PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: LIMITES DA RESPONSABILIDADE

Há duas instâncias concretas que dão suporte à atuação dos bibliotecários brasileiros e por eles construídas, visando cuidar das necessidades sociais da informação. A primeira delas é constituída pelas Associações Profissionais e pelos Cursos de Biblioteconomia (sejam de  Bacharelado em Biblioteconomia ou de Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação) e a eles poderíamos denominar de instituidores da categoria profissional, enquanto forças de organização política e de formação acadêmica. São instituidores porque detém em si a responsabilidade pela constituição da identidade profissional e pela consubstanciação do discurso científico que dá base a essa identidade profissional, em seu caráter, tanto técnico quanto político. A segunda instância é constituída pela Legislação profissional, a qual coloca o Conselho Federal (e seus Regionais) de Biblioteconomia (CFB) no centro de um tabuleiro que vem a se constituir no que poderíamos denominar de lugar da legitimação estatal da categoria profissional. Essa legislação e o CFB foram  criadas como o todo de uma escolha de política profissional, a partir da liderança de um grupo que em dado momento formou o entendimento, defendeu-o e o fez vencer de que seria melhor para os bibliotecários brasileiros submeter a autonomia de regulação profissional de sua categoria à máquina do Estado. Como consequência dessa postura recebeu deste Estado o mandato da fiscalização do exercício das atividades típicas da profissão bibliotecária no país. Essa  função de polícia do Estado é um dos limites de uma específica responsabilidade que os bibliotecários brasileiros carregam, a partir de uma leitura interpretante da fragilidade das Associações profissionais do campo da Biblioteconomia brasileira.

 

Outro limite da responsabilidade dos bibliotecários brasileiros é contingente a essa decisão de requerer do Estado a constituição de uma estrutura formal que lhes dê o poder de atuar sobre si mesmos como polícia do Estado, tendo como consequência a curto, médio e longo prazos, como se vê hoje, 46 anos depois da regulamentação da Lei 4.084/62 pelo Decreto 56.725/65, o contínuo enfraquecimento dos setores da primeira instância (Associações e Cursos). É prosaico que um dos argumentos que se ouve nos corredores dos eventos profissionais para que isso se dê deriva da vertente econômica, isto é, os profissionais não obtêm tão boa remuneração, de modo que possam sustentar as entidades da instância que institui a profissão no país, uma vez que são obrigados a sustentar a instância de legitimação estatal da categoria profissional, ou seja, a entidade por eles constituída como polícia do estado para as práticas profissionais bibliotecárias.

 

Evidentemente, ocorreu aí, visto retrospectivamente, um erro estratégico nos anos 1960, construído por uma categoria profissional bibliotecária que, no calor dos acontecimentos dos últimos anos da década de 1950, foi incapaz de ver as consequências futuras daquela sua criação. A situação vivida hoje, no início da segunda década do século XXI, é de uma categoria profissional que está com suas matrizes de criação politicamente fragilizadas, talvez mais fragilizadas que nos anos da década de 1950-1960. E isso tem a ver com outro limite da responsabilidade profissional que é a delegação tácita ou a aceitação cômoda e sem discussão consequente de funções que não caberiam ao Conselho Federal de Biblioteconomia sejam por ele executadas. Para se tomar como exemplo, a fim de ilustrar esta reflexão, basta lembrar a mobilização em torno da “conquista” da Lei de universalização da biblioteca escolar ou, no momento, de outra mobilização que ele ameaça liderar em torno do PACTO EM DEFESA DA BIBLIOTECONOMIA. Nessas duas situações o Conselho se imiscui em questões relacionadas à educação em Biblioteconomia e defesa de mercado de trabalho, neste último caso, se achando respaldado no esforço realizado em torno da já referida Lei de universalização da biblioteca escolar. O que torna preocupante esse movimento é a inércia das outras entidades, as Associações profissionais, para ser mais específico, pois sem recursos financeiros que lhes são negados pelos bibliotecários, os quais se omitem de pagar suas anuidades em quantidade suficiente para mantê-las ativas e atuantes, são obrigadas a ver a uma certa distância a desenvoltura inadequada do órgão de polícia estatal, beneficiado pela compulsoriedade do pagamento das anuidades que os bibliotecários, segundo a Lei, são devedores e cujo não pagamento os tornará “evasores” fiscais, portanto, similares a criminosos.

 

Ora, isso não mereceria discussão. Não fazer essa discussão, não fazê-la urgentemente, coloca outro limite da responsabilidade dos bibliotecários brasileiros, que é um limite ético, de conduta e de interpretação sobre o bem para si como grupo e para a sociedade a quem serve.

 

Voltando à ação do Conselho como fiscalizador do exercício das práticas profissionais bibliotecárias no Brasil deve ser considerado como aspecto importante que o Conselho não tem atribuição formal de legislar, negociar ou executar ações que substituam a iniciativa das instituições de ensino que formam profissionais para atuação no campo da Biblioteconomia. Se por uma interpretação qualquer da legislação possa ser encontrada uma brecha para essa iniciativa, os membros do Conselho, na condição de dirigentes, por dever ético, deveriam repassá-la às entidades instituidoras  da profissão bibliotecária no Brasil. Não mais que isso! Outro aspecto importante, na mesma direção, seria não tomar, dirigir e executar iniciativas referentes à defesa e ampliação de mercado de trabalho profissional. Essa competência, eticamente, cabe às Associações e Sindicatos profissionais. No caso de caber ao Estado mais amplo, ela é de execução de outros setores e não da entidade que tem a atribuição formal de fiscalizar e proteger a sociedade das más práticas profissionais no campo a que responde.

 

Mas tudo isso coloca questões mais espinhosas: que responsabilidade os bibliotecários brasileiros têm pela qualidade de suas práticas profissionais? Que consciência os bibliotecários brasileiros têm em torno de quais entidades poderiam, uma vez por eles instituídas, fazer nos limites das responsabilidades que lhes foram atribuídas as ações de fortalecimento profissional?  Para finalizar, que ética profissional o bibliotecário brasileiro efetivamente exercita?


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB