OBRAS RARAS


A CULTURA E OS LIVROS RAROS, EM MINÚSCULAS

Vejo, com estranheza, afastamento entre os diversos segmentos os quais a Informação permeia. Por “pequeno” exemplo, cito o que hoje se passa com bibliotecas escolares, de um lado, e o Ministério da Cultura, de outro, este, como aquelas, reflexo do descaso de sucessivos governos. De um lado, o MinC, talvez significando a derrota de um ministério que jamais deveria ter sido desmembrado da área da Educação, por todos os motivos. De outro, políticos despreparados se arvorando em pregar a não necessidade de bibliotecários em escolas (ver PLC n. 28/2012). A base - que as bibliotecas escolares representam - luta para se qualificar e o “topo”, que o MinC representa, manifesta cada vez mais seriamente seus sinais de agonia.

 

No âmbito governamental federal da Cultura o empobrecimento é geral. É uma classe vista pelos hierarquicamente superiores (de Brasília, em especial) como sem prestígio, ainda que muitos de seu quadro tenham mestrado e doutorado acadêmico. Além disso, os governos dos últimos dez anos, perversamente, criaram mecanismos para incentivar a autofagia no grupo (ao que parece, ainda não ocorreu), separando categorias e impondo aumentos salariais diferenciados. Houve alguma melhoria nesse tempo? Alguma, longe, muito longe de ser a justa melhoria para o ministério em questão.

 

Quando há reivindicação de equiparação salarial com outros ministérios = negação = greve, ficam os funcionários em situação delicada perante a sociedade, já que (outra ação governamental polêmica) a criação de alguns tantos mil cargos de DAS com altos salários, em vários setores/ ministérios, a fim de aparelhar o Estado com quem bem entendessem, coloca funcionários de carreira e outros no mesmo contexto (e a sociedade contra quase todos, no que tange aumentos salariais). À Cultura, em especial aos seus funcionários, pouco ou nada sobra. Para piorar, os aumentos incidem sobre uma gratificação, que é o mecanismo perverso criado, já que o aposentado do MinC não a leva integralmente (mas somente 50%) e a qualquer momento o governo a pode retirar pois, afinal de contas, aposentado não tem direito à gratificação. Hoje, o salário de final de carreira do MinC equivale ao inicial de vários outros ministérios, às vezes até menor. Quando se fala no Ministério, esse problema sequer aparece na grande mídia como um a ser solucionado. Falta política de Estado, para não se ficar ao sabor de governos.

“E o sindicato?”, alguns perguntarão. Bem, esse, que deveria representar os funcionários, fecha acordos com o governo sem consultá-los, como ocorreu nas últimas ocasiões. Os de 2003, 2007 e 2011 não foram cumpridos e provavelmente jamais o serão, por vários motivos, mas igualmente porque os funcionários desse ministério não têm visibilidade, nem para o sindicato, nem para o governo, nem para a sociedade; é “cultural”. Em final de agosto passado, neste 2012, ocorreu o mesmo: a Condsef (Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal) fechou acordo com o governo, não pela primeira vez, sem consultar a base. A Cultura é inexpressiva para o sindicato porque são poucos funcionários (3679 ativos em abril de 2012, de acordo com o Ministério do Planejamento) e menos ainda são os filiados. Como nos anos anteriores, não se conseguiu o adicional por titularidade ou gratificação incorporado ao vencimento básico. Muitos se aposentarão em breve e concursados optam por outras instituições
– o que nos leva novamente aos sinais de agonia mencionados.

 

Enquanto isso, a Biblioteca Nacional corre risco de incêndio ao mesmo tempo em que é ruída por insetos e não consegue bem atender seu público local ou virtualmente (como atestam listas de discussão da área), não há verba para a manutenção de museus, e assim, trôpega, caminha a área.

 

O exposto – pequena parte de um ângulo da ponta do iceberg -, ou seja, bibliotecas escolares possivelmente sem bibliotecários, políticos brasileiros sem compromisso com a res publica, funcionários do MinC com baixos e diferenciados salários e deterioração do patrimônio público, são fatias do mesmo todo.

 

O que tem isso a ver com livros raros? Tudo. Assim como outros segmentos da Cultura, enquanto os livros raros não forem entendidos como patrimônio da sociedade, memória de um povo e sua história, registro impresso da vida de um país, sua conservação e relevância não irão muito longe. O fator invisibilidade dos que atuam nessa área talvez requeira trabalho mais efetivo que possa expor, a um público maior (formado pela sociedade, pares e governantes), a sua importância e a necessidade consequente de sua valorização, em todos os níveis. As mudanças começam no âmbito interno, local, para criar base sólida. Isso se faz indispensável em países de pouca cultura no nível governamental, como o nosso. Obviamente, o exposto acima, apenas, não resolverá problemas, mas ajudará bastante na criação de nova mentalidade para o entendimento do que seja patrimônio público, ocasionando maior projeção para os profissionais desse campo.

 

Até a próxima!


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.