PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: AGORA TEREMOS A BIBLIOTECA ESCOLAR DE QUE A SOCIEDADE BRASILEIRA NECESSITA?

A realidade da escola brasileira exibe uma situação dramática, quanto ao acesso a fontes de diversificação do discurso do professor. Em geral, mal equipada com meios de leitura, informação e formação, centrada na sala de aula que dispõe, majoritariamente, como principal tecnologia de comunicação giz e quadro verde, a escola brasileira tende a tornar o professor o centro de difusão do conhecimento. E esse professor, os diretores e equipe pedagógica da escola e os proprietários de estabelecimentos escolares privados, têm ainda esse modelo de escola: a escola centrada no professor e não no conhecimento. Então é improvável que, espontaneamente, essa referência ou habitus seja desprezada apenas pelo fato dessa(s) pessoa(s) vir(em) a se tornar professor(es).         

 

Algo que se tem revelado grave, mas obviamente não percebido pela maioria dos gestores e pais de alunos, é quando o professor de sala de aula não tolera a relação com seus alunos no dia a dia e vai, em geral, expandir sua intolerância para todos os demais alunos da escola, através do recurso administrativo que se traduz por sua “readaptação” na biblioteca. Esse é o quadro que predomina nas escolas públicas, quando dispõem de “bibliotecas” abertas em algum horário do dia. Evidentemente, que essa observação deve ressalvar àqueles professores, cuja readaptação na biblioteca, e eles são poucos, revela uma vocação dantes não conhecida de almas bibliotecárias, a quem se deveria estimular a fazer uma formação técnico-científica em Biblioteconomia, para, associada ao domínio da pedagogia e da didática, vitalizar a biblioteca escolar como o centro dinâmico da ação escolar.

 

Entretanto, o Censo Escolar 2009 revela que a maioria das escolas públicas da educação básica, e boa parte dos estabelecimentos privados, não têm bibliotecas. Das 152.251 escolas de ensino fundamental, 52.355, isto é, em torno de 1/3 apenas tem bibliotecas (e 99,8 mil não a têm); no ensino médio, das 25.923 escolas, 18.751 têm biblioteca (7,1 mil não a têm). Mas isso não revela todo o quadro. Desses estabelecimentos que dispõem de bibliotecas, pouquíssimos contratam um profissional bibliotecário, por algumas razões: a) é mão de obra pouco disponível no mercado, pois há mais de quatro décadas os cursos de graduação em biblioteconomia brasileiros, majoritariamente, voltaram a ênfase de suas grades curriculares para a formação de profissionais capazes de atuar com a ICT; b) baixos salários, pois se os professores são submetidos a salários miseráveis os demais trabalhadores da escola, especializados ou não, terão baixos salários; c) a relativamente difícil interação entre educadores e bibliotecários, às vezes levada ao extremo, de um lado, pela falta de compreensão mútua do alcance do trabalho de cada um e, de outro, pela falta de tempo para dialogarem e formarem um ambiente de trabalho em equipe.

 

Embora essa apreciação não seja um diagnóstico preciso, é necessário que seja feito a fim de se ter uma base mais segura para a construção, pelo campo profissional da Biblioteconomia, de uma estratégia de abordagem do ambiente e das pessoas que tomam decisões na escola, sobre o seu projeto pedagógico e sua gestão administrativa: pais, professores e diretores. E quem poderia fazer estudos desse alcance em uma das pontas? Creio que poderiam ser programas de Doutorado e Mestrado em Biblioteconomia, dotados de linhas de pesquisa direcionadas a essas temáticas. Entretanto, por imprevidência e descompromisso com o país da base, em proveito apenas do país das elites, as nossas universidades permitiram que seus docentes de Biblioteconomia descontinuassem os programas de Mestrado existentes e nem chegassem a criar cursos de Doutorado para tratar desses estudos.

 

Assim, para não perder o jeito brasileiro de ser, em  que o estudo científico da  realidade social tem pouco interesse, voltamos ao princípio das ordenações manuelinas, de origem portuguesa, e elaboradas no começo do século XVI,  segundo o qual a Lei conforma, isto é, dá forma à sociedade. E agora, no caso, que lei? A Lei nº 12.244, de 24 de maio de  2010, que “dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País”. Essa lei é caudatária desse princípio, especialmente no discurso entusiástico e recente dos bibliotecários, que em blogs, listas de discussão, etc., não se contém em ver realizada a conquista nunca dantes feita. Ocorre que assim veem por enxergarem  simplesmente a parte do artigo 3°, destacada em itálico a seguir:

 

“Os sistemas de ensino do País deverão desenvolver esforços progressivos para que a universalização das bibliotecas escolares, nos termos previstos nesta Lei, seja efetivada num prazo máximo de dez anos, respeitada a profissão de Bibliotecário, disciplinada pelas Leis nos 4.084, de 30 de junho de 1962, e 9.674, de 25 de junho de 1998.”

 

Mas se estivessem atentos à imprensa brasileira que se preocupou com o tema, blogs de escolas, listas de discussão de educadores, etc. veriam que esta parte está sendo  solenemente ignorada. O que a grande maioria das pessoas está lendo na Lei nº 12.244 e sobre a Lei nº 12.244 é o seguinte:

 

Art. 1° As instituições de ensino públicas e privadas de todos os sistemas de ensino do País contarão com bibliotecas [...].

Art. 2° [...] considera-se biblioteca escolar a coleção de livros, materiais videográficos e documentos registrados em qualquer suporte destinados a consulta, pesquisa, estudo ou leitura.

Parágrafo único. Será obrigatório um acervo de livros na biblioteca de, no mínimo, um título para cada aluno matriculado, […]

Art. 3° Os sistemas de ensino do País deverão desenvolver esforços progressivos para que a universalização das bibliotecas escolares, […]  seja efetivada num prazo máximo de dez anos.

 

Então, essa é a questão: precisamos ter inteligência para pensar como mais uma vez vencer a estagnação e apresentar um projeto de biblioteca escolar para mobilizar a sociedade brasileira. Se olharmos para os CBBD, desde a década dos cinquenta do último século, os bibliotecários manifestavam-se para a existência de bibliotecas públicas e, também, bibliotecas escolares para todos. Após muitas décadas, chegamos a isso. Isso é tudo? Agora, só nos falta formar muitos bibliotecários para ocupar os espaços profissionais que serão abertos? Doce ilusão!

 

Veja-se que os “educadores” e muita gente que está acessando os sites que já se ocuparam do tema põem dúvida se essa não é mais uma daquelas famosas leis que jamais pegarão.


   453 Leituras


Saiba Mais





Sem Próximos Ítens

Sem Ítens Anteriores



author image
FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB