DA ITÁLIA PARA O MUNDO: O ROUBO DE LIVROS DA BIBLIOTECA GIROLAMINI
Esporadicamente, a mídia traz à tona casos de roubo de livros raros, no Brasil e no exterior. Aqui na nossa coluna do InfoHome já dedicamos alguns espaços ao assunto, dada a sua importância.
Nessas situações, muitas vezes fica evidente o envolvimento de funcionários (de diversas patentes) que, num primeiro momento, facilitam ou agem mais diretamente na apropriação indébita de material raro. Como sabido, dentre as categorias em que são enquadrados os ladrões de livros, encontram-se o cleptomaníaco (sofre impulsos para roubar); o que rouba para posse e uso; o que rouba por ódio, para destruir; o casual (que rouba quando a situação se apresenta de forma conveniente); e aquele que rouba para obter lucro – este, talvez, o mais comum.
Num segundo momento, podem entrar outros personagens em cena, para auxiliar na comercialização indevida do bem produzido por um tipógrafo, fotógrafo ou escriba do passado – não sem antes passar por mãos hábeis o suficiente para descaracterizar o exemplar, tornando-o livre de suas marcas da vida, como assinaturas, ex-libris e outras. Entra em cena, aí, novo personagem: o restaurador. Para completar a cadeia, livreiros e colecionadores.
No passado, antes do advento da internet - que, entre outras maravilhas, atormenta a vida de malfeitores -, era mais fácil um roubo de livro raro ficar impune. A comunicação mais lenta entre pessoas e instituições dificultava ações rápidas de localização do item suprimido. Aos poucos, os profissionais da área de livros raros (de bibliotecas, arquivos, livrarias e outros) foram se equipando com instrumentos capazes de armazenar e divulgar, com maior rapidez, os títulos subtraídos de bibliotecas e demais instituições. Com as tecnologias de informação e comunicação e a internet, os alertas se tornaram mais eficazes. A importância de se conhecer a procedência de livros, igualmente, tornou-se maior quando livreiros passaram a ter de devolver livros roubados de bibliotecas a eles vendidos. No entanto, nem assim os roubos diminuíram – porém, passaram a ser mais detectados e, dependendo do país, a punição aumentou.
Recentemente, um roubo tem chamado atenção da comunidade internacional: o da Biblioteca Girolamini, de Nápoles (Itália), pelo número de volumes preciosos roubados, pelo envolvimento do diretor da biblioteca, e – espanto maior – pela falta de um catálogo completo de sua coleção. São 14 as pessoas envolvidas, de diferentes profissões e cidades e ainda não é conhecido o número exato de volumes roubados. A perda é de cerca de 2.200 livros. O presidente da Associazione Librai Antiquari d´Italia, Fabrizio Govi, classifica o roubo como ”o maior escândalo do campo livreiro nos últimos 150-200 anos”.
A Girolamini é a mais antiga biblioteca de Nápoles. Remonta ao final do século XVI e possui/possuía aproximadamente 160 mil livros. Não se sabe, exatamente, como o diretor acusado, Massimo Marino De Caro, conseguiu o cargo (talvez por sua proximidade com o Primeiro-Ministro Silvio Berlusconi). Não tinha as qualificações necessárias e, após assumir a direção, foi questionado em um abaixo-assinado por bibliotecários e pesquisadores. Vários de seus assessores tinham o mesmo duvidoso passado. Logo após a petição, curiosamente, De Caro “descobriu” a ausência de 1.500 livros. Mas câmeras de segurança já haviam exibido gravações do diretor deixando a biblioteca com grande número de livros. Com isso, ele foi suspenso de suas atividades. Buscas levaram os policiais a uma instalação associada a De Caro em Verona, onde havia cerca de mil livros armazenados, sendo que 250 possuíam o selo da biblioteca, além de registros de venda para estrangeiros. Ele e quatro outros envolvidos foram presos (três eram argentinos). Um dos envolvidos no esquema era o padre Sandro Marsano.
Alguns livros apareceram em outros locais (guardados ou à venda). Aproximadamente 500 foram listados para leilão em Munique, na Alemanha; pouco mais de 20 livros apareceram em outra casa inglesa para leilão. Há mais livros em outras partes do mundo, pois não se pode traçá-los com exatidão, uma vez que muitos registros “desaparecem” nas fronteiras. Pelo visto, esse é um problema internacional, o das fronteiras de difícil controle. Em
De Caro foi condenado em março de
A história não termina aqui. Durante o julgamento, o ex-diretor da Biblioteca Girolamini confessou ter várias cópias de “Siderius Nuncius”, de Galileu (1610), famoso livro do cientista sobre as primeiras investigações por meio do telescópio (aliás, não inventado pelo autor). Todas essas cópias haviam sido forjadas por ele na Argentina, incluindo uma colocada na Biblioteca Nacional de Nápoles, cujo original havia subtraído (mais tarde isso foi descoberto).
Semana passada, no final de novembro de 2013, perguntado sobre a fraude do livro de Galileu e sobre como enganou os mais renomados especialistas, De Caro respondeu, sorrindo, com entusiasmo: “Borges [Jorge Luis Borges], em ´Ficciones´, escreveu que, quando um livro é falso, é igual ao – se não melhor do que - o original”. Foi quando um de seus advogados se aproximou e encerrou a conversa com a jornalista do New York Times.
Talvez possamos enquadrar De Caro em mais de uma categoria do grupo de pessoas que rouba livros ...
Referências:
Stillman, Michael. Two Thousand Thefts – Girolamini Library. Antiquarian Bookseller´s Association web site (s. d.). Em:
http://www.aba.org.uk/news/402-massive-thefts-girolamini-library
Donadio, Rachel. Rare Books Vanish, With a Librarian in the Plot. The New York Times, November 29, 2013. Em:
http://www.nytimes.com/2013/11/30/books/unraveling-huge-thefts-from-girolamini-library-in-naples.html?_r=0
Até a próxima, Boas Festas e um 2014 pleno de saúde, felicidades e sucesso para tod@s!