PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: MUDANÇAS E MUDANÇAS

Há pouco mais de quarenta anos foi esboçado pela primeira vez o texto do Código de Ética do Bibliotecário brasileiro. Inicialmente, como um instrumento de iniciativa da FEBAB. Em seguida, a partir de 1966, como Resolução de número 05/66, com posteriores alterações cosméticas, justificado pela implantação do Conselho Federal de Biblioteconomia e seus Regionais. Identificado como uma Resolução desta entidade, o conteúdo do texto passa a compor o conjunto dos instrumentos formais para a efetivação da regulamentação da profissão.

 

A nação que integrava a sociedade brasileira de então contava com uma população de pouco mais de 72 milhões de habitantes. Em 1965, a economia brasileira gerou um Produto Interno Bruto [PIB], isto é, o somatório de tudo que é produzido internamente no Brasil, nos setores de indústria, serviços e agropecuária, de 28 bilhões e 756 milhões de dólares americanos (1). O quadro político institucional sofria a transformação de um país que passou de uma significativa liberdade política do final dos anos da década iniciada em 1941 até o começo da década iniciada em 1961 para um brutal acorrentamento de opinião a partir dos anos 1964, decorrente de um Golpe de Estado que vigorou por mais de vinte anos.

 

O quadro educacional inseria uma proporção ainda pequena da população nos estabelecimentos escolares e universitários de então, significando que aproximadamente 1.200 pessoas da população total brasileira em cada grupo de 10.000 estavam inseridas na educação básica (fundamental e médio) e 14 pessoas da população total brasileira em cada grupo de 10.000 na educação superior. A quantidade de bibliotecas ainda era baixa, mas predominava ao menos no discurso dos bibliotecários, conforme os debates realizados e as deliberações tiradas nos quatro primeiros CBBDs, o sentimento de que o futuro da sociedade exigia que os bibliotecários mirassem mais o mercado de trabalho constituído pelas bibliotecas públicas e escolares.

 

Se dermos um salto no tempo e olharmos para os aspectos que foram destacados acima, veremos significativas mudanças. No crescimento populacional, com aproximadamente 190 milhões de habitantes no final da primeira década do século XXI; na ampliação do PIB, que ao final de 2008, atingiu um volume aproximado de 1 trilhão e setecentos bilhões de dólares (2); na retomada da liberdade de opinião política; no crescimento significativo do acesso à escola, levando em 2008 que em torno de 263 pessoas da população total brasileira em cada grupo de 10.000 chegasse à educação superior e em torno de 2.789 pessoas da população total brasileira em cada grupo de 10.000 se inserisse na educação básica (fundamental e médio); e na mudança do foco dos bibliotecários quanto ao mercado das bibliotecas públicas e escolares, que também por isso certamente não acompanha essa mudança de números.

 

Daria para dizer-se que os bibliotecários vêm mudando conforme muda a sociedade? Creio que a opinião sobre isso vai variar conforme o gosto do discursante. É relevante lembrar que o foco do interesse da categoria bibliotecária dirigiu-se a partir dos anos da década iniciada em 1971 para o mercado das bibliotecas especializadas vinculadas ao setor governamental; seja para aquelas que atuam como suporte para as políticas públicas, seja para as que dão suporte à ação empresarial do Estado. Assim, o forte direcionamento para todo o segmento de Informação Científica e Tecnológica [ICT] levou ao desprezo do interesse pela Biblioteca Pública e mais notavelmente pela Biblioteca Escolar. Quanto a isso, os dados falam por si!

 

Mesmo que os dirigentes políticos do país reivindiquem sua inserção efetiva no grupo dos 20 países que “influenciam” as políticas globais, temos apenas, segundo dados do INEP, ¼ dos estabelecimentos escolares que compõem a educação básica dotados com “sala de livros”; contamos com menos de 2% desses estabelecimentos escolares dispondo do profissional bibliotecário; vemos que a grande maioria dos estados brasileiros, bem como dos municípios não dispõem de uma rubrica de cargos e carreira de bibliotecários escolares; ainda não alcançamos a universalização da implantação de bibliotecas públicas em todos os municípios; temos em torno de 6 (seis) bibliotecários para cada grupo de 100.000 (cem mil) habitantes, enquanto nos Estados Unidos há em torno de 57 (cinqüenta e sete) bibliotecários para cada grupo de 100.000 (cem mil) habitantes. A lista é grande de coisas que estão subentendidas como devendo ser feitas pelos bibliotecários, na sua missão de dar à sociedade as condições de superação das limitações materiais. E uma dessas coisas é a ação política.

 

A alínea “e” do artigo 2° do Código de Ética Profissional do Bibliotecário [Resolução CFB 42/2002, de 11/01/2002] afirma que é dever do profissional de Biblioteconomia “contribuir, como cidadão e como profissional para o incessante desenvolvimento da sociedade”. Aí cabem questões: todo o desenvolvimento da sociedade exclui o esforço, a luta pela conquista dos meios para a oferta abrangente, ampla, ampliada, amplíssima de serviços bibliotecários para todas as pessoas, de todas as condições, em todos e quaisquer lugares? O desenvolvimento da sociedade que interessa ao bibliotecário dá-se somente nas estruturas bibliotecárias sediadas em órgãos de governo e em empresas públicas e privadas? Qual é o conceito que os bibliotecários admitem como conveniente para a noção de desenvolvimento da sociedade a fim de começar o tornar operacional esse dispositivo do Código de Ética?

 

O artigo 8° do Código de Ética Profissional do Bibliotecário [Resolução CFB 42/2002, de 11/01/2002] diz: “O Bibliotecário deve interessar-se pelo bem público e, com tal finalidade, contribuir com seus conhecimentos, capacidade e experiência para melhor servir a coletividade”. Mais questões: o que é mesmo bem público? Que relação há entre as noções de bem público e desenvolvimento da sociedade?

 

Neste momento que hoje vivemos, de fortes mudanças nas tecnologias de comunicação, armazenamento e recuperação da informação, percebemos um esforço muito grande dos bibliotecários pela mudança e aperfeiçoamento de suas habilidades em lidar com as técnicas. Contudo, aqueles dispositivos do Código de Ética não serão atendidos apenas com a satisfação dessa preocupação. E ai chama-se novamente para o diálogo os Cursos de Biblioteconomia. Admitamos: houve muito erro no que esses cursos fizeram predominantemente até agora, isto é, em traduzir o mundo real como redutível às técnicas e tecnologias da comunicação e informação. Continuaremos a agir assim?

 

Notas:

 

1 - Fonte: http://www.ipib.com.br/pibbrasil/valor.asp

2 - FONTE: http://blig.ig.com.br/blogdojoaodarocha/2008/12/08/brasil-oitavo-pib-mundial/


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB