A MORTE NA LITERATURA INFANTIL
Eu tive um avô materno muito bem-humorado e era comum, quando alguém anunciasse alguma morte, ele perguntar: "morreu de morte matada ou de morte morrida?" Essa era uma expressão popular e o tom jocoso fazia com que a notícia sobre a "indesejável" ficasse mais leve.
A morte era um assunto sempre presente nas conversas da família, pois os adultos que me rodeavam, em sua maioria, estudavam e discutiam as obras de Allan Kardec, portanto, pela própria filosofia kardecista, a morte era tratada com naturalidade.
Então não me parece, que no mês de dezembro, em que se fala em nascimento, um despropósito abordar o tema morte na literatura infantil. Principalmente porque o ano está morrendo e com isso cresce a expectativa do nascimento de um ano melhor.
Observo que na literatura juvenil alguns autores brasileiros têm estado sensíveis a essa temática, porém na literatura infantil, esse assunto encontra-se abordado de maneira incipiente.
Rosemberg (1985, p.65-66) também destaca a ausência do tema morte na literatura infantil brasileira, quando afirma ser mais comum encontrá-la na literatura infanto-juvenil e [...] "a serviço da trama, aquela que elimina personagens indesejáveis, ou a morte como castigo e punição. Porém, a morte necessária, visceral, dramática e angustiante, praticamente inexiste".
A morte é a única situação que não temos como evitar em nossas vidas, um dia ela acontecerá fatalmente. Portanto, não falar sobre o assunto, ou seja, "proteger" a criança, poderá dificultar o seu entendimento sobre o ciclo da vida.
Logicamente que não proponho uma conversa planejada de maneira dramática, catastrófica e deprimente, acredito sim que a morte deve ser tratada espontaneamente, cotidianamente e de uma maneira até humorada.
Gostaria de acrescentar aqui a história de um amigo que, assim como eu, tinha um avô bem-humorado. Todas as vezes que tocava o sino da igreja anunciando a morte de alguém da comunidade, ele dizia: "que bom que estamos ouvindo o sino! Se não estivéssemos..."
Sendo a morte encarada de maneira igual ou diferente pelas pessoas e pelas culturas, é necessário que se tenha em mente, que há "tantas espécies de vida, tantas possibilidades de morte... [portanto] é fundamental discutir com a criança, de modo verdadeiro, honesto, aberto, como isso acontece e como poderia não acontecer... Compreender a morte como um fechamento natural dum ciclo, que não exclui dor, sofrimento, saudade, sentimento de perda [...]" (ABRAMOVICH, 1989, p.113).
Assim, a ausência na literatura infantil, do assunto morte, pode conotar o medo, a angústia e o conflito, muitas vezes "inassumido" do adulto sobre o tema, porém é necessário que essa situação seja encarada com naturalidade e maturidade.
Em especial, porque "a morte pertence à própria estrutura essencial da existência. [...]. Assim que um homem começa a viver, tem idade suficiente para morrer. Não caímos de repente na morte, porém caminhamos para ela passo a passo: morremos cada dia" (HEIDEGGER apud MARANHÃO, 1987, p.69).
Preparar as crianças para lidar com a morte, não significa ficar o tempo todo falando sobre o assunto. Devemos falar de tudo com as crianças, porém com bom senso, sem exageros e sem proteção.
Como contribuição, listo a seguir alguns livros que abordam esse tema:
Título | Autor | Editora |
De morte: um conto meio pagão do folclore cristão | Angela Lago | RHJ |
A menina nina | Ziraldo Alves Pinto | Melhoramentos |
Que planeta é este? | Regina Coeli Rennó | FTD |
O último broto | Rogério Borges | Moderna |
7 quedas 7 anões e um dragão | Glória Kirinus | Braga |
A visita | Ivo Marino | Scipione |
Bibliografia
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil:
gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1989. (Série Pensamento e Ação no
Magistério, 7).
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos contos de fadas.
7.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. (Coleção Literatura e Teoria Literária,
24).
CARVALHO, Cláudia Ezídgia de. A Presença da morte na literatura infantil
do Brasil. In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 12., 1999, Campinas.
Anais... Campinas: ALB, 2001. 1 CD.
KÜBLER-ROSS, Elisabeth.
Morte: estágio final da evolução. Rio de Janeiro: Record, 1975.
LAGO,
Angela. De morte: um conto meio pagão do folclore cristão... Belo
Horizonte: RHJ, 1992.
MARANHÃO, José Luiz de Souza. O Que é morte.
3.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1987.
MARTHE, Marcelo. Machão, mas sensível.
Veja, São Paulo, v.35, n.34, p.102-103, 10 abr.2002.
ROSEMBERG,
Fúlvia. Literatura infantil e ideologia. São Paulo: Global, 1985.
(Coleção Teses, 11).
ZIRALDO. Menina Nina: duas razões para não
chorar. São Paulo: Melhoramentos, 2002.