PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: O QUE OS BIBLIOTECÁRIOS BRASILEIROS TÊM A VER COM A BIBLIOTECA NACIONAL E O DÉFICIT DE CIDADANIA?

Neste último final de semana do mês de março de 2013, coincidindo com o final da Páscoa, foi defenestrado de seu cargo, talvez por imperícia, incompetência e impertinência no exercício da função, o Sr. Amorim, presidente nos dois últimos anos da Fundação Biblioteca Nacional - FBN.

 

De acordo com a imprensa diária, seu substituto já foi proclamado. Trata-se de renomado cientista político, cujas qualidades seriam o bom trânsito que dispõe nos setores que possuem as chaves dos cofres governamentais, assim como a facilidade de negociar a captação de recursos.

 

 Bibliotecários e bibliotecárias que tantos e tantas há no Brasil, provavelmente não reúnem essas especialíssimas qualificações para assumirem encargos que exigem essas perícias, pelos menos para a visão, audição e olfato dos dirigentes do Ministério da Cultura.

 

Desde 1915 a própria Biblioteca Nacional implantou seu Curso de formação de bibliotecários que, criado formalmente em 1911, necessitou de quatro anos até ter o seu início efetivo. O sucessor desse Curso, que atualmente funciona na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, tem um prestigioso quadro docente e ao longo de muitas décadas vem diplomando bibliotecários capazes, estudiosos e  dedicados. Além disso, a UNIRIO tem a companhia de quase quarenta Instituições de Ensino Superior a ministrar no Brasil o Curso de graduação em Biblioteconomia. Algumas dessas instituições, dentre elas a própria UNIRIO, oferta a formação de Mestres ou de Mestres e Doutores que estudam majoritariamente temas relacionados à gestão de unidades e serviços de informação, que incluem as instituições bibliotecárias, sobre eles produzindo dissertações e teses elogiadas e premiadas por organismos governamentais como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Como compete a essas instituições trabalhar com o conhecimento profissional, oriundo de uma Epistemologia Social, e também produzir o desenvolvimento da ciência correlata aos domínios da Biblioteconomia, por certo não incluem em suas grades curriculares matérias que agreguem os conhecimentos apropriados ou valorizados para que seus egressos possam ser candidatos à assunção do papel de dirigente da FBN, isto é: bom trânsito pessoal junto aos setores que possuem as chaves dos cofres governamentais, bem como facilidade de negociar a captação de recursos.

 

Talvez esse seja, de fato, um dos aspectos em que as grades curriculares dos cursos de formação de bacharéis em Biblioteconomia ofertados no Brasil estejam defasadas. Vê-se um enorme esforço dos Colegiados e Comissões de Curso de Graduação em Biblioteconomia em atualizarem os conteúdos com as técnicas de registro e recuperação da informação, formação e desenvolvimento de coleções, tecnologias de informação, filosofia e epistemologia, gestão da informação, planejamento, etc., mas não há disciplinas que tratem das competências que a imprensa aponta como as determinantes da escolha de presidentes da FBN.   

 

Aliás, cabe mesmo perguntar, o que é a FBN, já que se trata de órgão que se trasveste com um manto a vampirizar a Biblioteca Nacional, para propósitos que não são claramente benéficos aos leitores, pesquisadores e autores que contribuem com a memória brasileira. E isso é fácil de ver pelos traços de crua miséria em que vive essa instituição ao longo de muitas décadas. E quem fará essa pergunta? Certamente não serão os bibliotecários, que do alto de sua formação distinguem isso claramente. E distinguem na medida em que são preparados com base em boa teoria norte-americana e europeia que conceitua Biblioteca Nacional e não podem compreender que num país não tão extraterreno quanto o Brasil esse conceito, ainda que com variantes, não possa ser empregado.

 

Para além disso, é de se estranhar que num mesmo governo, ainda que em distinto feudo ministerial, um órgão como o Instituto Brasileiro de Informação Científica e Tecnológica - IBICT, constitua uma Comissão de Busca para identificar candidatos, examinar propostas, selecionar perfis, aceitando candidatos de seus próprios quadros e especialistas externos, a Biblioteca Nacional, continue a receber de forma imposta, como seu presidente, aos amigos do partido ou dos dirigentes ministeriais.

 

Independentemente de possíveis equívocos da imprensa ao elencar as razões da escolha do presidente da FBN, é essa imprensa que produz, em forma condensada, uma visão para a sociedade de que a biblioteca, no geral, e a Biblioteca Nacional, em particular, é apenas mais uma das várias repartições públicas em que o dirigente é o amigo ou correligionário. Essa imprensa leva ao desconhecimento geral e destrói o sentido que tem o esforço feito pela própria sociedade no sentido de pagar o custeio do ensino em um determinado ramo profissional, exemplificado aqui pela Biblioteconomia, cujos profissionais, os bibliotecários, não merecem respeito de ministros e dirigentes de partidos indicantes.

 

É contra esse déficit de cidadania, construído em desfavor da sociedade brasileira, que os bibliotecários precisam assumir posições. Não é brigando entre si pela criação de mais uma associaçãozinha, não é fragmentando a ação política, não é aceitando refrões sem sentido claro para alavancar os encontros de bibliotecários, não é desprezando o nome clássico profissional bibliotecário, não é pregando que tudo é ciência da informação, que se vai evitar a progressiva matança do ser essencial e material da Biblioteca Nacional, das bibliotecas públicas, das bibliotecas escolares, etc. Em tudo que aí há de erro, se considerarmos erro a fuga da atuação ideal do bibliotecário na sociedade, há algo sobre o que o bibliotecário deve se interrogar: por que deixamos que isso acontecesse? Que devemos fazer para reverter essa situação? Qual o limite de nossa fuga?

 

Como está a Biblioteca Nacional, não dá para continuar! Como estão os bibliotecários nesse episódio: dá para continuar?


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB