BIBLIOTECONOMIA DIGITAL


SOBRE REDES SOCIAIS E A PRIVACIDADE DE INFORMAÇÕES DOS USUÁRIOS

Muito tem se falado sobre redes sociais e a utilização destes recursos pelas bibliotecas. Também se discute a questão do empréstimo digital, na medida em que as ofertas de conteúdo digitais presentes nos acervos expandem-se. Que as redes sociais são ferramentas poderosas e podem contribuir com o serviço desempenhado pelas bibliotecas não resta a menor dúvida O que convém analisar é a exposição dos usuários e os efeitos disso em relação à privacidade e confidencialidade (ou falta delas) que ocorre atualmente.

 

O comércio eletrônico tem-se utilizado de uma ferramenta que não chega a ser uma novidade, mas que tem tido sua aplicação expandida: big data. Este é um conceito onde o foco é o armazenamento de dados, processados em alta velocidade. Este conceito permite trabalhar com muitos dados simultaneamente, e não apenas amostragens, e deles retirar quaisquer informações que tenham aplicação ou que permitam a identificação de padrões de comportamento, consumo etc. Por abranger grande volume de dados, a massa de informações é expressiva, permitindo aos administradores a análise e tomadas de decisão decorrentes das observações realizadas. O big data é amplamente utilizado por empresas, favorecendo a expansão do comércio eletrônico ao coletar dados diversos – estruturados e não estruturados – e deles extrair informações que, quando voltadas ao negócio, podem fazer a diferença entre perdurar ou perecer, no concorrente ambiente digital. Ao coletar, analisar e disseminar dados provenientes de diversas fontes, informações, tidas como de cunho pessoal e privado, passam a ser utilizadas como estratégias de marketing.

 

Que não existe privacidade na internet, não é novidade. O que é novo é o uso que vem sendo feito de informações, muitas vezes colocadas pelas próprias pessoas, em redes sociais. Grandes empresas monitoram as redes, buscando distinguir perfis de usuários e, através destes, criar estratégias de atuação com o objetivo de realizar mais e mais transações comerciais. Será que não estamos presenciando a concretização do que foi vislumbrado por George Orwell, em sua novela 1984? Neste romance a população encontra-se controlada pelo Big Brother, o Grande Irmão, que tudo vê, sabe e prevê. A partir do momento que as informações estão disponíveis a quem as consegue obter, coletar e extrair delas significado, a privacidade das pessoas é colocada em xeque.

 

Desde a apresentação de informações de interesse dos usuários – a partir de registros de operações obtidos através de cookies, por histórico de navegações, até simpáticas ferramentas do Google, que criam um Doodle personalizado no dia do seu aniversário, nossos dados estão distribuídos na internet e disponíveis para aplicações diversas. As informações são coletadas em computadores, tablets, e-readers, smartphones, com empresas reunindo e monitorando as preferências dos usuários, cruzando estas informações com outros dados produzidos por diferentes aparelhos, permitindo o desenho de um rastro digital dos passos dados pelas pessoas (ROMANI, 2013).

 

Nos Estados Unidos existem leis estaduais que controlam e preservam a confidencialidade dos usuários. Estas legislações protegem desde o histórico de empréstimos realizados, até o uso de equipamentos disponíveis (computadores) nas bibliotecas. Desta forma, os usuários de bibliotecas norte-americanas de alguns estados têm assegurado que seus empréstimos, hábitos de leitura ou demais usos de navegação na internet não serão rastreados, representando que a biblioteca é um local que credita confiabilidade. Esta medida é tomada com base que monitorar o histórico de empréstimos ou navegação na internet realizados pelos usuários pode expô-los, causando constrangimentos perante familiares, amigos e comunidade. O governo norte-americano apenas intervém quando se detecta que existe risco de segurança nacional, justificando a solicitação de entrega de registros de operações realizadas pelas bibliotecas. Violações desta natureza foram registradas em ocasiões pontuais, como na época do ataque às torres gêmeas, no 11 de setembro de 2001. Evidentemente as leis apresentam variações nos diversos estados americanos. Enquanto alguns estados não apresentam qualquer estatuto sobre o uso de dados pessoais, em outros, violar este direito pode ser punido por multa, processo civil, criminal ou até mesmo prisão. Os bibliotecários norte-americanos seguem os preceitos de código de ética, que estipula que proteger a privacidade e a confidencialidade é parte integral da missão das bibliotecas. A American Library Association afirma o direito à privacidade desde 1939 (ALA, 2008).

 

Na Espanha também existe legislação específica. A LOPD: Ley Orgânica 15/1999 e a Ley 34/2002 discorrem sobre a proteção de dados de caráter pessoal e serviços da sociedade de informação e de comércio eletrônico, respectivamente. Estas leis não discorrem especificamente sobre os dados dos usuários das bibliotecas, mas estas instituições estão sujeitas a esta regulamentação. Desta forma, as informações oriundas de empréstimos não são armazenadas, preservando apenas os dados necessários para realização das transações (MARTÍN GAVILÁN, 2008).

