NÃO ESTÁ NO GIBI


O MERCADO PRODUTOR E CONSUMIDOR DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: ALGUNS SUBSÍDIOS PARA O TRABALHO DO PROFISSIONAL DE INFORMAÇÃO - PARTE 1

No Brasil, a atuação das diversas gibitecas tem sido essencial para maior divulgação das histórias em quadrinhos entre a população, possibilitando, muitas vezes, que muitos leitores façam neste novo espaço de informação o primeiro contato com esse meio de comunicação de massa; ao mesmo tempo, muitos membros da comunidade, que abandonaram a leitura de quadrinhos quando passaram da adolescência para a fase adulta são novamente atraídos para eles exatamente em função da atividades dessas bibliotecas especializadas em quadrinhos. É, sem dúvida, um trabalho meritório o que desenvolvem bibliotecários e funcionários das diversas gibitecas do país, num esforço que deve ser reconhecido, louvado, aperfeiçoado e multiplicado cada vez mais.

No entanto, ao assumir a atividade diária de fornecimento e disseminação de histórias em quadrinhos ao seu público, os profissionais de informação ficam algumas vezes surpreendidos ao descobrirem quão pouco realmente conhecem sobre a 9a. arte e as necessidades de seu público consumidor. Para boa parte deles, que viam os quadrinhos apenas como uma grande e aparentemente homogênea produção de gibis, o atendimento ao público faz mergulhar em um novo e ainda indevassado mundo da informação quadrinhística, levando-os a conhecer as particularidades de cada veículo em que as histórias em quadrinhos são divulgadas.

Com certeza, esse conhecimento é essencial para a atividade desses bibliotecários, pois ele lhes permite direcionar e organizar melhor os diversos componentes de sua atuação profissional na área, prestando um serviço mais eficiente e adequado ao público interessado em quadrinhos. Por outro lado, muitos profissionais brasileiros estão, aos poucos, descobrindo que esse serviço mais adequado e eficiente para os amantes dos quadrinhos não irá surgir apenas a partir das boas intenções; e nem, tampouco, que é suficiente afastar os antigos preconceitos sobre o gênero, passando a ver as histórias em quadrinhos como legítimas e valiosas fontes de informação e conhecimento. Boas intenções e ausência de preconceitos ajudam, sim, mas o esforço para um trabalho informacional de qualidade na área de quadrinhos não pode se esgotar aí. Para atingir esse objetivo é inicialmente necessário conhecer a fundo tanto as características do meio de comunicação de massa como do próprio leitor de quadrinhos, de modo a poder realizar de maneira adequada todas aquelas atividades que envolvem sua seleção, coleta, aquisição, tratamento, disseminação e preservação. Nesse sentido, ter um correta compreensão e um domínio razoável dos diversos veículos em que os quadrinhos estão disponíveis é um requisito inicial e talvez indispensável para todos aqueles que pretendam dedicar-se a um trabalho sério de documentação nessa área(1).

O mercado produtor e comercial de quadrinhos pode à primeira vista parecer bastante simples. Para aqueles que não o conhecem a fundo ou que dele não participam regularmente como consumidores, ele é composto apenas por algumas poucas editoras que periodicamente publicam as revistas de histórias em quadrinhos, normalmente em papel jornal e de custo não muito alto (no Brasil, essas revistas são popularmente conhecidas como gibis, devido a um título muito popular publicado do século passado, a revista Gibi, publicada no Rio de Janeiro de 1939 a 1950). Infelizmente, esta aparente simplicidade do mercado de quadrinhos deixou de existir já há alguns anos. E, mesmo assim, ele poderia ser considerado desta forma apenas se fosse deixada de lado a enorme variedade de tiras e páginas dominicais que eram e continuam a ser publicadas diariamente em jornais dos mais variados tipos e periodicidade. Atualmente, o mercado produtor de histórias em quadrinhos, embora em um primeiro momento se coloque como simples e seja bastante semelhante ao mercado livreiro tradicional, tem características próprias que exigem uma maior familiaridade de todos aqueles que desejam dele usufruir ou nele atuar profissionalmente (como escritor, desenhista, editor, comerciante ou bibliotecário).

De uma maneira geral, as histórias em quadrinhos são veiculadas por meio de diversos veículos e formatos de publicação, cada um deles com características próprias e singulares que afetam tanto sua forma como seu conteúdo. Entre os veículos que disseminam as histórias em quadrinhos, destacamos, nesta primeira parte, os gibis e os álbuns e edições encadernadas.

