O EDIFÍCIO MÁSTER E O FUNERAL DAS ILUSÕES
Edifício Máster (2002) mostra a diversidade de pensamentos e serve como informação catártica para o espectador. Isso, considerando-se alguns depoimentos que são expostos sem entremeios. É o caso do de Daniela ao falar do seu pavor pelas ruas de Copacabana sempre cheias: "ou tem gente demais, ou as calçadas estão estreitas". Assim, no turbilhão da depressão que enfrenta diuturnamente, num gesto desprendido admite que a estética mesmo sendo ridícula pode ser balsâmica, então o simbólico faz sentido. E é isso a que assistimos durante 110 minutos: depoimentos tocantes. Dos quais podemos tirar lições de vida.
Os 37 personagens entrevistados revelam-se verdadeiros, mesmo que sejam mentirosos. É ficar atento a fala da garota de programa. A sua vida, embora sofrida e verdadeira, é permeada pela mentira. Ela mesma já não sabe mais quando mente, mas jura que o seu depoimento é verdadeiro. Mãe solteira precocemente, abandonada pelo pai durante a gravidez, lança-se na prostituição para sustentar a sua filha e admite que gosta do dinheiro que recebe, melhor que ter determinado emprego. Mas precisa beber antes de sair para as sessões sexuais, pois de "cara limpa" não consegue. É um depoimento marcante.
Como também é o depoimento de Sérgio, o síndico. Marcado por frases de efeito ele resume o Edifício Master (o prédio) em um lugar onde se vive a realidade. Diz isso para falar das suas dificuldades enquanto síndico disposto a moralizar um condomínio até então um antro de drogados, de travestis, de prostitutas, de cafetinas e de quartos de massagens, misturados às famílias que lá residiam. Apesar das dificuldades ficará mais quatro anos como síndico - o poder é inebriante, seja em que esfera for. É de Sérgio a frase mais contundente do filme, ao expor o seu exercício do poder: de Piaget a Pinochet. Ou seja, ele administra exercendo primeiro o amor, não dando resultado vem a porrada. Para ele "a realidade é o funeral das ilusões". O dia-a-dia enterra discursos mais ternos e empurra-nos (a todos) para diálogos concretos, ficando-se assim expostos às verdades cruas, por mais duras que sejam, e as mentiras engendradas perdem-se na própria falta de sentido.
Como diz Sartre "a realidade do objeto coletivo repousa na recorrência". E é isso que Sérgio enquanto síndico do objeto fílmico de Coutinho administra: a recorrência de comportamentos. O edifício é uma reunião de indivíduos que coletivizam desilusões e decepções. São saudades e solidões, às vezes permeadas por mentiras, entrincheiradas em 12 andares. Um amontoado de gente resultante de insucessos profissionais, desilusões amorosas e decepções familiares. Como complementa Sartre sobre os coletivos: "em cada um deles encontraremos sempre uma materialidade concreta que sustenta e manifesta uma fuga que corrói". E Eduardo Coutinho desfila com competência no seu filme essas fugas a se refugiarem no Edifício Máster.
Na verdade apenas um entre tantos outros edifícios existentes nas cidades a guardarem os segredos de seus moradores, verdades vividas e mentiras contadas que corroem o tempo e a vida em fugas inatingíveis. No caso do Master, são vidas em declínio ou no mínimo paralisadas a espera do nada. Solidão e saudade se misturam num filme para ver e ver-se; para assistir e aprender; para compreender e aceitar as pessoas como elas jamais gostariam de ter sido. Vale a pena conferir. Os depoimentos nos seguram nas cadeiras e o tempo passa sem percebermos. Um documentário magnífico.
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Edifício Master. Brasil, 2002. Direção de Eduardo Coutinho. Roteiro inspirado numa idéia de Consuelo Lins. Cia. Produtora: Vídeo Filmes. Distr.da Rio Filmes. 110 min. Documentário.