OBRAS RARAS


ASSIM COMO ERA NO PRINCÍPIO, AGORA, E SEMPRE: ROUBO DE LIVROS RAROS

Ano passado, e novamente esse ano, tivemos a infelicidade de ler em jornais brasileiros matérias sobre roubo de livros raros em acervos dos mais importantes do Brasil.

A história se repete, só mudam os personagens. E, se compararmos as histórias de roubo de livros raros em bibliotecas americanas e em bibliotecas brasileiras, poderemos verificar vários pontos em comum. O único ponto, aliás, ainda não muito considerado e comprovado aí, é a participação de funcionário em alguma etapa do processo - fato mais comum aqui, ou mais falado.

Há 15 anos atrás exatamente foi criado o Grupo de Estudos de Obras Raras do Rio de Janeiro, ou Georj, que pretendia explorar o tema através de suas várias facetas. A primeira escolhida, dada a necessidade do momento, foi segurança contra roubo. Uma das bibliotecas contactadas para participar do grupo "perdera" vários livros de sua coleção na época graças a um usuário que utilizou identidade falsa, era muito simpático, fez amizade com todos e, após ganhar confiança geral, roubou obras de valor incalculável.

A chefe da biblioteca em questão teve uma atitude corretíssima: telefonou para bibliotecas e instituições com acervos similares informando o ocorrido, descrevendo o suspeito, e em seguida distribuiu a relação dos livros roubados para a comunidade.

Nessa época não havia internet, e a comunicação com outros estados e países era mais difícil e demorava mais tempo. Não me recordo se aqueles livros foram recuperados. Lembro, sim, que o suspeito andou pela Biblioteca Nacional, mas deve ter desistido logo, pois as etapas para acesso ao livro raro sempre foram seguidas religiosamente, como em muitas outras bibliotecas, dificultando qualquer intenção de roubo.

Como registrado no folheto Segurança em Acervos Raros do Georj, publicado pela Biblioteca Nacional em 1994, os ladrões podem estar dentro ou fora da biblioteca, sendo pessoas conhecidas e muitas vezes funcionários. A literatura registra vários tipos de ladrão, entre eles o cleptomaníaco, que rouba porque não consegue controlar seus impulsos; o que rouba para uso próprio; o que rouba por ódio do assunto, para destruir; o ladrão casual, que rouba quando a oportunidade se apresenta; e o que rouba para obter lucro. O folheto aborda também a questão da transferência de livros raros do acervo geral para estantes sem livre acesso; a importância do processamento técnico, principalmente da catalogação como instrumento de identificação e de comprovação de procedência de um livro roubado; a função de um bibliotecário de referência trabalhando com livros raros, além de citar alguns casos de roubo nos Estados Unidos e no Brasil. Ainda que rapidamente, registra o assunto empréstimo para exposições.

Graças ao acesso quase ilimitado que hoje se tem através da world wide web (não resisto e faço o parênteses: vocês leram a notícia semana passada sobre Tim Berners-Lee, que criou a WWW? Ele finalmente foi "pago" pela sua invenção: um prêmio de US$1.2 milhões. O finlandês, 49, na cerimônia de entrega do primeiro Millennium Technology Prize, disse que se tivesse cobrado taxa para uso de sua invenção, ele jamais teria tido sucesso e hoje não haveria a internet, mas várias pequenas redes. Essa foi realmente uma contribuição revolucionária para a humanidade na área de comunicação). Voltando ao assunto: graças à internet, hoje existe acesso quase internacional a quase tudo, o que há 15 anos era impensável. Uma visita à http://www.rbms.nd.edu/ nos mostrará casos de roubo de livros raros desde 1987 (inclusive do Brasil), como submeter notícias de roubo de qualquer lugar do mundo, e (como as leis americanas do norte variam por estado) uma compilação das leis estaduais relacionadas a roubo em bibliotecas, entre outros. Há também um link para a LIBER (Ligue des Bibliothèques Européennes de Recherche) e para a ABAA (Antiquarian Booksellers Association of America) Stolen Book Database.

Hoje o Brasil não tem necessidade de criar outra base de dados que registre livros roubados, como sugerido no folheto citado; já existe uma eficiente, e os rápidos mecanismos vituais aceleram a comunicação entre as partes mais distantes desse planeta. O que talvez possa ser discutido entre as instituições com acervo raro é, como sempre, a atual situação dos acervos brasileiros, as possibilidades de comunicação com uma instituição que possa servir de contato com o exterior (existe um mercado forte fora do Brasil para livros raros que hoje estão em nossas bibliotecas, e as telecomunicações brasileiras ainda deixam muito a desejar), o conhecimentos das leis relativas a roubo de patrimônio (o livro raro é sempre patrimônio em bibliotecas no Brasil? Deixo a pergunta), e acima de tudo uma instituição ou um grupo de pessoas que possa mapear as coleções brasileiras tendo em vista a segurança de seus acervos. Estudo de usário. Conhecendo a realidade pode-se propor melhorias, garantir maior segurança, evitar o que não se deseja, e ajudar a manter a memória do país.

O assunto abordado resumidamente pelo Grupo de Estudos encontra-se disponível e atualizado na página da Association of College & Research Libraries, da American Library Association: http://www.ala.org/ala/acrl/acrlstandards/guidelinessecurity.htm

Vale a pena a visita aos sites relacionados; afinal, a história se repete...

So long!


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.