Gibis: publicações seriadas de histórias em quadrinhos, equivalentes aos comic books norte-americanos. São publicados em uma grande diversidade de títulos e temáticas, normalmente com periodicidade mensal, podendo ser encontrados com muita facilidade em qualquer banca de jornal, supermercado ou livraria no país.
No Brasil, os gibis os mais comuns são aqueles publicados em formato pequeno, conhecido como formatinho, normalmente voltados para o público infantil e juvenil. São relativamente baratos, feitos em papel frágil e de pouca durabilidade, representando o clássico produto para consumo de massa. Essas revistas são também publicadas em formato maior, conhecido como formato americano, tamanho em que tradicionalmente são ainda publicados os comic books nos Estados Unidos e diversos outros países. Este último formato já foi bastante comum no Brasil até a década de 70, mas acabou, por motivos econômicos, sendo substituído pelo menor; atualmente, assiste-se ao seu retorno às bancas, pressionado principalmente pelo público leitor de super-heróis, (que prefere ler as revistas no formato original).

O mercado produtor de gibis é bastante dinâmico, com muitos títulos novos surgindo e desaparecendo, fundindo-se com outros, dividindo-se em vários outros ou mudando de editora, enquanto alguns poucos se mantêm em publicação ininterrupta durante décadas a fio (como é o caso, por exemplo, as revistas Mickey e Tio Patinhas, publicadas pela Editora Abril, de São Paulo, desde 1953 e 1965, respectivamente). Além das revistas de periodicidade regular, costumam também ser publicados suplementos e edições especiais, almanaques e edições singulares ou comemorativas, que englobam personagens de várias revistas diferentes, às vezes sob uma denominação totalmente nova, outras utilizando um título já familiar aos leitores. Esse mercado é, sob muitos aspectos, uma realidade editorial totalmente caótica: não apresenta qualquer tipo de padronização em relação a numeração, uniformidade dos títulos ou continuidade; da mesma forma, almanaques e números especiais costumam muitas vezes intercalar títulos regulares, podendo tanto receber uma numeração própria como seguir a mesma seqüência numérica do título principal, numa balbúrdia difícil de compreender por aqueles que não estão familiarizados com aquele título;

Albuns e edições encadernadas: fisicamente, essas publicações estão muito mais próximas dos livros do que dos gibis. Diferentemente destes últimos, não têm periodicidade, sendo publicadas em edições únicas, histórias em geral fechadas em si mesmas, sem um compromisso declarado com a continuidade, ainda que, algumas vezes, a popularidade de um personagem leve à sua continuidade em outros álbuns (como aconteceu com personagens como Tintin, Asterix, Lucky Luke, Blueberry e outros).

Pode-se situar a origem dessas publicações na Europa, principalmente na França, onde as mais luxuosas ainda são bastante comuns. Os álbuns tanto podem trazer histórias inéditas, especialmente preparadas para esse formato, como podem ser constituídos por uma coletânea de episódios já publicados em outros veículos, como jornais ou revistas. O custo dessas publicações costuma ser mais alto que o dos gibis, o que se justifica pela qualidade do papel, da impressão e da encadernação. Também a qualidade das histórias costuma ser muito superior, pois os álbuns, na medida em buscam uma delimitação de páginas e de público mais delineada, permitem experimentações gráficas e mergulhos temáticos mais profundos que aqueles das revistas regulares.

Álbuns e edições encadernadas em quadrinhos são, talvez, as grandes responsáveis pelo aumento de status da 9a. arte entre as camadas letradas da população; no entanto, no mercado editorial brasileiro a diversidade de títulos nesse tipo de veículo ainda está bem longe da realidade de mercados mais avançados, como a França e a Itália, mas essa realidade vem se modificando em anos recentes. A produção originada em Portugal, em sua maioria composta de traduções de álbuns franceses e espanhóis, representa uma alternativa para os leitores brasileiros, ainda que o preço dessas edições seja muitas vezes proibitivo para alguns leitores.

Os álbuns e edições encadernadas são raramente encontrados em bancas de jornal. Os locais mais apropriados para encontrá-los são as grandes livrarias, que, muitas vezes, costumam ter um espaço reservado para eles; pequenas livrarias não costumam disponibilizá-los.

Na próxima coluna, o elenco de veículos que disponibiliza quadrinhos será concluído, enfocando-se as graphic novels, minisséries e maxisséries; os quadrinhos em jornais; os mangás e os fanzines.

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Notas
(1) Outros aspectos importantes dizem respeito ao conhecimento sobre os diversos gêneros que as histórias em quadrinhos podem abranger e os tipos de leitores que costumam atrair, mas isso deverá ser tratado com mais vagar em futuros artigos...


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WALDOMIRO VERGUEIRO

Mestre, Doutor e Livre-Docente pela (ECA-USP), Pós-doutoramento na Loughborough University, Inglaterra. Prof. Associado e Chefe do Depto. de Biblioteconomia e Documentação da ECA-USP. Coordenador do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP. Autor de vários livros na área.