PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: HÁ BENEFÍCIOS NA DESREGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE BIBLIOTECÁRIO NO BRASIL?

Os últimos meses trouxeram alguma novidade para o ambiente das profissões de exercício regulamentado no Brasil, abrindo-se uma discussão sobre o benefício que tal regulamentação pode produzir para a sociedade. E a preocupação não veio por conta da desregulamentação de quaisquer das profissões regulamentadas existentes no país, mas tão somente da dispensa de obrigatoriedade de apresentação de diploma de Bacharel em Jornalismo para que qualquer pessoa que conviva no ambiente brasileiro possa exercer a profissão de Jornalista no país.

 

A discussão faz sentido, pois o pressuposto para que alguém possa exercer uma profissão dentre as que são regulamentadas é se inscrever compulsoriamente e pagar o ônus financeiro de uma licença anual, que lhe permite o “salvo conduto” para a respectiva prática; mas o pressuposto para essa inscrição é a apresentação de um diploma de Bacharel no respectivo campo acadêmico. Esse segundo pressuposto aponta para o fato de que a quebra da exigência do Diploma para o exercício de qualquer uma dessas profissões extinguiria a regulamentação profissional. A interpretação é correta e sustentação similar poderia ser aplicada para a maior parte das profissões regulamentadas no país, dirigida pela seguinte pergunta: o que a sociedade perde se para o exercício das profissões não for mais exigido o diploma de nível superior em seu campo de formação acadêmica?

 

Imaginemos que para as práticas atinentes a uma profissão há um conjunto de conhecimentos necessários; imaginemos que nem sempre esses conhecimentos sejam totalmente adquiridos no ensino superior; imaginemos que as demandas da sociedade demonstrem a necessidade da oferta de tais práticas profissionais; mas que uma política liberal não exija a comprovação obrigatória por parte de seus executores de que tenham adquirido a respectiva capacitação em escolas de ensino superior – isso evita que tais escolas existam? Isso evita que Associações profissionais e sindicatos existam? Isso implica que não haverá fiscalização do exercício profissional? A resposta é negativa  para as três questões.  

 

Voltemos para o caso do Jornalista e pensemos também no Arquivista e nos profissionais que compõem outras profissões mais recentes como de Analista de Sistemas. São profissões para as quais as empresas e o próprio governo ao abrirem oportunidades de trabalho ou concursos requerem a comprovação de formação em ensino superior. De outro lado, são profissões cujos membros têm investido na formação de Associações ou sindicatos, mas também sofrem a fiscalização do Ministério do Trabalho.

 

Pensemos nas possíveis diferenças que se pode perceber no cotidiano dessas profissões e de seus profissionais. Uma diferença em relação às chamadas profissões regulamentadas é que desde há muitas décadas os Jornalistas brasileiros, por não terem Conselho Profissional, registram-se em órgão competente da estrutura do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que faz a identificação dos profissionais habilitados naquele campo para atuar na sociedade. Também há muitas décadas existe uma legislação sobre as profissões de Arquivista e de Técnico em Arquivos. Por essa legislação, o diplomado em Arquivologia dirige-se ao MTE e faz o seu registro profissional, adquirindo um número registro, tal qual o Jornalista. No caso das profissões regulamentadas, esse registro é atribuição do Conselho Profissional, que tem função delegada pelo Estado para isso e para arrecadar pois possui o status de autarquia governamental. Outra diferença fundamental se relaciona ao fato de os profissionais das Profissões não regulamentadas sentirem uma pressão muito maior de organizar entidades representativas fortes de seu interesse como trabalhador especializado. Suas Associações e Sindicatos, quando existem, tendem a ser muito mais fortes do que os similares constituídas pelos membros das Profissões regulamentadas. Uma terceira diferença tem caráter ideológico: num mundo que vende / compra e faz propaganda da flexibilização profissional há uma certa incoerência entre a defesa dessas idéias e ser  membro de uma profissão regulamentada. O discurso da flexibilização tem origem no universo econômico e político inglês e dos Estados Unidos, em que as profissões são regidas por princípios liberais e em que os seus membros lutam dia a dia pelo avanço social, sucesso e reconhecimento profissional, a partir de iniciativa do próprio grupo. Nesses países, por exemplo, a Library Association (LA) e American Library Association  (ALA), respectivamente, são entidades fortes, inclusive economicamente; e o são não por que estejam vinculadas ao Estado, mas porque autonomamente fazem parcerias e cobrança efetiva de postura do Estado e das demais organizações; seus associados são contribuintes econômicos voluntários para a sustentação da luta profissional.

 

No ambiente brasileiro, o que há no caso da Biblioteconomia, é um Conselho de Biblioteconomia endinheirado, pela arrecadação compulsória da taxa de registro profissional e respectiva renovação de anuidade, e por isso aparentemente forte, e um conjunto de Associações economicamente pobres e, por isso, fracas. Mas, ambos são fracos politicamente.

 

Até que ponto não seria um benefício para os bibliotecários brasileiros que o Estado saísse do interior da profissão, pela sua desregulamentação? Até que ponto, um choque dessa amplitude sobre o marasmo e a acomodação hoje predominantes não representaria uma potência que promoveria o fortalecimento político da profissão; uma força que poderia resultar da percepção de seus membros de que a verdadeira capacidade de empreender requer outra relação com o Estado?


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB