LITERATURA INFANTOJUVENIL


O SILÊNCIO E AS NARRATIVAS ORAIS: INICIANDO UMA CONVERSA

Sueli Bortolin

Cléber Fabiano

A inspiração para a escritura desse texto foi a disciplina A música na contação de histórias ministrada no Curso de Especialização Contação de história e literatura infantil e juvenil da FATUM Educação (1) por Beth Fontes. O conteúdo principal da disciplina foi a música, mas a professora abordou também o silêncio.

A produção científica a respeito de narrativas orais no Brasil é profícua, ela tem origem, entre outras, na área da Educação, Letras, Teatro, Psicologia, Terapia Ocupacional e Biblioteconomia. Essas áreas, em geral, orientam os mediadores quanto a performance no momento das narrativas, como usar a voz, posicionamento corporal, escolha de obras etc., mas se fala no uso do silêncio.

A palavra silêncio tem origem no latim silentium, que entre os romanos “[...] era representado por um jovem com o dedo sobre a boca, figura que inspirou a ilustração dos pedidos de silêncio que hoje vemos nos hospitais.” (SILVA, 2002, p.418). No entanto, apesar do silêncio ser exigido em muitos ambientes, incluindo a biblioteca, não é sobre a forma cerceadora do silêncio que iremos conversar. Apesar da importância dessa conversa, nesse momento nosso interesse é buscar argumentos que evidenciam o silêncio na comunicação oral e começamos com a fonoaudióloga Beatriz Novaes que ao receber a pergunta - de que maneira você vê o silêncio? responde:

Antigamente se falava muito em estimulação de linguagem, e a orientação era no sentido de que as mães falassem sempre com a criança. Mas se a mãe falar sempre e não houver silêncio, a conversa também não tem destaque e passa a ser fundo. Então, hoje, nós enfatizamos o diálogo; ou seja, você tem de falar, mas também tem de ficar em silêncio. O silêncio, no diálogo, significa que é a vez do outro. (PERDIGÃO, 2005, p.165-166)

Estamos num país que utiliza abundantemente a oralidade na comunicação, mas que nem sempre se lembra de ouvir o outro e muitas vezes, sem perceber, “atropela” a fala das pessoas. Quase sempre esquecemos que o silêncio, na expressão oral, é tão fundamental quanto a emissão das palavras. Há no senso comum que o silêncio é um ato de reverência. É usual pedir um minuto de silêncio em uma homenagem póstuma ou fazer silêncio ao entrar em um recinto reservado para oração. O silêncio faz parte de rituais em que se busca transcender a materialidade para alcançar a espiritualidade.

Como é isso no ato de narrar histórias? O silêncio é necessário? Ele fascina? Provoca expectativa? Na narrativa de histórias ele fascina, pois deixa em suspenso a emoção, a alegria e o medo; prolonga o espaço de convivência. Porém, o segredo está em saber como usá-lo. Abramovich (1989, p.21) ao abordar as modalidades e possibilidades de uso da voz afirma: “[...] Ah, é bom falar muito baixinho, de modo quase inaudível [...]. Ah, é fundamental dar longas pausas quando se introduz o ‘Então...’ para que haja tempo de imaginar as muitas coisas que estão para acontecer em seguida...”

Como dosar o tempo de silêncio? Não temos a pretensão de responder qual a dosagem do tempo, pois ela vai variar em virtude de vários fatores: idade do leitor, objetivo, local de realização das narrativas, cultura em ouvir narrativas de histórias etc.

No entanto, temos certeza da necessidade da escuta sensível, pois a cada geração que se segue, a capacidade de parar para ouvir o outro, diminui. Em geral, as pessoas falam....falam... falam, no entanto, é fundamental que os mediadores de leitura abram espaços para que o leitor possa falar do que leu, do que sente, do que gosta, do que não gosta, do que deseja, do que quer descobrir nesse emaranhado de literatura que transborda e que afeta os sentidos; sendo em vários suportes e em diferentes ambientes.

Por outro lado, há de ter espaço para não falar, não comentar.... silenciar, em outras palavras “[...] deixar o leitor ficar imaginando as cenas, visitando lugares longínquos, torcendo por seu herói, amaldiçoando seu vilão, rindo das ambiguidades, desfrutando a linguagem escolhida para a narrativa.” (FABIANO, 2018, p.11). Isso porque “O silêncio é assim a ‘respiração’ (o fôlego) da significação; um lugar de recuo necessário para que se possa significar, para que o sentido faça sentido.” (ORLANDI, 2007, p.13).

Por considerar a mediação de leitura literária como “[...] a interferência casual ou planejada visando a levar o leitor a ler literatura em diferentes suportes e linguagens.” (BORTOLIN, 2010, p.115) é necessário que o mediador faça a sua nossa parte, sem esquecer de deixar um espaço para o silêncio, quando o leitor-ouvinte irá se apropriar da subjetividade de um texto e dar significado a ele.

Estamos em tempos de pandemia da COVID 19. Ninguém sabe quando voltaremos à normalidade, então CONVOCAMOS os que fazem leitura em voz alta, os narradores de histórias, atores, declamadores, cordelistas, enfim os que se dedicam a oralizar textos para OCUPAR espaços virtuais para disseminar literatura, em especial, a literatura infantil, torcendo para que, em breve, possamos narrar de forma presencial textos e experiências.  Todos estamos carentes de afagos literários... para começar essa corrente... abra a sua mente e coração, pois lá vai um haicai de Ângela Leite de Souza (1990):

 

Silêncio e neblina

A natureza à escuta

do próprio pulsar.

 

Sugestões de leitura:

ABRAMOViCH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1989.

BORTOLIN, Sueli. Mediação Oral da Literatura: a voz do bibliotecário lendo ou narrando. 2010. 234 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Universidade Estadual Paulista, Marília, 2010. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/CienciadaInformacao/Dissertacoes/bortolin_s_do_mar.pdf. Acesso em: 10 jan. 2020.

FABIANO, Cléber. Um passeio com chapeuzinho vermelho: a formação do leitor literário. 2.ed. Curitiba: Palavras Arteiras, 2018.

ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6.ed. Campinas: Editora Unicamp, 2007.

PERDIGÃO, Andréa Bomfim. Sobre o silêncio: um livro de entrevistas... São José do Campo: Pulso, 2005.

SILVA, Deonísio da. A vida íntima das palavras: origens e curiosidades da língua portuguesa. São Paulo: Editora Arx, 2002.

SOUZA, Ângela Leite de. Lição das horas. Belo Horizonte: Editora Miguilim, 1990.

 

NOTA

1) FATUM Educação – empresa localizada em Curitiba que oferece cursos de pós-graduação, programas de extensão, formação continuada e assessoria pedagógica.


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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.