PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: O COMPROMISSO DO BIBLIOTECÁRIO BRASILEIRO COM O FUTURO DE SEUS LEITORES PÚBLICOS E ESCOLARES

Refletir sobre o ser ético na prática do bibliotecário é, dentre outras coisas, pensar sobre o futuro. Dito em outros termos, a reflexão que faço sobre a conduta que se pode tomar como adequada às práticas bibliotecárias no Brasil leva-me a afirmar que está havendo, lentamente, uma trajetória manifestada por ações mais concretas, ou por conversações ainda reservadas, que podem levar à reinstituição da ética bibliotecária no Brasil e a revisão do Código de conduta profissional que rege a ação dos profissionais.

 

No rol das ações que chamo de mais concretas está o PROJETO MOBILIZADOR: BIBLIOTECA ESCOLAR - CONSTRUÇÃO DE UMA REDE DE INFORMAÇÃO PARA O ENSINO PÚBLICO, o qual tem a iniciativa e a forte presença do sistema encabeçado pelo Conselho Federal de Biblioteconomia  [http://www.cfb.org.br/UserFiles/File/PROMOBILFINAL.pdf]. Em várias reuniões realizadas por todo o país nos últimos meses em que está presente um representante do CFB, certamente se fala deste projeto. Evidentemente, ele está respondendo a um contexto econômico, proporcionado pela sanção da Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003, conhecida como a Lei do Livro [http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/leis/2003/lei10753.htm].

 

Essa Lei, que foi uma demanda do Sindicato Nacional dos Editores de Livros [SNEL] e Câmara Brasileira do Livro [CBL], teve seu projeto patrocinado no Senado Federal pelo Senador José Sarney, e visa fortalecer a indústria editorial em dois aspectos fundamentais: 1 - financiamento  e 2 -  ampliação do mercado editorial.

 

O financiamento à indústria editorial será proporcionado pelo Governo Federal com a abertura de linhas especiais de crédito para a modernização do setor. Para isso, o BNDES através de estudo próprio: “A economia da cadeia produtiva do livro”, realizado em 2005, por Fábio Sá Earp e George Kornis [http://www.bndes.gov.br/conhecimento/ebook/ebook.pdf], sondou o quadro existente a fim de poder estabelecer uma sistemática de ação, visando atender ao setor.

 

Quanto à ampliação do mercado editorial, a Lei do Livro dispõe sobre vários instrumentos que devem ser implementados a fim de que se venda mais livros no país. Esses instrumentos se encontram explicitados no teor dos artigos 13, 14, 16 e 17 da referida Lei, a seguir transcritos:

 

Art. 13. Cabe ao Poder Executivo criar e executar projetos de acesso ao livro e incentivo à leitura, ampliar os já existentes e implementar, isoladamente ou em parcerias públicas ou privadas, as seguintes ações em âmbito nacional:

 I - criar parcerias, públicas ou privadas, para o desenvolvimento de programas de incentivo à leitura, com a participação de entidades públicas e privadas;

II - estimular a criação e execução de projetos voltados para o estímulo e a consolidação do hábito de leitura, mediante:

       a) revisão e ampliação do processo de alfabetização e leitura de textos de literatura nas escolas;

       b) introdução da hora de leitura diária nas escolas;

       c) exigência pelos sistemas de ensino, para efeito de autorização de escolas, de acervo mínimo de livros para as bibliotecas escolares;

III - instituir programas, em bases regulares, para a exportação e venda de livros brasileiros em feiras e eventos internacionais;

IV - estabelecer tarifa postal preferencial, reduzida, para o livro brasileiro;

V - criar cursos de capacitação do trabalho editorial, gráfico e livreiro em todo o território nacional.

 

Art. 14. É o Poder Executivo autorizado a promover o desenvolvimento de programas de ampliação do número de livrarias e pontos de venda no País, podendo ser ouvidas as Administrações Estaduais e Municipais competentes.

 

Art. 16. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios consignarão, em seus respectivos orçamentos, verbas às bibliotecas para sua manutenção e aquisição de livros.

 

Art. 17. A inserção de rubrica orçamentária pelo Poder Executivo para financiamento da modernização e expansão do sistema bibliotecário e de programas de incentivo à leitura será feita por meio do Fundo Nacional de Cultura.

 

 

Embora a Lei do Livro seja um instrumento jurídico buscado e conquistado por um determinado setor industrial, seus desdobramentos podem proporcionar a ampliação da capacidade do bibliotecário brasileiro em atender à população como um todo, alcançando a todos os segmentos sociais e econômicos. Desconsiderando os interesses econômicos embutidos na Lei do Livro, pode-se admitir que ela contém dispositivos que oferecem argumentos à corporação bibliotecária brasileira para lutar em benefício da ampliação do acesso ao livro. Por isso, a Lei do Livro, se devidamente utilizada, transforma-se em um recurso para a atuação social do profissional do bibliotecário e, deste modo, torná-lo melhor inserido no seu contexto de ação.

 

É por esse viés, que vejo todo o valor ético na ação do CFB ao se colocar, para além de sua missão institucional, na liderança desse Projeto Mobilizador e sinalizar um sentido que pode ser dado à missão do bibliotecário para os próximos anos na sociedade brasileira, devendo ser expandido para alcançar também o engajamento na luta, com outros projetos mobilizadores, em prol de todos os leitores que buscam as bibliotecas públicas.

 

No âmbito das conversações reservadas a que me referi no primeiro parágrafo deste texto, vislumbra-se a ocorrência de preocupações, ainda não publicamente manifestadas, quanto à necessidade do fortalecimento teórico-social e didático-pedagógico do conteúdo e das práticas de formação do bibliotecário no Brasil. Estrategicamente, deve ser fortalecida a profissão do bibliotecário. Hoje ela está profundamente empobrecida pelo forte viés dado à preparação para o setor de Informação Científica e tecnológica [ICT] nos últimos vinte anos, em consequência da densidade do discurso que promoveu o fortalecimento da Pós-Graduação em Ciência da Informação. O discurso aí produzido, ao sobrepor-se, por vários caminhos, da ideologia do desenvolvimento industrial à da globalização, desfavoreceu aos interesses sociais da Ciência da Biblioteconomia, contribuindo para a destruição do Sistema existente de Pós-Graduação em Biblioteconomia. A destruição desse Sistema enfraqueceu a perspectiva de fazer-se a produção de uma teoria biblioteconômica a partir da análise do ambiente social, econômico e político brasileiro não comprometido prioritariamente com a ideologia industrialista e globalizante e contribuiu largamente para o enfraquecimento da capacitação necessária à promoção do desenvolvimento da biblioteca pública e escolar. Doutores e mestres em Ciência da Informação, oriundos de uma formação bibliotecária ou não, trabalham com fundamentos e teorias que, se alcançam a problemática vivida, real ou potencialmente na informação especializada, perdem em domínio da problemática que se desenvolve no âmbito das questões culturais, do movimento social, das reservas culturais autóctones. Que se reconheça sua preparação para a interpretação e intervenção nas questões relativas à ICT, mas que se preserve para a sociedade a garantia de que haverá a formação de Mestres e Doutores em Biblioteconomia. Esse imperativo moral começa a nortear o interesse de alguns pesquisadores em questões relativas à educação do bibliotecário brasileiro como um imperativo categórico, especialmente, pelo fato de que a profissão de bibliotecário e a educação para o exercício dessa profissão devem mirar ao futuro.


   460 Leituras


Saiba Mais





Sem Próximos Ítens

Sem Ítens Anteriores



author image
FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB