às temáticas abordadas em sala de aula com o universo da informação, isto é, no que diz respeito aos recursos, aos produtos e aos serviços informacionais.

Neste sentido, pode ser mencionada essa correlação das ações desenvolvidas pelo bibliotecário em programas e/ou ações de competência em informação no âmbito das bibliotecas escolares com as Competências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), tendo-se como exemplo, a Competência 4 e Competência 5, a saber:

4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.

5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva (BRASIL, 2019, p. 9).

As competências abordadas na BNCC estão inclusas no escopo da competência em informação, visto que envolve um conjunto de conhecimentos (saber), habilidades (saber fazer) e atitudes (saber agir) no que se refere ao universo/sistema informacional e seus processos, abrangendo as fontes de informação em ambientes híbridos (impresso, analógico e digital). Todas as ações relacionadas à competência em informação devem ser pensadas e elaboradas com base no contexto em que os estudantes estão inseridos e em consonância com as temáticas (matérias) abordadas em cada ano do ensino fundamental I e II, possibilitando o desenvolvimento do senso crítico, porquanto faz da compreensão de uma estrutura em nível micro, mas também macro.

Outra perspectiva importante a ser contextualizada foi a parceria estabelecida no projeto entre as estudantes de Biblioteconomia e Pedagogia, propiciando a troca de conhecimentos entre elas e ampliando seus conhecimentos e atitudes no âmbito da biblioteca e da escola, além de oportunizar novas percepções sobre a colaboração de profissionais de ambas as áreas.

Cabe mencionar que após a promulgação da Lei 12.244/2010 e, consequentemente, de sua implementação em alguns locais, observou-se, de forma ampla, o desconhecimento por parte dos funcionários da escola (professores, diretores etc.) do papel da biblioteca e do bibliotecário; por outro lado, os profissionais bibliotecários demonstravam uma gana de que chegassem nas escolas e seu trabalho já fosse reconhecido.

Acredito que o desconhecimento deve-se a um problema estrutural do país, porquanto a maioria da população brasileira não teve acesso à biblioteca escolar e, até mesmo, às bibliotecas públicas durante sua formação no ensino básico e médio, sendo assim, esse desconhecimento é compreensível. Aos bibliotecários, a tarefa não é fácil, uma vez que terão que mostrar o que é uma biblioteca, seus produtos, recursos e serviços, bem como o seu papel educacional no âmbito da biblioteca, da escola e do processo de ensino-aprendizagem.

 

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 05 ago. 2022.

KUHLTHAU, Carol C. Como usar a biblioteca na escola: um programa de atividades para o ensino fundamental. Tradução e adaptação de Bernadete Santos Campello et al. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

MATA, Marta Leandro da. A competência informacional no âmbito escolar: um projeto para o desenvolvimento de habilidades informacionais. 2006. 128 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biblioteconomia) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2006. Disponível em: https://www.academia.edu/17670667/A_Compet%C3%AAncia_Informacional_no_%C3%A2mbito_escolar_um_projeto_para_o_desenvolvimento_de_habilidades_informacionais_no_ensino_fundamental. Acesso em: 05 ago. 2022.

MATA, Marta Leandro da. A inserção da Competência Informacional nos currículos dos cursos de Biblioteconomia no Brasil e de Informação e Documentação na Espanha. 2014. 196 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília, 2014. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/110393. Acesso em: 05 ago. 2022.


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Abril/2021



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MARTA LEANDRO DA MATA

Doutora em Ciência da Informação (2014), Mestre em Ciência da Informação (2009) e Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP/Campus de Marília), com período de doutorado sanduíche na Universidade Carlos III de Madrid (2013). É professora do Departamento de Biblioteconomia e do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).