PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: O PENSAMENTO COLETIVO FRAGMENTADO DO BIBLIOTECÁRIO NO BRASIL – PARTE 3: A EXCLUSÃO DAS TEMÁTICAS EDUCACIONAIS E ESTUDANTIS DAS PAUTAS DOS CBBDS

Continuando a discussão que está em pauta nesta coluna desde novembro de 2009, a qual leva em conta recomendações que os bibliotecários brasileiros vêm produzindo nos últimos 56 anos, no âmbito do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD), inicio com perguntas: por que se trabalhou especialmente para forjar a fraqueza política dos bibliotecários? Foi por uma leitura “realista” do sombrio ambiente sócio político dos anos 1960, imposto pelo silenciamento paralisante, promovido pela ditadura do estado sobre todas as profissões? Foi uma decorrência da miséria bibliotecária permanente na sociedade brasileira que levou a uma regra absurda: para a biblioteca um bibliotecário com a finalidade de cuidar de coleções? Foram outras as razões? Elas existiram ou existem? Quem pode melhor falar sobre essas outras razões?

 

Sejam quais forem os motivos que dão consistência tumular a essa fraqueza política, há um fato concreto: o discurso dos bibliotecários brasileiros construído como representação paralisante, em seu principal fórum de tomada de decisão coletiva: o CBBD.  Especificamente no VI CBBD, realizado em 1971, em Belo Horizonte, os bibliotecários então reunidos deliberaram aprovando-as, as quatro recomendações que estabeleceram a exclusão das temáticas educacionais e estudantis das pautas dos CBBDs. Vejamos:

 

- Recomendação 25 – Que seja excluída dos futuros congressos brasileiros de Biblioteconomia e Documentação a discussão de assuntos referentes ao ensino e à formação profissional, os quais deverão ser examinados pela ABEBD em suas reuniões e encontros, e posteriormente relatados aos plenários de congressos profissionais;

- Recomendação 26 – Que a ABEBD, juntamente com as Escolas de Biblioteconomia, promova encontros de Estudantes de Biblioteconomia, para discussão de teses e trabalhos e interesse do grupo;

- Recomendação 27 – Que se recomende à Associação Brasileira de Escolas de Biblioteconomia e Documentação a realização do I Congresso Brasileiro de Estudantes de Biblioteconomia em São Carlos, em 1972;

- Recomendação 28 – Que os trabalhos de autoria de estudantes de Biblioteconomia sejam apresentados e discutidos em reuniões da classe estudantil e não em congressos regulares de Biblioteconomia e Documentação.

 

Fiz destaques aos textos das recomendações acima transcritos para refletir sobre o caráter de exclusão que neles está não só evidenciado mas expresso, e para observar a base de uma pedagogia separatista, isolacionista e autoritária e de uma ética não dialógica. Contextualizadas por esse clima de exclusão, individualização e isolamento é que foram formadas as gerações de bibliotecários que até recentemente atuaram como docentes dos Cursos de Biblioteconomia e que também foram os modelos de intelectuais bibliotecários dos atuais docentes desses Cursos. Ou seja, sem instrumentos de defesa possível, a não ser de caráter social mais amplo, pela possível não entrada no campo ou pelo abandono da Biblioteconomia, os atuais docentes desses Cursos são pessoas que incorporaram e, com maior ou menor grau de convicção, transmitiram a seus sucessores profissionais limitações de duas naturezas: a) a subordinação ao pensamento de exclusão contido no imaginário dos bibliotecários dos anos 1960 e 1970 e b) a assimilação da fragmentação coletiva, visto que na categoria bibliotecária de então havia: 1 - bibliotecários claramente estabelecidos como tais; 2 – professores de Biblioteconomia, que deveriam se congregar em uma associação de escolas; 3 – estudantes de Biblioteconomia, que deveriam ser subordinados às escolas e respectiva associação de escolas. Ora, isso não foi apenas um programa político da categoria bibliotecária brasileira, isso também foi um modelo pedagógico e de conduta imposto, isto é, deveria ser aceito que constituímos um mundo fragmentado onde cada um estaria limitado a um círculo de fogo estabelecido por que se achava com a posse do poder de fazê-lo.

 

Considerando: 1 - que a sociedade se movimenta pela permanente construção de valores e ideais que forjam a realidade; 2 - que o Brasil foi redemocratizado politicamente e prossegue neste esforço; 3 - que avanços econômicos e tecnológicos nos alcançam, o que aconteceu que poderia evidenciar uma possível democracia bibliotecária nestes anos 2000? Nada! Aliás, para não ser injusto com a idéia construcionista da realidade, eu digo que aconteceu para a categoria bibliotecária uma piora política acentuada, se fizermos uma comparação com os anos 1970, tendo por base o seguinte: 1 - bibliotecários claramente não sabem que identidade têm; duvidam se são bibliotecários ou profissionais da informação, em face do jogo ideológico que se foi acentuando em torno de um discurso de interesse das organizações que lidam com a Informação Científica e Tecnológica; 2 – professores de Biblioteconomia não conseguiram manter sua  associação de escolas de Biblioteconomia, que foi substituída, em 2001, por uma Associação de Educação em Ciência da Informação, embora a grande maioria dos Cursos seja designada por Biblioteconomia e seu conteúdo predominante seja de Biblioteconomia, até pelo fato da chamada Ciência da Informação ainda ser uma mitificação modernizadora, que se materializa pela presença nos ambientes de trabalho bibliotecários de processos automatizados para armazenagem e recuperação da informação; 3 – estudantes de Biblioteconomia, que hoje não têm certeza sobre a identidade profissional de seus professores e acadêmica de seus cursos: são Cursos de Biblioteconomia, Documentação, Ciência ou Gestão da Informação? E, assim, são estudantes alheios à própria necessidade de articulação de um movimento associativo que possa vivificar as associações de bibliotecários; que possa focar uma sociedade que necessita de curadores ou cuidadores de comunidades de usuários, das quais as mais frágeis e carentes de atenção são as públicas e escolares que, por estarem na base da sociedade, constituem um enorme público e também um inesgotável mercado de trabalho. E são esses estudantes ou os recém formados em Biblioteconomia que poderão fazer, se o quiserem, a constituição de uma biblioteconomia adaptada às necessidades das populações brasileiras, todas. Mas entregues à própria sorte na discussão das temáticas de seus interesses, como farão com as necessárias relações de interlocução para chegar a isso, se seus interlocutores, como membros de um todo profissional, no qual eles ingressarão após sua formação acadêmica, não querem lhes ouvir e se as escolas têm seus próprios problemas, como se vivessem num mundo sem estudantes?

 

É esse intrigante quadro que os bibliotecários brasileiros foram construindo nas sucessivas edições do CBBD. Contudo, é nos recém egressos e nos atuais estudantes que podemos apostar em torno de mudanças e de construção de aproximações que possam fomentar uma nova prática profissional dirigida por uma pedagogia e uma ética em que o outro (usuário, leitor) não será meramente um crachá, um cadastro! E isso precisa ser feito dentro da própria categoria bibliotecária, onde outros são parceiros: estudante é bibliotecário em potência e professor é bibliotecário educador.


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB