OBRAS RARAS


TÉCNICAS MODERNAS AVALIAM OBRAS ANTIGAS

Esse é o título do artigo de um número não tão antigo do Information Bulletin da Library of Congress, artigo este baseado em relatório sobre as condições físicas da coleção Rosenwald, uma das mais raras e importantes da América do Norte, adquirida ao longo de 40 anos e doada à biblioteca pelo próprio Lessing Rosenwald antes de morrer. Os 2.653 títulos documentam a história da ilustração em livros e da encadernação durante seis séculos, desde a época medieval até o século 20. É belíssima a coleção. Para quem ainda não teve oportunidade de ver de perto, existe um catálogo reeditado em 1977 com boas fotos.

Rosenwald era também conhecido por sua coleção de quase 25 mil gravuras e desenhos (esta localizada atualmente na National Gallery of Art) e pela sua generosidade, graças às visitas guiadas que pessoalmente fazia com pessoas comuns, estudantes e acadêmicos, indistintamente, seguro de que seus livros estavam ali para servir e serem reproduzidos. Como dizia, talvez também para os livros: "Uma obra de arte que nunca é vista não é muito melhor do que uma obra de arte que nunca foi criada".

Não é difícil imaginar a dificuldade de se preservar uma coleção na qual os livros têm partes móveis, como é o caso de um livro de Medicina (Veneza, 1690), cujos órgãos se movem e levantam a um leve toque; ou conservar a encadernação de um manuscrito alemão de 1150 tão original quanto possível, ou, ainda, conservar em perfeito estado os blocos de madeira usados por Miró em 1958. Uso freqüente danifica o livro, e mesmo para uma coleção preciosa como essa faz-se necessário encontrar um meio termo entre acesso e preservação.

O curador da Rare Books Division e uma bolsista da Divisão de Conservação da Library of Congress decidiram utilizar um Palm Pilot no projeto. A tecnologia havia sido apresentada naqueles dias no congresso do American Institute for Conservation (AIC) e se mostrava perfeita para o trabalho de coleta de dados, livro por livro, entre estantes muito próximas umas das outras, a partir de um pequeno computador com uma grande memória. Um teste previamente realizado na Divisão de Conservação concluiu serem o aparelho e o software J-File adequados.

Para o curador, informações importantes deveriam abranger desde a localização do livro na estante, até a identificação de características bibliográficas, incluindo a data em que o livro estava sendo examinado, se era impresso ou manuscrito, se possuía iluminuras, o tipo de encadernação e sua importância histórica, técnicas de gravação utilizadas, etc. Para a então bolsista em Conservação Preventiva do Getty Institute na Library of Congress, a base de dados deveria conter campos para as condições físicas do livro na época do levantamento, acondicionamento, etc., assim como um espaço para as recomendações que se fizessem necessárias, como reencadernação, novo acondicionamento, restauração do papel, e outros. Igualmente importante era prever um campo para registrar se o livro requeria algum tipo de restrição no manuseio, e instruções para os funcionários do salão de leitura de livros raros. Por fim, um campo para palavras-chave adicionava outras informações relevantes sobre o livro, o que também iria auxiliar o pesquisador com novas formas de busca.

Constatou-se que o software tem boa capacidade de armazenamento, flexibilidade, e todos os campos permitem busca. O Palm Pilot mostrou-se eficiente, apesar de pequenas limitações, como por exemplo o tamanho dos campos a serem preenchidos - problema resolvido com a criação de códigos e o uso de abreviaturas, posteriormente descritos na íntegra quando da conversão dos dados para uma base de dados mais sofisticada em computador.

O trabalho em conjunto garantiu não apenas sucesso nos resultados, mas um aprendizado mútuo através da troca de conhecimentos. Um, contextualizando o livro nos aspectos históricos e bibliográficos; outro, provendo análise detalhada dos aspectos físicos e das recomendações necessárias. Como diz o curador de livros raros Daniel De Simone, isso ajudou ambos a olhar suas profissões com "olhos mais educados".

O modelo do projeto já foi utilizado em outras coleções da biblioteca, e a então bolsista é agora funcionária da Divisão de Conservação. Chama-se Beatriz Haspo, é paulista, musicista, tradutora de alemão e espanhol, conservadora e restauradora de documentos, entre outros. É uma brasileira que, com profissionalismo e competência, mostra a que veio.

So long!

Traduzido e adaptado de: The Library of Congress Information Bulletin, October 2003, vol. 62, No. 10, "Modern Tools Evaluate Ancient Works".


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.