OBRAS RARAS


DOCUMENTOS (RAROS) ELETRÔNICOS - PARTE 1

No final da década de 1970, início dos anos 80, algumas tantas bibliotecas já se encontravam em processo de automação de suas coleções nos Estados Unidos. Automatizar não era mais dúvida. A promessa de uma comunicação mais efetiva entre as coleções (depois de muitas conversões retrospectivas), a diminuição no custo graças à cooperação e outros fatores foram preponderantes para que todos aderissem maciçamente à nova ordem. A discussão de então era a alternativa de se incluir ou não as coleções especiais (as de livros raros e manuscritos) no processo. Como automatizar a coleção como um todo, se a catalogação dessa parte do acervo não era padronizada, se alguns bibliotecários haviam usado Istambul, outros Constantinopla, no campo do local de impressão? Como tratar de igual para igual a catalogação de um livro moderno e a de um livro raro, com todas as características físicas (e outros campos no formato Marc) que não haviam sido previstos quando dos primeiros tempos da catalogação automatizada?

 

O que se seguiu foi um esforço coletivo de instituições e pessoas, nas áreas teórica e prática, para que todos se convencessem da importância e necessidade da automação de uma coleção como um todo. As coleções especiais não podiam ficar à margem de um projeto que incluía livros modernos apenas porque eram antigos. Padrões e regras foram desenvolvidos pela comunidade de bibliotecários. “Istambul ou Constantinopla” não era exatamente um problema. Uma vez estabelecidos os critérios, os mesmos seriam adotados em todos os outros casos.

 

Atualmente, com tantas bibliotecas digitalizando seus acervos (e empresas os alheios), impossível não lembrar do quanto surtiu efeito estabelecer padrões. Afinal, a tecnologia teve um impacto enorme em bibliotecas e veio para ficar.  Cada vez mais a cooperação se faz presente ao longo dos anos, e com planejamento e padronização conseguimos chegar a um patamar de bastante progresso no que diz respeito à guarda da memória, não apenas de bibliotecas.

 

Agora, no século 21, nos encontramos em outro momento da história, onde não apenas livros, mapas, documentos arquivísticos e material audio-visual, ou seja, os de mídia física, são objetos de tratamento técnico para a preservação da memória de uma instituição. Para citar um exemplo: hoje em dia, originais chegam a editoras e bibliotecas em formato eletrônico. Há o caso curioso de uma biblioteca inglesa que recebeu há uns 15 anos atrás a doação de um escritor de peças teatrais. Como a coleção foi diretamente para as estantes, só recentemente descobriram um disquete de 51/4 polegadas. Foi um custo achar um “drive” que lesse o disco. Acharam, mas ainda precisavam saber em qual programa o conteúdo havia sido escrito. Depois de alguma pesquisa chegaram a uma conclusão e abriram o arquivo... para descobrir que estava vazio. De qualquer forma, serviu a lição: seja o que for, todo o material que chega é agora analisado na íntegra pelo pessoal da Preservação antes de ir para a estante.

 

Sem querer filosofar em território arquivístico que não me pertence, penso quantas instituições estão fazendo o quê para armazenar documentação eletrônica, já que memorandos, circulares, acordos, comunicações, etc., muitas vezes só existem neste formato. Até bem pouco tempo atrás (tempo é relativo, “pouco” também), não tínhamos internet nos nossos escritórios, nem máquinas escaneadoras de fotografias e texto. Não usávamos e-mail para nos comunicar com colegas e usuários de bibliotecas (e outras instituições). Como ter o controle e proteger a integridade dos documentos agora? Como salvar a documentação histórica de uma instituição? Como é possível fazer o planejamento de uma produção documental, que pode ser rara?

 

Mais do que responder as perguntas feitas nos parágrafos acima, a intenção é levantar questões, para que possamos sempre repensar nossa profissão, da forma mais adequada. Final de ano é época de reflexão, e pensar junto sempre trouxe benefícios. Ademais, a criatividade do brasileiro é uma característica ímpar desse povo que tem muito a oferecer. E educação continua a ser a chave do nosso progresso aqui no Brasil, para nós e nossos usuários. Claro que, imagino, há padrões desenvolvidos e instituições preocupadas com o assunto, mas conversar nunca é demais.

 

No próximo vamos falar um pouco mais sobre o assunto. Obrigada a todos que enviaram mensagens com reflexões e comentários no decorrer de 2005. Que o ano que quase chega nos traga muita disposição para o aperfeiçoamento pessoal e profissional, e que consigamos, juntos, vencer  dificuldades em busca de soluções que beneficiem muitos.

 

Até a próxima!


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.