 

De acordo com Daniel Solove, apud KLIENFELTER (2007), existem quatro ameaças à privacidade: a coleta, o processo, a disseminação e a invasão de informações. As três primeiras estão relacionadas com o armazenamento de dados, enquanto a última com o uso que é feito da informação coletada. A biblioteca utilizar-se do histórico de empréstimos para sugerir novas publicações não pode ser encarado como violação de privacidade, enquanto estes dados forem disseminados, exclusivamente, ao usuário em questão.

 

Mas o que as redes sociais têm a ver com isso? Muita coisa! A biblioteca ao expandir seus serviços às redes sociais também pode utilizar-se de informações distribuídas para identificar e conhecer seus usuários, promovendo ações que permitam a expansão dos serviços prestados. Fernandez (2009) pondera que as bibliotecas precisam pensar nas consequências de utilização de redes sociais, principalmente no que concerne à privacidade dos usuários, porém este fato não deve ser encarado como um limitante ou impedimento na aplicação destas ferramentas. Os usuários não se demonstram preocupados com sua própria privacidade e compartilham informações pessoais livremente nas redes (Acquisit & Gross, 2006 apud FERNANDEZ, 2009). As principais redes sociais são empresas que visam lucro e as informações postadas pelas pessoas são fartos subsídios que permitem identificar perfis que favorecem a prospecção de novas fontes de renda. As empresas utilizam-se das redes para coletar dados diversos como data de aniversário, gostos pessoais (música, passeios etc.), contatos de amigos, assuntos de interesse (curtir) e estes elementos permitem que produtos e serviços sejam oferecidos a estes usuários que, de livre e espontânea vontade, expuseram seus dados e, através destes, contribuíram com a elaboração de perfis detalhados.

 

Que as redes sociais podem ser um canal de comunicação e interação dos usuários com as bibliotecas não resta a menor dúvida. Que deve ser explorado como um meio de disseminação de acervos e serviço prestados também é um consenso. Recomenda-se apenas que, ao utilizar-se de mecanismos automáticos que visam melhor conhecimento do usuário e consequente prestação de serviços personalizados, a privacidade dos usuários e a confiabilidade das informações a eles inerentes não sejam prejudicadas, contribuindo com a manutenção do respeito mútuo e a credibilidade das instituições.

 

Referências bibliográficas

 

AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION. Code of Ethics of the American Library Association. 2008. Disponível em: http://www.ala.org/ala/aboutala/offices/oif/statementspols/codeofethics/
codeethics.cfm
. Acesso em: 4 nov. 2013

 

________________. Privacy. 2008. Disponível em: http://www.ala.org/ala/aboutala/offices/oif/statementspols/statementsif
/interpretations/privacy.cfm
.
Acesso em 4 nov. 2013

 

FERNANDEZ, Peter, "Online Social Networking Sites and Privacy: Revisiting Ethical Considerations for a New Generation of Technology". Library Philosophy and Practice (e-journal). Paper 246, 2009. Disponível em: http://digitalcommons.unl.edu/libphilprac/246. Acesso em 5 nov. 2013

 

KLIENEFELTER, Anne. Privacy and library public services: or, I know what you read last summer. Legal Reference Services Quarterly, v.26, n.1/2, Sept. 2007. Disponível em: <http://ssrn.com/abastract=1011506>. Acesso em 9 nov. 2013.

 

MARTÍN GAVILÁN, César. Legislación española sobre protección de datos y su implicación en la gestión bibliotecaria. 2008. Disponível em: http://eprints.rclis.org/14305/1/prodatos.pdf. Acesso em 11 nov. 2013

 

MATZ, Chris. Libraries and the USA Patriot Act: values in conflict. Journal of Library Administration, v.47, n.3-4, 2008, p. 69-87. Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01930820802186399#.Un6nsfnH8Xi. Acesso em : 9 nov. 2013

 

MAYER-SCHÖNBERGER, Viktor & CUKIER, Kenneth. Big data: como extrair volume, variedade, velocidade e valor da avalanche de informação cotidiana. Rio de Janeiro : campus, 2013.

 

PATTERN, Dave. I know what you borrowed last summer: exploiting usage data in an Academic Library. Disponível em: daveyp.com/ili2009/. Acesso em: 9 nov. 2013

 

ROMANI, Bruno. Gigantes pensam em nova forma de saber o que você faz na web. Folha de São Paulo, Tec, 18/11/13. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/tec/139420-gigantes-pensam-em-nova-forma-de-saber-o-que-voce-faz-na-web.shtml. Acesso em: 18 nov. 2013.

 


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LILIANA GIUSTI SERRA

Postdoctoral Researcher Associate na University of Illinois at Urbana-Champaign (UIUC). Doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquisa Filho (UNESP). Mestrado em Ciência da Informação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Profissional da informação dos softwares Sophia Biblioteca, Philos e Sophia Acervo.?